Decidimos seguir nossa estrela e hoje a dor nos acompanha.
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Desde o começo eu soube. Desde o primeiro olhar nós soubemos o quão intenso e difícil seria. Henry foi apenas mais um elo da corrente que nos prende. E por muito tempo tentei evitar o inevitável. Nós tentamos. A aceitação foi a etapa mais complexa que passamos até assumirmos que a força que nos unia era maior que nós. Mentiria se dissesse que nos dávamos bem a todo momento. Se assim fosse, diria que não era amor, e sim, apenas uma paixão. A paixão cega, o amor desnuda, talvez seja esse o ponto crucial do nosso elo.
A princípio nosso pacto silencioso, no qual ela e eu nos protegeríamos com nossas vidas, supria a ânsia que tínhamos uma pela outra. Mas a escuridão não se retira para que a luz brilhe, a claridade só se faz notável em meio às trevas. Ela precisava de mim. Eu precisava dela, de seus toques, do aconchego inédito de seus braços, de seus carinhos… Eu queria seus lábios nos meus. O desejo e a luxúria tornaram-se incabíveis em nossos corpos. Então, durante a viagem em busca de Lillyth, cometemos o melhor e mais prazeroso erro de nossas vidas.
Lembro-me perfeitamente do nosso primeiro beijo: calmo, apenas os lábios se reconhecendo, enquanto nossas mãos trabalhavam em sincronia sobre a face uma da outra. Foi gostoso sentir minha língua entrecortando seus lábios enquanto nossos corpos se aproximavam lentamente, até ficarem colados e assim permanecerem. Afastávamos apenas para que eu arrancasse-lhe as roupas, assim como ela fez comigo. A sensação de plenitude era surreal, senti-la enfim tão próxima, tê-la em meus braços, tocar sua pele e receber seus toques, emudeceu minha capacidade de descrever ou discernir qualquer sentimento. E foi ali, jogadas no apertado banco traseiro do Fusca, que nos amamos pela primeira vez. Através de nossos toques, através do prazer que sentíamos e o calor que emanávamos, através do atrito de nossos corpos suados, chegamos ao ápice juntas, olhos nos olhos. Não estávamos apaixonadas, não estávamos com tesão reprimido. Era mais forte, estávamos nos amando.
Todos os dias me pergunto como deixamos chegar a tal ponto. E não me refiro ao sentimento, mas sim, àquele ato. Nosso amor, como eu disse, sempre foi inevitável. Pessoas normais de nossa convivência como Jones, Mary ou David jamais notariam, conseguíamos ser discretas mediante nossas atitudes em público. Mas aqueles com maior sensibilidade, como Henry ou Gold, perceberam antes mesmo que nós duas, a tenção entre nós era palpável desde o princípio.
Dói vê-la partir. Dói deixá-la ir. Dói ainda mais saber que essa dor está sendo compartilhada por ambas, afinal, aos olhos dela, eu também estou partindo.
Depois de tudo que vivemos, percebemos que nosso amor suportaria tudo, ele é transcendental. Mas as circunstâncias não nos favoreciam, absolutamente tudo em volta defrontava nossa união. Adiávamos o dia em que assumiríamos nossa mútua dependência, tínhamos medo de olhares inquisitoriais. Fomos covardes. Mas não a culpo.
Nossas almas se reencontraram numa época cujo, até mesmo o amor é rotulado e classificado em normal ou anormal, certo ou errado… O amor tornou-se uma mercadoria. Repito, mesmo com todos os fatores restritivos, deveríamos ter seguido, porém fomos covardes. Vivíamos numa prisão sem grades, condenadas por uma censura implícita, subjugadas pelo o que sentíamos, e a todo momento éramos impedidas de assumir os nossos recíprocos sentimentos.
Ela estava sofrendo, eu também e, apenas quem já amou verdadeiramente, sabe que a dor de deixar sua amada partir não supera a dor de vê-la sofrer. Sei que ela pensava em me deixar, e eu não impediria. Não seria tão egoísta a esse ponto. Sei que essa decisão a afetou tanto quanto afetou a mim. Decidir abdicar de nosso segredo foi um consenso entre ambas. Todo bom amante é também um bom perdedor. Pois bem, acho que sou uma boa perdedora. Deixá-la seguir é menos doloroso que deixá-la sofrer.
Hoje quando acordei, senti-me agonizantemente mais leve, faltava uma parte de mim que a acompanhou. A parte destroçada que ficou seguirá, mas nunca deixará de esperá-la. Não consigo confortar, tampouco convencer meu coração de que este é o fim. O gosto do injusto ainda amarga nossas almas, que clamam por mais uma chance, por mais um dia, uma semana, uma vida... Uma vida inteira ainda seria pouco para dedicar todo meu amor a ela.
