POV VILLANELLE
O dia de ontem havia sido bom. Quando depositei o postal de Eve me senti tão feliz, por algum motivo me senti até mesmo um pouco mais perto dela, apesar dela não querer ver nem a minha sombra. Mas acho que o postal pode ter sido uma boa ideia, escrevi algo simples e singelo, mesmo tendo ficado tentada a escrever algo mais romântico e bonito, porém acho que isso a deixaria desconfortável e pareceria que eu estava forçando a barra, e não é isso que eu quero. E hoje acordei ainda mais feliz porque ela receberá meu cartão postal e terei certeza que pelo menos nesse minuto ela pensará em mim.
- Para onde estamos indo? - perguntei a Konstantin enquanto caminhávamos pelo centro de Amsterdã.
- Vamos aqui comprar um cappuccino pra mim. - apontou para uma cafeteria e eu rolei os olhos.
- Não quero, vou esperar aqui fora. - informei e o homem entrou no estabelecimento.
Olhei ao meu redor e avistei uma estátua humana e abri um largo sorriso. Desde criança eu tenho uma certa fascinação por estátuas humanas, sou capaz de ficar ali admirando durante vários e vários minutos. Não hesitei em chegar mais perto e assim que estava diante da estátua, fiquei imóvel e encarei a pessoa à minha frente.
Era um passatempo divertido pra mim, acho que a maioria das pessoas não entenderia, mas eu realmente acho legal. Não sei por quantos minutos fiquei encarando aquela estátua até perceber através da minha visão periférica que Konstantin estava se aproximando, e de repente me ocorreu de lhe dar um belo susto.
Senti o homem se aproximar cada vez mais quando ele resolveu falar.
- Oksana? - falou baixo bebericando seu café.
Não respondi, continuei imóvel.
- Oksana?? - disse um pouco mais alto tentando chamar minha atenção.
Nem um movimento.
- Oksana?? - tocou meu braço e eu me segurei para não cair na risada.
Nada.
- Oksana?? - tentou de novo.
- KONSTANTIN!!! - gritei dando um pulo na sua frente e ele levou um baita susto, derrubando assim seu copo de café.
- Oksana! - ele me repreendeu - O que você tem na cabeça? - falou irritado e eu caí na gargalhada.
- Estou brincando de estátua humana - falei sorrindo divertida.
- Às vezes você parece uma criança! - argumentou. - Vamos! - me puxou pelo braço para voltarmos a caminhar.
- “Às vezes você parece uma criança!” - o imitei afinando minha voz e fazendo uma careta.
- Está vendo? - me olhou de rabo de olho.
- Ah… - sorri fazendo uma carinha infantil - Não tem nada demais.
- Se comporte, Oksana. - me repreendeu. - E me chame de Kim, por favor.
- Está bem, está bem. - bufei - Afinal pra onde estamos indo agora? Fazer mais alguma coisa chata?
- Estamos indo encontrar o hacker que eu te falei.
- Ora, ora, já não era sem tempo, hein? Obrigada a todas as deusas! - ergui as mãos pros céus como forma de agradecimento.
- Pois é, e finalmente você terá as respostas que precisa.
Me senti bastante ansiosa, senti até meu estômago se revirar dentro da minha barriga, porque eu esperava por isso há algum tempo e agora finalmente as coisas ficarão esclarecidas pra mim e eu vou poder entender tudo o que aconteceu e está acontecendo.
Caminhamos por mais algumas quadras até chegarmos a uma praça muito bonita, porém pouco movimentada. Havia muitas árvores, um pequeno lago e vários bancos por perto. Konstantin pareceu analisar e eu segui seu rumo, até que enxergamos a silhueta de um homem sentado em um dos bancos e então seguimos até ele.
- Anton? - Konstantin falou e o homem careca nos olhou.
- Kim? Oksana? - o homem nos cumprimentou usando nossos nomes falsos. - Sentem-se.
- Há quanto tempo não nos vemos, Anton! - Konstantin exclamou e eu só fiquei calada.
- Nossa… - o homem pareceu refletir - Muitos e muitos anos. Bons tempos! - sorriu.
Os dois ficaram conversando sobre esses “bons tempos” e eu comecei a ficar irritada, e tenho certeza absoluta que fiquei de cara emburrada também. Não sei por quanto tempo ficaram ali trocando firulas e eu apenas observando a paisagem completamente de saco cheio, até que finalmente resolveram falar o que me interessa.
- Oksana. - Konstantin chamou - Eu vou começar a te explicar algumas coisas e eu quero que você preste atenção, ok? - assenti - Não me interrompa, apenas ouça.
