Continuação......
Levei um segundo pra absolver o "foda-se" daquele imbecíl, com quem ele pensa que está mexendo? Mas não tomei isso como pra mim, e sim pro pobre homem no chão, era ele quem estava fudido.
Carl se afastou do meu ouvido e me encarou desafiador, tive uma súbita vontade de mirar minha arma no meio das pernas dele, e mostrar com quem ele tá brincando, mas uma "intuição" me impediu de fazer isso.
- É, então... foda-se. - Falei dando de ombros, fingindo não me importar com aquilo. E então meu olhar se voltou para o cara, e meu alvo.
No exato momento em que fui apertar o gatilho, Rick avançou em mim e baixou o meu braço, o disparo ricocheteou no chão, um pouco a baixo das bolas do cara, faltando só alguns centímetros para atingi-lo. Gritinhos de susto e alívio foram arrancados da "platéia", mas ninguém gritou mais do que o cara que seria atingido.
Fiquei puta, eu fiquei muito puta. Rick continuou segurando meu braço, mas sem botar muita força.
- Não pode fazer isso. - Disse com o tom de voz calmo e preciso. - Se atirar, ele vai sangrar muito, e não temos médico, tínhamos mas... um dos seus matou ela. Então, ele sangraria até a morte, e seu pai te proibibiu de matar aqui. - Arregalei os olhos, me perguntando como ele sabia disso. - Carl ouviu você falando com o Negan. - Explicou, percebendo minha confusão. - E, "como uma boa filha", você deveria obedecer.
A sensação de estar sendo contrariada me deixou revoltada. Puxei meu braço, me livrando do aperto dele.
- Você não tem noção do que eu sou capaz, Rick. - Falei entre os dentes.
- Posso imaginar. - Senti sarcasmo em sua voz. - Mas não vou deixar você chegar aqui e tentar confrontar meu pessoal, não foi esse o combinado com o Negan. - Sussurrou, estávamos falando baixo, de um modo que somente nós dois escutassemos. - Seu show acaba por aqui.
Olhei pras pessoas ao meu redor, estavam assustadas, ainda esperando o espetáculo acontecer. Encarei o cara no chão por uns segundos, dos olhos dele ainda escorriam lágrimas de desespero. Odeio ter que admitir, mas eu realmente não podia fazer isso, ele morreria. E meu pai não ia gostar nada disso.
Por fim, dei um tiro pro alto, arrancando mais gritinhos de susto.
- Considere-se sortudo. - Falei pro cara. Encarei Rick, que me fitava destemido. Olhei de soslaio pro Carl, ele me devolvia um olhar fuzilante.
"Carl... Carl... eu ainda vou fazer você me olhar diferente, prometo."
Me retirei deixando pra trás a roda de pessoas aliviadas e os murmúrios que se iniciaram.
Andei com passos firmes e apressados, sem saber pra onde ia. Passando por casas de onde os moradores estavam saindo para espiar o que estava acontecendo.
Parei no fim de uma rua qualquer, não era residencial, e não havia ninguém por perto, pelo menos não pelo que eu vi.
Tirei o Walkie-talkie do bolso e segurei o botão com o polegar.
- Pai. - Chamei, esperei uns segundos, mas não houve resposta. - Pai!
Ele não respondia, que droga! Só espero que ele não esteja ocupado de mais com suas esposas.
- PORRA PAI! RESPONDE LOGO! - Esbrevejei já sem paciência. Então ouvi um chiado do outro lado, e em seguida a voz de grossa e pouco amigável do meu pai.
- Fale comigo nesse tom de novo. - Ameaçou, revirei os olhos e enfiei a mão livre dentro do bolso traseiro do meu jeans.
- Preciso falar com você.
- Me corrija se eu estiver errado, mas acho que deixei bem claro quando eu disse que EU te chamaria uma vez por dia. - A jugar pelo seu tom de paciência forçada, tenho certeza de que interrompi alguma coisa.
- Sim, você deixou isso claro.
- Então por que caralhos estamos conversando agora?
Engoli em seco, tenho impressão de que ele vai explodir.
- É que... - Um pouco apreensiva, contei a ele o que aconteceu. Houve um silêncio agoniante do outro lado da linha, conhecendo ele, eu estou encrencada. - Pai?
- Puta que pariu. - Ele murmurou tão baixo, que mal consegui ouvir. - Você atirou num cara?
