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História Trick or Treat - Noite de Travessuras


Escrita por: m_lalalalisa

Notas do Autor


ressurgindo das cinzas, cá estou.

adorei escrever “Trick or Treat”, infelizmente passando por obstáculos no caminho, mas a @draxstic, que doou a capinha, foi gentil e paciente. outra pessoa paciente e detalhista foi a @caprihorn com a betagem. muito obrigada, pessoal! o trabalho de vocês fez a minha história chegar aqui 🤍🩷

Capítulo 1 - Noite de Travessuras


Eu transitava vagarosamente entre as lápides do cemitério do centro da cidade, em busca da travessura do Halloween de 2010, ao lado da minha namorada.

No quesito “Halloween”, ano após ano, tínhamos brincadeiras extremas de “doces ou travessuras”. Sem limites para diversão em meio às obrigações sufocantes das nossas respectivas rotinas. Ao escolher “doces”, a participante devia comer sua sobremesa favorita do momento inteirinha com excesso de açúcar na receita; optando por “travessuras”, seria vítima de uma pegadinha engraçadinha ou, talvez, mórbida — tal como a vez em que fingi o meu próprio assassinato na sala de estar de casa, com vísceras brilhantes saindo do meu corpo ensanguentado e objetos quebrados rodeando-me. Enquanto eu me mantinha imóvel, a respiração mínima, digna de uma atriz de filme de terror bom, Aeri gritava por mim. No fim, eu gargalhei, e Aeri me xingou de nomes que eu sequer conhecia o significado.

Meu relógio de pulso marcava vinte e três horas e vinte e três minutos. Estávamos à beira de 31 de outubro, quase lá, quando o mundo sensível e o mundo intangível se entrelaçaram. Inclusive, eu sentia a atmosfera amena carregando um aroma adocicado, ouvia o som dos animais noturnos intensificando-se, era testemunha do vento sussurrando histórias assombradas para as árvores tortas e observava a lua tornar-se gigantesca, tão nítida e cintilante a ponto de doer os meus olhos despreparados.

Pelo caminho de grama aparada, deparei-me com um boneco de pano sentado num túmulo úmido coberto de musgo. O rosto do brinquedo continha manchas de terra escura e seca, como se estivesse há tempos em tal condição. As sobrancelhas pretas e grossas chamavam-me a atenção, igualmente os olhos castanho-avermelhados e o nariz arredondado azul. A boca era apenas uma linha finíssima que formava um sorriso idiota e a roupinha era simplesmente um macacão de tecido frágil e amarelado que, talvez, um dia houvesse sido branco e depois se estragou para sempre. Ao seu lado, o pequeno retrato de um menino pálido, bochechudo e dono de grandes olhos melancólicos chamava pouquíssima atenção.

A lápide não informava muito, porém revelava o nome, data de nascimento e data de falecimento da criança, que viveu somente por dois anos.

Inconsequente e estupidamente, sem hesitação, agarrei o boneco pelos braços molengas e o escondi em meu blusão de moletom preto.

— É lindo, Minjeong, perfeito! — exclamou Aeri, surpreendendo-me. Os braços erguendo o boneco feito uma perturbadora conquista.

Como tal coisa suja, bizarra na tentativa de ser divertida, conseguiu lhe agradar? Não, ela simplesmente fingia costume para me desconcertar. Que fosse, então. No dia seguinte, eu revelaria a origem macabra do boneco de pano, e Aeri obteria a sua travessura!

Era Halloween, 31 de outubro, quando eu comi o pavê mais enjoativo de toda a minha vida.

Com o estômago revirando, imitando um monstro enraivecido, segui para o quarto principal. Aeri se encontrava sentada na cama king-size ninando o boneco roubado de uma criancinha morta, deixando-me incomodada e muito, muito assustada. Nossa Senhora das Sapatonas, meu coração batia como se eu tivesse esbarrado com o Conde Orlok numa rua deserta ao cair da noite.

— Mô, o que acha de deixá-lo no quarto de hóspedes? — perguntei apreensiva, pensando na ideia de dormir em família com a droga do boneco.

— Não, de jeito nenhum! Minjeong, ele é muito pequeno para dormir sozinho — Aeri respondeu sem tirar o olhar e o sorriso do boneco de pano esfarrapado.

— Mas Aeri…

— Silêncio, ele dormiu.

Estranho, ela devia estar curtindo com a minha cara horrorizada. Porém, seria apenas por uma noite. Ao amanhecer, eu lhe contaria a origem do brinquedo e, para encerrar da melhor maneira a história que cheirava mal, devolveria-o para o verdadeiro dono.

Pobre Aeri, adormeceu abraçada com uma coisa que, provavelmente, acreditava ter sido comprado em alguma lojinha qualquer. Eu devia ter insistido para mantê-lo longe de nós, mas estava de garganta seca, zonza e confusa.

