Sete meses depois.
Minjeong tem o óculos de grau da ponta do nariz enquanto aperta o lápis com força no papel, desenhando o número.
Ela para, encarando a folha com o labirinto quadriculado enquanto pensa onde deve fazer o próximo. Salem está deitado ao seu lado no sofá, quase caindo no sono de tanto tédio. A ruiva pressiona o lápis nos lábios, se concentrando profundamente em sua tarefa. Ela quer terminar para superar seu recorde pessoal. É uma questão de princípios. Os dias tem sido frios, Minjeong usa um moletom grande preto e uma calça quadriculada. Até ficou com pena do animalzinho, tentou colocar alguma roupinha para aquecê-lo, mas ele não gostou muito dessa ideia. Lhe sobrou ligar o aquecedor.
A ruiva escuta o som da porta se abrindo, indicando que Karina chegou. A namorada não chega como uma pessoa normal, ela faz questão de sair batendo em tudo, jogando as chaves de forma espalhafatosa e barulhenta sob a mesinha.
Salem desperta de seu tédio e se anima ao ver a dona chegando. A Yu vai até o sofá da sala, jogando seu sobretudo cor creme no chão, pouco se importando se a namorada vai desgostar, ela está exausta. Por baixo, está usando uma calça jeans apertada, um par de botas que chega até o joelho, e uma camisa mangas compridas preta por cima de uma camiseta branca. Ela joga a bolsa de couro no chão também, esticando as costas enquanto solta um longo suspiro exagerado.
— Bem vinda — Minjeong diz, seus olhos nunca saem do papel — Muito trabalho hoje?
— Nem me fala — Karina revisa os olhos, jogando-se no sofá ao lado da ruiva, pegando Salem e colocando no colo — Eu odeio que o escritório seja tão longe. Eu juro, Min, mais uma semana pegando esse trânsito de uma hora e meia e eu vou surtar — Ela diz, afundando o rosto no pelo do gato como se Salem fosse uma almofada.
Minjeong assente vagamente, o lápis ainda entre os dedos, os olhos afiados se movendo de um canto a outro do sudoku.
— Não pode trabalhar remoto? — Pergunta, distraída.
— No direito civil? Imagina — Karina riu, jogando os longos cabelos para trás — Resolver disputa de herança por Zoom enquanto os clientes tentam se matar do outro lado da tela — Riu sozinha, imaginando a cena — O escritorio é arcaico demais 'pra isso.
Karina se joga de costas no sofá, o braço caindo por cima dos olhos. Salem aproveita a deixa e pula para o colo de Minjeong novamente, como se preferisse a calma dela à exaustão barulhenta da outra. A ruiva dá um pequeno sorriso, ainda sem tirar os olhos do papel.
— Hoje uma mulher gritou comigo porque eu usei a palavra "protocolo" — Karina continua, a voz abafada — Disse que eu 'tava falando difícil demais, que isso é "juridiquês" e que ela não queria saber de "advogadês". Aí sabe o que ela fez?
— Hum?
— Me chamou de "doutora metida".
— E você respondeu o quê?
— Que ela podia não gostar do termo "protocolo", mas ia ter que lidar com "liminar" e "tutela antecipada" até o fim do processo.
— E o que você realmente queria responder era...?
— 'Pra ir tomar lá, lógico.
Minjeong ri e sente o corpo da outra colidir com o seu, a cabeça deitando no seu ombro.
— Aqui, — Karina apontou, para um dos quadradinhos vazios — É nove.
A ruiva rapidamente rabisca o nove, percebendo que era exatamente esse o número que faltava, fechando o caderno em seguida.
— Teve 'pra quem puxar — Respondeu, subindo o óculos — Sua mãe me desafiou a terminar um em cinco minutos.
— Vocês duas — Karina riu, revirando os olhos — Na próxima visita ao hospital, conta 'pra ela que eu quem te salvei de ficar a noite em claro encarando esse papel.
— E como você sabia que era nove? — Minjeong vira a cabeça em direção da namorada, encontrando seus olhos brilhantes.
— Eu só chutei, gracinha — A mais velha levanta o dedo indicador, cutucando a ponta do nariz da outra.
As duas permanecem em silêncio por alguns segundos, apenas o som do aquecedor preenchendo o cômodo. Lá fora, a cidade segue seu curso em ruídos abafados pela janela. Minjeong traça seus dedos agora brincando com as orelhas de Salem. Desde a formatura, tem sido assim a rotina. Apenas com os fins de semana livres, fora isso, as duas só se encontravam no começo da manhã e início da noite, quando Karina chegava do escritório. Isso é, quando não fica presa no trânsito.