- Está bem! - o encarei.
- Alguns meses antes do seu pai morrer, ele me procurou um tanto triste, preocupado, chateado e me disse que queria se desligar da máfia completamente e viajar com você para outro país, pra vocês morarem juntos. - fez uma pausa e eu senti meu coração apertar. - Acredito que ele não tenha dito isso à você. - neguei com a cabeça - Pois é, ele estava preocupado porque havia comentado isso com sua mãe e ela foi totalmente contra, falou que já não bastava você ter abandonado o seu legado e seu pai também queria fazer o mesmo, logo Carolyn surtou. Disse que de jeito nenhum ela aceitaria isso, e seu pai falou que queria se divorciar e ela também recusou, afirmando que ele estava preso à ela pra sempre.
Fez uma pausa novamente, puxou o ar e soltou lentamente. Eu o observava e o homem careca também.
- Carolyn ameaçou seu pai de todas as formas possíveis, e ele se sentia cada vez mais triste e deprimido, porque se sentia impotente, sentia que havia falhado como pai com você em deixar que você continuasse morando na Rússia, quando claramente seu maior sonho era ir embora daquele lugar.
Meu coração batia tão apertado e acelerado no meu peito, o choro já estava preso na minha garganta porque eu sei que isso com certeza seria algo que meu pai faria por mim, e saber que ele estava deprimido e sofrendo me machucava e me fazia sentir culpada por não ter percebido isso, principalmente porque ele nunca demonstrou nem um tipo de fraqueza diante de mim.
- Diversas e diversas vezes ele me procurou para desabafar, conversar, contar seus planos e eu sempre incentivei, vocês mereciam ser felizes, levar uma vida normal, tranquila. Seu pai era uma pessoa boa, assim como você. - ele acariciou meu rosto - Você é uma pessoa maravilhosa, Oksana. Nunca, jamais deixe ninguém dizer o contrário disso. - nesse momento as lágrimas rolaram sobre minha pele.
- Por que ele não me contou? - falei com a voz embargada pelo choro.
- Porque ele estava tentando e não queria fazer você ter esperanças em vão, caso ele não conseguisse. Ele te contaria quando estivesse tudo certo, mas tudo o que ele tentava fazer pra se livrar da sua mãe não funcionava, você a conhece, sabe que ela está sempre dois passos à frente de todo mundo. Até que um dia ele chegou comigo falando que queria derrubar a sua mãe. - o olhei confusa - Sim, derrubar.
- Não entendo. - falei.
- Eu também não entendi no começo, mas ele disse que queria acabar com ela e para isso ele ameaçou sua mãe dizendo que divulgaria várias informações sigilosas da máfia caso ela não deixasse vocês irem embora da Rússia em paz. Ele me entregou um HD contendo diversas informações ultrassecretas da máfia e pediu para que eu guardasse, me fez prometer que eu não diria a ninguém sobre isso. Ele continuou ameaçando e enfrentando sua mãe, porém ela não cedia, ela batia de frente com ele e o intimidava.
Konstantin parou mais uma vez e observou meu rosto molhado pelo choro. Carinhosamente secou algumas lágrimas que haviam ali e segurou em minhas mãos.
- Seu pai estava a ponto de surtar, não estava mais aguentando o que Carolyn vinha fazendo com ele, todo o abuso psicológico, ameaças ainda piores. Ele chegou a me dizer que ela havia dito que se ele não parasse com essas ideias, ela mataria você diante dele, pra vê-lo sofrer.
Eu não podia acreditar que minha mãe diria isso. Eu sei que minha mãe é uma pessoa horrível, que tentou me matar recentemente, mas falar dessa forma com meu pai… Não era possível. Eu não aguentei. Eu desabei num choro incessante, o ar faltava nos meus pulmões e eu puxava com força, minha cabeça doía, meu peito doía, meu corpo todo doía. Konstantin ficou em silêncio e me puxou para um abraço acolhedor e amoroso. Fiquei durante um bom tempo chorando ali aninhada em seu colo, soluçando, molhando sua roupa com minhas lágrimas, derramando toda a dor que eu estava sentindo.
Assim que os soluços diminuíram, me desvencilhei de Konstantin e sequei meu rosto com as mangas do meu casaco.
- Seu pai te amava mais do que tudo na vida, e ele faria tudo por você. - o homem barbudo falou com sinceridade.
- Eu sei. - murmurei ainda chorosa.