O ar estava pesado, cansando-me, então capotei sem ao menos entender como fui para debaixo da coberta tão depressa. Num instante, eu encarava Aeri de pé ao lado da porta; no outro, eu tinha pesadelos com o que posteriormente me lembraria como um monte de borrões vermelhos.

[...]

O 31 de outubro iluminou a cidade. Os raios solares ultrapassavam a cortina do quarto, pois esqueci de fechar a janela na noite anterior, e acariciavam-me numa maneira adorável de dizer “bom dia, gata!”.

De pijama e pés descalços, marchei para a cozinha. A primeira coisa que eu pensava ao despertar era o café da manhã, o restante que me aguardasse. No entanto, o que encontrei gelou o meu sangue e eu não podia mais ignorar o medo em minhas veias: Aeri alimentava o boneco de pano com mingau de aveia.

— Certo, Aeri, entendi que você está devolvendo a travessura que te fiz, mas é contra as regras do jogo, porque eu escolhi “doces". — Fiz uma pausa, buscando as palavras certas. — Na verdade, não terminei a pegadinha. O boneco foi retirado de um túmulo do cemitério, errei ao te entregar uma coisa tão... condenável. Entregue-me, devo devolvê-lo ao lugar que pertence.

Se ela me ouviu, fingiu que não e deu continuidade ao lanchinho do Bebê Diabo.

— Pare de brincadeira comigo! — Peguei o boneco da cadeira com ignorância, notando a sua boca lambuzada de mingau.

— Devolve! — Aeri arregalou os olhos, o rosto se contorceu como se o coração houvesse errado as batidas.

— Mô, eu compro outro novinho em folha hoje mesmo. Se preferir, eu encomendo um boneco parecido.

— Mas ele é o meu filho, meu filhinho lindo e amado, Kim Minjeong. Não é uma “coisa”, como você diz, muito menos condenável, como você pensa. — Jogou-se aos meus pés, soltando um choro gutural que me arrepiou a espinha. — Não retire a razão da minha existência. Não permita que o meu coração sangre a perda de um filho.

Com suas palavras de súplica, tive a certeza que não se tratava de uma brincadeira ou uma vingança por minha encenação de assassinato. Minha namorada era explosiva, mas não dramática. Com os braços trêmulos devido o desconforto de segurar o boneco de pano roubado, corri para longe de Aeri, para longe de casa, rumo ao cemitério com o intuito de extinguir a energia do Halloween da minha vida inteira.

Quando voltei ao lar, Aeri dormia encolhida na cama, e lágrimas secas enfeitavam melancolicamente o seu rosto delicado.

Após um banho quente, deitei-me ao seu lado, embora ainda incomodada por não ter trocado fronhas, lençóis e cobertores contaminados pelo boneco filho da mãe. Agarrei-me ao lado positivo: estar na presença da minha namorada e o seu calor humano. O Halloween se encerraria depressa dormindo cedo, junto do encanto sobrenatural de Aeri, então fechei os olhos e lhe abracei de conchinha.

[...]

Segunda-feira. Enfim, novembro.

Eu estava sozinha na cama, logo me coloquei de pé e procurei Aeri em casa, mas não obtive sucesso na busca. Enviei-lhe uma mensagem de texto, eternos minutos se passaram e não recebi resposta. Telefonei para o seu trabalho, e o chefe me informou que ela não chegou. Agradeci o simpático senhor, que ofereceu ajuda para encontrá-la, e encerrei a ligação.

Nos poucos segundos que tive para agir, estremeci com o plano de retornar ao cemitério, e meus olhos encheram-se d'água em desespero por minha namorada. E se ela tivesse passado a madrugada fria no cemitério, com seus pensamentos desordenados, longe de casa, do conforto, da segurança?

O frio que caminhava ao meu lado era incomum para a época, nuvens carregadas obscureciam o céu, e trovões zangados anunciavam a tempestade. A respiração saía na forma de fumaça branca dos meus lábios rachados, e as pontas dos meus dedos estavam azuladas. A proteção que eu tinha para o clima fechado que lambia a minha pele era somente o meu blusão, também usado na noite de 29 de outubro. O cheiro doce das flores me enjoava e aparentava tentar me expulsar do cemitério.

Cercada de túmulos cinzentos e gélidos, avancei até encontrar o que pertencia ao pobre menino, até o meu coração comprimir-se ao máximo em meu peito dolorido.

O espaço em que repousei o boneco de pano no dia anterior encontrava-se vazio, o retrato do menino também desapareceu. Nenhum sinal da ladra por ali, Uchinaga Aeri.

O vento assobiou em meus ouvidos, zombando da minha solidão, da minha perda recente, do meu desnorteamento. Ao menos alguém gostou da travessura de Halloween.

Aeri desapareceu com o entendimento de que era a mãe de um boneco de pano, fora de si. A polícia acreditaria em meu depoimento dos acontecimentos da noite de travessuras? Se não, eu teria chances de encontrá-la sozinha?



Notas Finais


🪦


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