- Atirei.
- E que merda você tem na cabeça pra ter feito isso? - A voz dele estava controlada, mas eu percebia a raiva saindo em cada sílaba que ele pronunciava.
- Espera aí, foi você mesmo quem disse que eu poderia dar um susto neles se caso não entendessem! E foi o que aconteceu. - Retruquei na defensiva. - Isso também ficou bem claro pra mim.
Houve um chiado, ele estava respirando fundo.
- Volte pra cá.
- O que? - Pensei não ter ouvido direito.
- Volta pra cá, agora. - Repetiu com o tom ainda mais autoritário do que da primeira vez.
- Por que? - Indaguei revoltada. - Não pode fazer isso, eu acabei de chegar! Não era pra mim "ser os seus olhos" aqui?
- Isso foi uma ordem, não quero ouvir reclamação!
- Ahhh que inferno! - Gritei tirando a mão do bolso e puxando um tufo de cabelo. Respirei fundo, tentando me acalmar. - Okay pai, vou pedir pro Rick me...
- Nada disso. - Me interrompeu com grosseria. - Você vai vir sozinha, e andando. Vai ter bastante tempo pra pensar.
- Você enlouqueceu? Não... perai, você está bêbado, é isso né!? - Ele riu debochado. - PAI!
- Eu estou tão sã quanto nunca.
- Eu não sei o caminho até o santuário! - Tentei fazê-lo mudar de ideia, isso só pode ser brincadeira.
- Então encontre. - Retrucou indiferente. - E deve ser longe, então acho melhor se apressar.
Não respondi, eu não acreditava nisso.
- Não demore, sabe que não gosto de ficar esperando. E quando você chegar, vamos ter uma looonga conversa. - Riu e em seguida soltou um suspiro.
- E se eu não chegar? - Perguntei sombriamente, fiquei com o olhar duro, encarando uma folha caída no chão, enquanto esperava a resposta do meu pai.
- Você vai chegar, você sempre chega. - Dito isto, desligou.
Então era isso, esse era o meu castigo. E nem sei o que foi que fiz de errado, mas seja lá o que for, ele está muito puto comigo. Mas que se dane, vou encontrar o caminho de volta antes mesmo de amanhecer, e vou chegar viva.
Olhei para os lados, procurando um meio de saída que não fosse o portão. Eu não queria que me vissem saindo, quero deixar eles assustados com o meu sumiço, daixa-los imaginando o que aconteceria com eles quando o Negan soubesse que a filha dele sumiu.
A única provável saída que encontrei foi o muro atrás de mim, era alto, mas quem sabe se eu escalá-lo com cuidado, consiga atravessar o outro lado. Foram três tentativas falhas, em que eu caí batendo a bunda no chão duro. Mas na quarta tentativa, alcancei meu objetivo com sucesso.
Assim que pulei pro outro lado, peguei meu canivete de dentro do bolso e o abri, empunhando-o a frente do meu corpo, em posição de ataque, não quero ser pega de surpresa por esses caminhantes. Olhei ao meu redor, explorando o ambiente. Eu só via mato e árvores por toda a parte, parece que vou ter que atravessar essa floresta, tem que ter uma estrada no final dela.
Eu caminhei com pressa, desviando de galhos no meio do caminho. De vez em quando, um errante cruzava meu caminho, e terminavam com um buraco no cérebro. Já estou caminhando a um bom tempo, tentando imaginar o que o Negan quer conversar comigo, e não chego a nenhuma conclusão. Eu não fiz nada de errado, nem desobedeci nenhuma ordem, o cara ainda estava vivo.
Por que ele tem sempre que ser tão exagerado assim? Ele apavora a todo instante e quando faço algo do tipo, ele surta?!