- Mas ele não estava bem, a última vez que me procurou ele disse que estava sentindo que algo ruim aconteceria, algo muito ruim, que estava tudo insuportável e que ele não tinha mais forças, e me fez jurar que caso acontecesse algo com ele, eu divulgaria as informações que ele me passou. Agora você entende o motivo de eu ter feito o que fiz? - me olhou cheio de preocupação, honestidade e carinho.
- Acho que sim. - falei baixinho.
- Você precisa entender que em momento algum eu imaginei que pudesse te prejudicar, eu estava fazendo o que seu pai me pediu. Ele queria que sua mãe caísse de um jeito ou de outro. Um pouco depois que ele morreu, eu saí de Moscou e fui para Londres, eu sabia que você havia ido pra lá também e eu fui pra ficar perto de você, porque eu prometi a seu pai que te cuidaria. E então eu comecei a divulgar as informações e a vendê-las online, e comecei a te observar de longe, pensando no momento ideal de poder me aproximar de você e te contar tudo. Mas aí aconteceu o que aconteceu. - ele suspirou - Eu sinto muito, sinto do fundo do meu coração, eu jamais faria algo pra te machucar, algo que colocasse o seu bem-estar em risco. - eu assenti com a cabeça - Quando eu soube do que havia acontecido eu entrei em pânico, comecei a pensar em todas as hipóteses possíveis e só consegui pensar que tudo havia sido rastreado até Londres e sua mãe entendeu que quem divulgava as informações era você, então parei imediatamente com tudo. - uma lágrima solitária correu sobre sua bochecha.
- Ei, não fique assim - falei.
- Você sabe que eu nunca te machucaria, não sabe?
- Eu sei! - assegurei.
- O Anton também era amigo do seu pai.
- Eu, seu pai e Konstantin éramos amigos desde a infância. - o homem careca sorriu - Mas eu fui embora da Rússia bem na época que sua mãe estava grávida de você, mas seu pai e eu nunca perdemos o contato.
- Quando eu percebi que eu precisava de ajuda com essas informações, para poder divulgá-las em total segurança, eu entrei em contato com Anton e contei tudo o que havia acontecido, pessoa de confiança minha e do seu pai, então ele sugeriu que viéssemos à Amsterdã para conversarmos e resolvermos isso de um modo seguro para todos.
- Eu trabalho para a inteligência holandesa, e sou hacker nas horas vagas. - Anton falou.
- Não se preocupe, porque você também pode confiar em Anton. - Konstantin me assegurou.
- Está bem. - suspirei.
- Nós vamos marcar de ir até a minha casa para vermos juntos as informações que tem no HD e aí discutiremos a respeito. - o homem careca disse olhando para mim. - Nós queremos que você esteja à par de tudo, que participe de tudo. Você tem direito.
- Obrigada. - murmurei - Obrigada, Anton.
- Não se preocupe, Oksana. - piscou sorrindo - Vai ficar tudo bem.
- Confie! - Konstantin falou.
- Bom, agora eu preciso ir. - Anton disse se levantando - Vou entrar em contato pra informar quando podemos reunir na minha casa.
Konstantin e eu assentimos e o homem se retirou.
- Me perdoa por ter te tratado mal e por não ter confiado em você. - murmurei para o homem barbudo.
- Está tudo bem. Eu deveria ter te deixado à par desde sempre. Mas agora somos uma equipe, ok? - sorriu gentil.
- Ok! - sorri de volta.
Eu não queria admitir, mas toda essa conversa, a descoberta sobre esses acontecimentos me deixou desestruturada. Minha cabeça não estava bem, parecia pesada de tão cheia de coisas ruins que pairavam sobre ela, uma angústia maior ainda apertou no meu peito. Já não bastava estar sofrendo por Eve, agora eu estava devastada pelo meu pai de novo, e horrorizada com minha mãe. Agora eu entendo, eu sei que tenho Konstantin, mas tantas coisas ruins aconteceram comigo que… eu não sei de mais nada, eu não quero mais nada. Só queria jogar tudo pro alto e sumir, porque a minha existência tem sido motivo para sofrimento. Esse buraco e essa dor dentro de mim só aumentam e me machucam.
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POV EVE
Cheguei em casa à noite completamente esgotada do trabalho. O dia tinha sido longo, corrido e extremamente cansativo. Subi as escadas e fui direto tomar um banho bem demorado e quentinho para relaxar o meu corpo, usei até sais de banho, coisa que não uso com muita frequência, mas eu estava precisando. Assim que finalizei, vesti um moletom e uma calça confortável e fui até a cozinha ver se tinha algo para jantar, e dei de cara com Meredith se arriscando a fazer um bolo.
- Uau! - falei admirada ao vê-la batendo a massa - Você está empenhada mesmo.