Nunca planejei meu futuro, talvez por não ter uma perspectiva de vida, ou talvez por desinteresse à minha insignificante existência. Sempre questionei o porquê de estar aqui e nunca o encontrei, até que ela me trouxe a resposta. Ela, devagar tocou minha sobrevivência, até que eu descobrisse o viver. E da mesma maneira, a vida, por suas circunstâncias, está arrancando-a de mim.
Tínhamos apenas um plano para o futuro: envelhecermos juntas, ficarmos bem velhinhas e rabugentas, apenas para contrariarmos todos os finais de contos de fadas, que nunca relatam o avanço temporal e a fragilidade humana mediante a simples, mas tão mortal, passagem do tempo. Emma e Regina... sim, nós quebraríamos todos os tabus e paradoxos...
As lembranças de nossas brigas ficarão, as lembranças de nossas noites também. Não quero esquecê-las, pois são parte do quem eu era, do que nós fomos e, do que seremos um dia ou numa outra vida oportuna.
Sei que outra pessoa ocupará o meu lugar. Ela é linda em todos os sentidos da palavra, qualquer um se encantaria por sua alma, por seu beijo. Sei que esse alguém será o responsável por minhas noites de insônia, enquanto a imagino com ele, e me corrói saber disso. Ele estará em meu lugar, mas jamais a terá como eu tenho. Sei também que ela se lembrará de mim. Sei que o seu pranto e agonia nas noites frias serão porque ela buscará o meu calor na cama, mas encontrará apenas o gélido corpo dele.
Sei que em todos os momentos daqui em diante, nossos pensamentos estarão empenhados em nos fazer esquecer, mesmo sabendo que será um esforço em vão. Eu sentirei sua falta em cada mínima parte do meu corpo, do meu tempo. Seu olhar será pertinente em minha cabeça, seu cheiro em meus pulmões, seus lábios em meus lábios e todo seu o amor, dedicado a mim, estará eternamente gravado em minha alma, não em meu coração. Esse parará de bater, e ainda assim eu continuarei a ama-la.
E todas as vezes que nos encontrarmos, nossos olhares cúmplices ofuscarão a vida ao nosso redor, como sempre foi. Através deles reviveremos nossas memórias e momentos, onde compactuamos do amor mais puro, sincero e verdadeiro. O coração doerá e, sabemos que a tortura de nos olharmos e não podermos nos tocar, será insuportável. Não cederemos espaço ao rancor, jamais. Machuca, é agonizante e sufocante apenas imagina-la com outro, mas sabemos que esse será o preço a pagar por nossas escolhas.
E apesar de tudo seguiremos em frente, somos dois rios e a água precisa correr, é o fluxo natural e cruel da vida. Ademais, independentemente do tempo que leve ou do caminho que a corrente tome, desaguaremos no mesmo lugar, no mesmo oceano. Estaremos lá até o fim, eu esperarei por ela e ela por mim.
Lamento todas as palavras que não foram ditas, todos os elogios que não foram feitos, todas as luxúrias que não foram sussurradas, todas as implicâncias que não foram pronunciadas e todas as demonstrações de amor que deveriam, mas não foram gritadas. Contudo elas já não mais importam, afinal nosso tempo se esgotou. O que me consola, é saber que em todas as vezes que nos encontrarmos, poderemos vislumbrar nitidamente em nossos olhares, o grito mudo de nossos sentimentos:
_Emma eu te amo.
_ Regina eu te amo.
Estamos escrevendo esta carta juntas e de forma impessoal, porque o sentimento de perda é sentido por ambas. Ao findar deste texto, faremos amor pela última vez. Nos beijaremos como se o amanhã fosse apenas uma teoria. Minhas mãos explorarão cada cantinho, cada detalhe, cada verso desse corpo que é uma poesia do destino, dedicada a mim. Nos amaremos, ela falará ao pé do meu ouvido o quão a deixa excitada e o quanto ela me ama. E eu me arrepiarei ao ouvi-la gemer meu nome enquanto sentirei o gosto de seu mel em meus lábios. Pela última vez...
No fim, tomaremos um tempo até que as respirações se acalmem e as pulsações tomem seu ritmo periódico. Eu estarei deitada sobre seu peito nu, escutando as dolorosas batidas do seu coração. Elas estarão avisando-nos que é hora de ir, sentenciando que devemos fazer. Uma de nós seguirá para um casamento indesejado e a outra tentará seguir sozinha. É neste exato ponto, que deixamos a razão sobrepor nossa felicidade. Os desarranjos do destino, que nos uniu, nos separam novamente.
Somos cúmplices de uma única certeza: quanto mais longe estivermos uma da outra, mais longe estaremos de quem somos hoje. Seguiremos nossa estrela, cientes de que nos tornamos boas perdedoras, acima de tudo porque nós nos amamos verdadeiramente. Afinal, o que mais poderia ser o amor, se não um sacrifício?
Sei que você pensa em me deixar
e eu não vou impedir , siga a sua estrela...
Em todo caso eu digo que ficarei aqui
Nesse mesmo lugar
Pois quem vai pode um dia voltar
Então esperarei.
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