Despertei dos meus pensamentos quando um dos mortos apareceu de repente na minha frente, era uma mulher completamente desfigurada, um lado do rosto estava sem a pele, deixando seus ossos decompostos, a mostra. Imagino que foi devorada. No susto, recuei um passo pra trás e acabei tropeçando numa pedra, caí batendo as costas no chão barreado, deixando o canivete cair pra longe do meu alcance... porra! A andante grunhiu alto e caiu por cima de mim. Segurei sua garganta, para impedir que seus dentes podres se aproximassem do meu rosto, seus braços seguravam os meus, arranhando minha jaqueta de couro. Virei a cabeça pros lados, procurando uma pedra ou algo duro que possa amassar o cérebro desse bicho, mas só tinha galhos finos e grama. Seu grunhido ficou mais alto, ela batia os dentes com força, mostrando seu desejo pela minha carne, aquilo era nojento. Tive que segurar seu pescoço com as minhas duas mãos, merda, preciso dar um jeito nisso logo. Não tinha como evitar, vou ter que fazer barulho. Soltei uma mão do pescoço dela, sentindo dificuldade de segurá-la apenas com uma. E tirei minha arma da cintura, tentei afastar mais o rosto dela do meu, pra poder mirar bem, não quero precisar disparar mais do que uma vez. Então mirei em sua testa e atirei, o sangue respingou no meu rosto, seu corpo ficou pesado e eu o joguei fazendo-a cair imóvel do meu lado. Meus ouvidos zuniram por uns segundos, o disparo foi alto.
- Cassete, vou ter que correr. - Me sentei e sacudi a cabeça, na tentativa de clarear as ideias. O som alto do tiro vai atrair mais deles, posso dar conta de um trio, mas não mais do que isso, só tenho algumas balas e uma faca, não posso desperdiçar atoa. Me estiquei pegando o canivete do outro lado, e me levantei. Passei as mãos nos meus ombros, tirando a terra da minha jaqueta, limpei os pingos de sangue do meu rosto com as costas das mãos, aquilo era ascoso. Guardei a arma e continuei a caminhar com passos apressados, não voltei a pensar em mais nada, pra não me distrair novamente. Só tenho que continuar meu caminho, que pra variar, nem sei qual é.
[ ... ]
Devo estar andando a umas duas horas, e o sol já tinha se pondo a uns quarenta minutos, o que era bom porque aquele calor era insuportável, mas também era ruim porque o escuro da noite dificulta a identificação de um perigo.
Espero estar no caminho certo, mesmo duvidando muito dessa possibilidade. Escolher uma direção toda a vez que uma estrada se divide em dois ou mais caminhos é meio difícil, então optei por tentar a sorte e fiquei fazendo "uni duni tê" a cada vez que isso acontecia.
Eu sabia que deveria ter enchido pelo menos uma garrafa de água, antes de deixar Alexandria. Mas meu orgulho as vezes fala mais alto. Apesar do cansaço, eu ainda estava em pé, e firme. Alguns errantes cruzaram meu caminho na estrada, evitei ao máximo lutar com eles, poupar as energias, eu ainda vou precisar dela.
Avistei um errante solitário no fim da estrada, ele vinha se arrastando e gemendo fraco, ele tinha a cabeça caída no ombro, como se tivesse quebrado o pescoço, provavelmente essa foi a causa da sua "morte". Girei o canivete por entre os dedos e avancei em passos rápidos até ele, que percebeu minha presença e já ergueu os braços, avançando na minha direção. Sem cerimônias, cravei a lâmina afiada do canivete em seu olho esquerdo, e o chutei fazendo-o cair e o canivete se soltar do cérebro dele. Passei a lâmina no meu jeans, limpando o sangue do canivete.
Continuei fazendo a curva. Reconheci uma placa com as letras desgastadas, isso pode ser um bom sinal. Enquanto eu fazia a curva, comecei a ouvir uns sons conhecidos, eram grunhidos. Ao chegar no fim da curva, congelei com a cena que vi: no mínimo uns quinze andantes cercando o corpo de um cervo morto no meio da estrada, estavam devorando-o com gosto. Alguns deles viraram os rostos desfigurados para mim, e se levantaram. Meus batimentos se aceleraram. Aquilo seria divertido, se eu não estivesse em desvantagem.
[ ... ]
Eu já conseguia ouvir os gemidos irritantes dos zumbis nas lanças, e o arrastar de correntes ficava ainda mais alto no silêncio da noite.
Cada osso do meu corpo doía, eu queria ter morrido só pra deixar o Negan sentindo essa culpa, mas a questão era: ele se importaria com isso? Não sei.
- Ora, ora, quem é vivo sempre aparece... quer dizer, os mortos também, não é? - Simon riu com a piadinha sem graça dele. Ele estava guardando a entrada do santuário. - Achei que teria que ficar a noite toda aqui, você demorou em florzinha.