- Sim. - suspirou - Passar o dia todo em casa me deixou entediada.
- Você ainda está mal do resfriado? - questionei.
- Melhorei. Felizmente amanhã já poderei ir trabalhar.
- Que bom. Senti sua falta no trabalho - sorri e ela deu uma gargalhada.
- Sei. Veja em cima da mesa, tem uma correspondência pra você. - exclamou.
Fui olhar em cima da mesa procurando o que teria pra mim naquela correspondência, boletos, boletos, boletos, cartão postal. Cartão postal? Observei a foto da linda cidade de Amsterdã e virei o cartão para ler o que tinha no verso.
Querida Eve,
Eu espero que você não tenha se esquecido de mim.
Vx
Fiquei alguns minutos ali petrificada sentindo um turbilhão de sentimentos me invadir, imediatamente meu coração acelerou, uma certa alegria explodiu dentro de mim e até mesmo um pouco de euforia.
- Villanelle. - falei pra mim mesma mas minha amiga ouviu.
- Sim. Você sabia que ela estava em Amsterdã? - perguntou.
- Não. - refleti - Mas agora tudo faz sentido, Mer!
- Como assim? O que faz sentido? - falou enquanto jogava a massa do bolo na assadeira.
- Ontem eu tentei ligar para Villanelle e não consegui, as mensagens também não estavam chegando, então eu fui até o prédio que ela mora. - me aproximei da minha amiga e sentei no balcão da ilha central - E eis que o porteiro me disse que ela saiu há duas semanas e não voltou mais, que saiu apenas com uma mochila nas costas e pegou um táxi.
- Nossa, que radical. Então ela deve ter viajado naquele dia que ela esteve aqui de manhã cedo pra conversar com você.
- Sim, também pensei isso. Só que eu pensei que ela tivesse ido pra Rússia, sei lá.- falei confusa.
- Depois do que você me disse sobre ela não gostar da Rússia seria difícil ela ir. - constatou.
- Nem me liguei nisso. Mas o que ela deve estar fazendo em Amsterdã?
- Passeando talvez. - deu de ombros - Você a enxotou dizendo que não queria mais vê-la, a moça deve ter ido viajar pra tentar espairecer.
- Pode ser…
- Porém continua pensando em você, Eve. - minha amiga sorriu carinhosa - Ela é apaixonada demais por você.
- Meredith - fingi que não senti borboletas no estômago - Quando eu fui lá no prédio dela, o porteiro falou que um homem russo que ninguém conhece foi lá atrás dela também. Disse que o cara era super estranho, insistiu demais para saber onde Villanelle estava.
- Você acha que pode ser essa gente da máfia?
- Eu acho que sim, eu acho que estão caçando ela de novo. E que ela está em perigo. - meu tom era de preocupação.
- De qualquer forma ao menos você sabe que ela está bem, já que esse postal está datado de ontem. - falou serena.
- Sim, pelo menos. Mas olhando aqui… - olhei frente e verso do cartão - Não existe um endereço de remetente. - bufei. - Estou totalmente incomunicável com ela. Eu queria… Eu queria… Queria poder avisá-la.
- Oh, Eve… - Meredith me olhou preocupada - Eu sei. Mas pense que enquanto ela estiver em Amsterdã ela vai estar segura.
- Sim, acho que sim…
- Você repensou sobre as coisas que disse à ela na hora da raiva? - questionou.
- Repensei sim, e mesmo estando brava eu não tinha o direito de tratá-la daquela forma. Mesmo que ela tenha mentido, eu não tinha o direito... - observei sua letra no verso do cartão e sorri com sua caligrafia bonita e bem desenhada.
- Você ficou feliz com esse cartão postal, não foi? - Meredith falou sorrindo amorosa e seu tom de voz gentil.
- Confesso que fiquei. Não sei se parece estranho, mas senti como se ela estivesse perto de mim. - falei contornando a marca da caneta sobre o cartão com a ponta dos dedos.
- Não é estranho não, é normal. Vocês não se veem há bastante tempo, não se falam, não têm contato algum. E eu sei que você ainda deve estar magoada e se sentindo traída, mas você sente falta dela.
- Eu sinto falta dela o tempo todo. Não sei como ela pôde pensar que eu poderia tê-la esquecido… - uma lágrima rolou sobre meu rosto.
- Ela deve estar se sentindo insegura e com medo, Eve. É natural.
- Mas eu jamais poderia esquecê-la.
Nunca, nunca esqueceria. Por mais magoada, chateada, triste e decepcionada que eu estivesse, Villanelle nunca seria esquecida por mim.
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