Sem prévio aviso, dei um chute com o meu joelho no meio das pernas dele. Eu já não estava com paciência. Simon se curvou com as mãos entre as pernas, dando um gemido seguido de uma séries de xingamentos saindo em murmúrios. Estava escuro e eu não conseguia enxergar claramente seu rosto, mas tenho certeza de que estava vermelho de ódio.
- Eu avisei, é Raven pra vocês. - Minha voz não saiu tão ameaçadora quanto eu queria, esse cansaço não estava ajudando.
- Sua...
- Onde está o Negan? - Interrompi o seu possivel palavrão. Eu não estava com a menor vontade de chamar o Negan de pai.
- Na sala dele. - Respondeu fazendo esforço pra voz sair alta.
Passei pelo portão, e enquanto me afastava, pude ouvi-lo desejando minha morte, o que não era novidade.
Com toda a falta de educação que eu tinha, sem bater, abri a porta bruscamente e a fechei batendo-a com força atrás de mim.
- Hey! Cadê a educação, florzinha? - Indagou sarcástico como sempre. Ele estava sentado confortavelmente em sua cadeira giratória, segurando um papel sobre a mesa, parecia ser um mapa. Usava a mesma roupa de hoje cedo, manchada de sangue. Lucille estava em cima da mesa, como de costume.
- Não sei, deve estar fudendo por ai. - Respondi expressando minha fúria.
Ele olhou pra cima e soltou um suspiro pesado pro alto.
- Não gostei disso, não foi legal. - Deu um assobio longo. - Saia da sala de novo, e bata na porta com o máximo de educação e respeito que você tem. E se por acaso, ela não estiver aí, eu mesmo vou pegar ela fudendo e obrigá-la a voltar pra você.
Continuei parada no meio da sala, de ante dele. Senti o ódio invadindo meu peito.
- Podemos ficar aqui a noite toda. - Falou se aconchegado mais na cadeira.
Respirei fundo, bem fundo, e sai da sala fechando a porta. Em seguida, bati três vezes.
- Quem é?
Suspirei mais fundo ainda.
- Ravenna. - Respondi com a voz espremida em raiva.
- Pode entrar!
Abri a porta novamente, e a fechei atrás de mim. Negan fez um gesto para que eu me sentasse na cadeira a sua frente, como não estou em condições de me sustentar em pé, sentei de frente pra ele.
Ficamos um tempo em silêncio, enquanto ele me estudava com um sorriso fechado. Me esforcei muito para não revirar os olhos.
- Você está linda. - Falou por fim, um brilho maravilhado surgiu em seus olhos, e apesar do tom sarcástico, eu sabia que ele falava sério. Eu estava banhada em sangue de zumbi e suor, meu cheiro era quase insuportável. Mas ele gostava disso, do sangue. Ele apontou para algo atrás de mim, olhei por cima do meu ombro, e percebi que ele mostrava o relógio pendurado na parede ao lado da porta. Os ponteiros marcavam 23:34hs. - Cinco horas e quarenta e sete minutos. Demorou pra encontrar o caminho de volta, mas viu só, você chegou, como eu falei que aconteceria. E me parece que a viagem foi longa - Comentou analisando minha roupa ensanguentada com pedaçinhos de entranhas. - deve ter tido bastante tempo pra pensar no que fez.
- O que você tem na cabeça? Eu podia ter morrido!
- Mas não morreu.
- Mas podia!
- Vaso ruim não quebra, florzinha.
- Pra que me chamou aqui afinal? - Franzi a testa com raiva. Ele ficou calado me observando, enquanto mordia o lábio inferior.
- Agora não. Primeiro vai tomar um banho porque você tá fedendo pra cassete. - Torceu o nariz e fez um gesto com a mão, me despachando. - Mas não demora, porque a noite vai ser longa. Vamos ter uma longa conversa.
Sem demora, me levantei da cadeira e me dirigi a porta, aliviada por poder tomar um banho antes da "longa conversa". Saí da sala, e antes de fechar a porta, pude vê-lo se espreguiçar apoiando as pernas em cima da mesa, voltando a estudar o mapa que segurava.
Eu subia as escadas para o próximo andar, quando ouvi umas vozes conversando mais a cima. Franzi o cenho, desconfiada, e desacelerei mais os passos, avançando os degraus lentamente, sem fazer barulho. Conforme eu avançava, as vozes foram ficando mais claras, e um cheiro de fumaça de cigarro tomou conta do ar que eu respirava.
- Você está feliz? - Reconheci a voz do Dwight.
- É, estou. - Era a Sherry.
- Ele te trata bem?
- Ahãm.
- E... o teste deu negativo mesmo?
- Deu, você viu. - Ela parecia levemente estressada. - Não estou grávida.
- Como é? - Indaguei me revelando, eles me encararam surpresos enquanto eu subia os degraus com passos pesados e firmes.
- Não era pra você estar com o seu pai? E o que é que aconteceu com você? - Dwight puxou a gola da sua camisa, tapando o nariz. Ignorei a presença dele.
- Você está grávida, Sherry? - Perguntei parando na frente dela.
- Não. Eu... achei que estava, mas fiz o teste e deu negativo. - Respondeu soltando a fumaça do cigarro, que inalou a pouco.
- Ótimo. - Relaxei a expressão, mas mantive meu olhar fuzilante. - Não seja descuidada. Não quero um "irmãozinho", se você engravidar, vou fazer meu pai duvidar da paternidade. - Ameacei virando o pescoço para Dwight, lançando-lhe um olhar maldoso. Ele me encarou com certo receio, acho que eles entenderam o recado. - E isso não vai ser legal. Então... melhor pararem de ficar se encontrando assim as escondidas, no escuro. Até mais.
Voltei a subir os degraus, rindo comigo mesma. Não quero ter um irmão ou irmã, não posso permitir que meu pai tenha mais alguém além de mim, tenho que continuar sendo tudo o que ele tem.
Escutei vozes masculinas alteradas no final do corredor, vindo de um dos quartos. Eu teria ido verificar se eu não estivesse apressada, vai ver que alguém perdeu no jogo de truco e não quer pagar a aposta, que deve ser um maço de cigarros. Bando de babacas, balancei a cabeça em reprovação, e entrei no meu quarto, me decepcionando assim que o fiz, pois lembrei do quarto que eu teria em Alexandria.
Demorei um pouco no banho, aquele cheiro custou a sair. Quando terminei, me enrolei na toalha branca que estava pendurada na parede, e fui pro quarto. Escolhi as primeiras peças de roupas que vi no armário: uma calça jeans clara e uma camiseta preta de mangas cumpridas. Peguei uma pistola prática e a escondi na parte de trás da calça, joguei a barra da camiseta por cima, deixando-a escondida. Por fim, saí do quarto.
Eu seguia o corredor que me levaria para a sala do meu pai, quando dois braços fortes me abraçaram por trás e envolveram minha cintura. Ri sem me virar, já sabendo quem era, Jason.
- Hmm... está cheirosa. - Comentou tirando meus cabelos molhados do pescoço e cheirando meu cangote.
- Você diria exatamente o contrário se me visse a alguns minutos atrás. - Falei me virando de frente pra ele, e encarei seus impactantes olhos verdes, sendo iluminados pela luz da lua que entrava pela janela. Suas mãos apertaram minha cintura com firmeza e ele desceu o olhar até minha boca, seus olhos brilharam.
Quando ele avançou para capturar meus lábios, o impedi colocando a mão em seu peito. Ele parou, me olhando com certa decepção. Envolvi meus braços em seu pescoço.
- Agora não... - Falei dando apenas um selinho rápido em seus lábios.
- Por que? - Perguntou irritado.
- Meu pai quer me ver.
- E o que é que você fez dessa vez? - Cemicerrou os olhos com desconfiança.
- Nada!
- Ah nada, de novo. - Debochou rindo. - É sério, que burrice você fez dessa vez? - Insistiu.
- Eu já falei que não fiz nada. - Repeti revirando os olhos. Ele arqueou as sobrancelhas, ainda me olhando desconfiado. - Ah, vai se danar Jay!
Soltei o pescoço dele e tirei suas mãos da minha cintura com brutalidade.
- Wow, calma! - Levantou os braços pro alto, fingindo redenção. - Só perguntei.
- Então não pergunte mais, porra.
- É só que... o que aconteceu? Ouvi seu pai dizer pra minha mãe que você tinha sido mandada pra vigiar o novo grupo. Aliás, o bastão do Negan estava pior do que de costume. - Riu.
- É Lucille. - Falei seca. - E sim, eu tinha ido com os infelizes, mas aconteceram umas coisas....
- Ai, eu não disse! - Cruzou os braços e apoiou as costas na parede. - Você matou alguém, foi isso né?
- Quase. - Bufei.
- Já te avisei que esse seu jeito problemático vai acabar te ferrando.
- Já te falei que estou pouco me danando pra isso. - Retruquei. Então mordi o lábio inferior, olhando pra ele com malícia. - Sentiu saudades de mim, por acaso?
- Tem como não sentir? - Abriu um riso safado.
- O que você ainda está fazendo parada ai? - Eu e Jason nos viramos assustados, Davey vinha andando pelo corredor, com a cara fechada, tinha um corte feio a cima de sua sobrancelha direita. Aposto que ele estava na briga que escutei. Ele olhou de mim pro Jason, e de novo pra mim. Então abriu um sorrido maldoso, parecendo deduzir alguma coisa na sua mente imunda e maliciosa. - Não sei não, mas algo me diz que o chefe não vai gostar de saber disso.
- Disso o que? - Cruzei os braços pra ele, desafiando-o com o olhar. - Está vendo alguma coisa demais aqui?
- Estamos vestidos e separados. - Completou Jason, tentando parecer despreocupado, mas eu sabia que por dentro ele estava nervoso.
Davey nos encarou ainda desconfiado.
- Vocês não me enganam...
- Dane-se. - Interrompi seu comentário desnecessário, pondo um fim naquela conversa. - Bem, meu pai está me esperando. Até mais ver... - Dei um risinho discreto ao Jason, que sorriu de volta e se desencostou da parede, dando as costas e sumindo na escuridão do corredor.
Continuei meu caminho pelo corredor, e quando passei pelo Davey, ele segurou meu braço, me forçando a parar, e me olhou com um brilho repugnante nos olhos.
- Estou de olho em você, mocinha. - Falou numa tentativa falha de me intimidar. Coitado.
- Melhor se cuidar Davey, e tomar conta de sí mesmo. - Sussurrei, sustentando seu olhar. - Meu pai não iria gostar de saber que você anda roubando as munições do estoque particular dele.
- Mas eu nunca fiz isso. - Franziu o cenho.
- Ops... acho que fui eu. - Levei a mão a boca, fingindo apavoro.
Deixei ele segurar meu braço por mais alguns segundos, enquanto nos fuzilávamos. Até que ouvimos o assobio do meu pai vindo da sala dele, então Davey me soltou. Sorri simpaticamente pra ele, e caminhei calmamente até a porta da sala do meu pai.
Davey sumiu na escuridão do corredor depois de lançar um último olhar de esgrelha pra mim, mas ele não se enxerga mesmo em...
- Entra! - Ouvi a resposta depois que bati na porta, com toda a minha educação. - Senta. - Mandou sem tirar os olhos da revista pornô que estava lendo.
Ficamos quietos em absoluto silêncio, enquanto ele foleava as páginas da revista, sussegado, como se eu não estivesse ali.
Puta merda, que saco. Revirei os olhos e comecei a bater os dedos na mesa dele, fazendo um batuque na madeira.
- Vai demorar muito? - Suspirei entediada. Ele baixou um pouco a revista, me olhando por cima dela, e soltou um suspiro desapontado.
- Merda, logo agora que eu estava começando a ficar excitado! - Fechou a revista e a jogou dentro da gaveta da mesa.
- Você é nojento.
- Tenho minhas necessidades. - Deu de ombros.
- E então? O que quer falar comigo? - Fui direto ao assunto.
Ele jogou os pés sob a mesa, e entrelaçou os dedos, ponhando as mãos no próprio colo.
- Eu só te dei uma simples tarefa, e você fracassou, fodendo com a porra toda, de novo. - Olhei incrédula pra ele.
- Você me mandou dar um susto neles se caso precisasse! - Alterei a voz. - E eu precisei!
- E acha que fez eles entenderem?
- É claro. - Respondi convencida.
- Não! Sua imbecíl, o que você fez foi obrigá-los a dizer o que a porra dos seus ouvidos queriam ouvir! - Ele não estava mais rindo, agora me encarava com a face fechada, numa expressão séria e brava. Ele tirou os pés da mesa e apoiou os braços na mesma, entrelaçando os dedos. - Você obrigou eles a dizer meu nome, e não é assim que vai fazê-los entender. Cassete, você não presta atenção em mim? Viu se eu precisei atirar em alguém pro Rick me olhar como eu queria?!
- Você estourou os miolos de dois deles! Fudendo com a Lucille no crânio dos desgraçados! - Gritei. - E ameaçou amputar a merda do braço do filho dele! O que você pode falar de mim?! Só estava fazendo o mesmo que você...
- Abaixa esse tom. - Me olhou ameaçador. - E não se atreva a se comparar comigo. Você não é nem um caralho de longe igual a mim. Eu penso antes de tomar uma decisão, merda.
- Está dizendo que eu não penso?
- E pensa?
Não respondi, revirei os olhos pra não ter que olhá-lo me olhando daquele jeito, com desgosto.
- Não, você não pensa. - Respondeu a própria pergunta. Se levantou da cadeira, e começou a passear pela sala. - Você faz o que dá na telha, não importa quantas vezes eu converse com você, quantas vezes eu te explique, você sempre ferra cagando na porra toda. E eu já estou fudido de cansado com isso.
- Tudo isso por que eu atirei nos pés de um infeliz?
- Tudo isso por que você atira nos seus próprios pés. Te pedi para ir com eles, ver como as coisas funcionam lá no caralho da comunidade deles, e ficar de olho nas coisas, de olhos no Rick. E no mesmo dia você causa um tumulto, uma confusão dos infernos, desnecessária.
- Desnecessária?
- Não me interrompa! - Revirei os olhos. Ele continuou andando com as mãos nas costas. - Você não quer que eles tenham respeito por mim, você quer que eles tenham medo de você.
Parou de andar e me encarou.
- Mas acha que eles teem medo de você?
Virei a cabeça pro outro lado, não querendo responder.
- Olhe pra mim. - Não obecedi. Então, de repente ele avançou na minha direção e virou minha cadeira bruscamente, quase me fazendo cair pro lado. Seus braços estavam esticados com as mãos apoiadas em cada lado da minha cadeira, seu rosto fechado estava tão próximo ao meu que eu sentia seu álito quente no meu rosto.
O jeito que ele estava me olhando, como se estivesse imaginando a maneira mais cruel e dolorosa de me matar, me deixou amedrontada. Me recostei mais no estofo da cadeira, tentando me afastar o máximo possível do rosto dele.
- Não, eles não teem medo de você. Eles temem a mim. - Sua voz saiu suavemente sombria. - Você tem sido um peso. - Falou ainda na mesma posição. - Mimada e impulsiva. Mas isso vai mudar, não vou mais dar moleza pra você, Ravenna.
Percebi o quanto ele estava bravo comigo, pelo simples fato de ele ter me chamado pelo nome, raramente isso acontece.
- O que quer dizer com isso? - Perguntei um pouco apreensiva, intimada naquela situação.
Ficou me encarando furtivamente com aqueles olhos castanhos por incontáveis segundos em que eu podia ouvir perfeitamente meu coração batendo acelerado, e então abriu um sorriso grande e soltou a cadeira, que deu um leve impulso para trás.
- Quero dizer exatamente isso o que você ouviu. - Se sentou de lado na mesa, virado pra mim. - Vamos começar pelo acontecido de hoje. O que você fez em "Alexandria" foi muito feio e inadmissível, me deixa até envergonhado. - Falou ciníco. - Vou ser obrigado a me desculpar com o Rick, de alguma forma, pelo que você fez.
- Vai se desculpar com o Rick? - Indaguei incrédula.
- Daqui a quatro dias, vou visitar a comunidade deles, ou nossa, pra ser mais exato. - Se corrigiu. - Pra fazer a colheita.
- Achei que fosse em uma semana.
- Ah, você me conhece, sinto saudades com facilidade. - Riu com sarcasmo, continuei séria, esperando a resposta da pergunta que fiz a pouco. - E você vai comigo, sim... você vai vir, e, com toda a educação que eu te dei - Revirei os olhos com o cinismo dele. - você vai pedir desculpas ao cara que machucou, - Abri a boca pra protestar, mas ele levantou o dedo, num sinal pra que eu me calasse. - Vai pedir desculpas para o infeliz com buraco nos pés, e vai pedir desculpas ao Rick.
- Nem fudendo!
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