— Obrigada pelo almoço, aliás — Karina murmura — 'Tava uma delicia.
— Tem que limpar sua lancheira — Minjeong põe a mão por cima do joelho da namorada, apertando a área. Ela sabe que a mais velha odeia quando faz isso.
— Para... — Karina franze a testa, afastando a mão — Eu 'tô morrendo de preguiça.
— Sua sorte que hoje é sexta.
— Que sexta feira é essa que eu já são... — Karina abre um dos olhos e estica o corpo para puxar o outro braço de Minjeong, onde está seu relógio — Oito da noite e eu 'tô morrendo de sono. Alguns meses atrás, uma hora dessa, eu estaria em uma pista de dança com um drink na mão.
— Você é jovem demais 'pra ficar se lamentando — Minjeong ri do drama da outra — Ainda vai conseguir ir em festas, não fica triste.
— Não 'tô triste, na verdade — Se aconchegou ao lado da ruiva — Preciso ficar assim com você.
— Eu, ou um open bar de...
— Shh... — Karina levou o indicador até os lábios da namorada — 'Tá vendo só? Eu nem ia beber hoje, mas só por ter tocado nesse assunto — Se levantou do sofá, ajeitando a camisa — Eu vou abrir uma latinha.
Minjeong ri negando com a cabeça, seu olhar seguindo a namorada atravessar a sala e ir para a cozinha, sumindo por alguns instantes, até aparecer novamente, com um sorriso nos lábios enquanto o barulho de latinha aberta invade a sala.
— Saúde! — Ela diz, dando um enorme gole na latinha enquanto volta a se sentar — Eu te disse como foi o meu, mas e o seu dia, como foi?
— Mais calmo que o seu. Tive um monte de reunião de manhã, e passei o resto do tempo ajustando um código enquanto ouvia a vitrola — Apontou para o aparelho, que agora, estava no canto da sala — Foi um bom investimento. Só de ouvir eu já sinto que consigo resolver todos os problemas na minha tela.
— Nossa, que sexy — Karina murmura.
— Não é? — Minjeong sorri — A vida glamourosa de quem trabalha de casa.
Karina vira o rosto, pressionando um beijo na bochecha da namorada.
— Você e o Salem devem conversar bastante, então.
— Ele é um gato de poucas palavras.
— Igual você.
Karina, enquanto fala, começa a desfazer as botas, puxando uma de cada vez com esforço. Quando consegue tirar a primeira, solta um gemido exagerado de alívio, jogando a cabeça para trás.
— Meu Deus, eu achava que nunca mais ia sentir meus dedos de novo — Dramatiza, puxando a segunda bota com ainda mais força, arremessando do outro lado da sala.
— Senta ali — Aponta com o queixo para a outra ponta do sofá — Coloca os pés aqui — Deu alguns tapinhas no colo.
— Quer só o meu pé aí? — A mais velha levanta a sobrancelha, sorrindo de canto. Embora provocando, ela faz o que é dito, esticando as pernas até os pés tocarem as coxas de Minjeong. Ela solta mais um suspiro de alívio ao sentir as mãos quentes e habilidosas começando a massagear seus pés.
— Céus... você vai casar comigo, ouviu?
Minjeong pressiona a mão com mais força, estalando os dedos do pés em seguida, ganhando um resmungo da outra, que odeia que faça isso.
Salem, impassível, se acomoda no tapete, frente às duas. Momentos como esse são mais comuns do que imaginavam, e Minjeong, uma pessoa que nunca foi muito de falar, se viu conversando com a namorada horas a fio, até a madrugada. Lá fora, a noite já caiu por completo, e a sala é iluminada apenas pela luz âmbar das luminárias.
Ficaram ali por um bom tempo, jogando conversa fora. Quando o cansaço enfim pesa mais do que a vontade de continuar acordadas, ambas se levantam meio relutantes. Karina, com os olhos quase fechando, murmura algo sobre tomar banho, se arrastando com todas as suas forças até o banheiro. A ruiva aproveita para guardar as coisas que ela deixou espalhadas pela sala, e quando termina, se junta a outra no chuveiro.
Um resmungo deixa seus lábios quando sente a água quente ferver na sua pele, incrédula de como Karina consegue tomar banho daquele jeito. Ao sair do banheiro enxugando os cabelos, Minjeong encontra Karina já desmaiada na cama, estirada, rosto enterrado no travesseiro. Ao vê-la, a mais velha levanta uma das mãos e a estica em sua direção.
— Vem cá, gracinha — Diz com um sorriso de orelha a orelha, a voz abafada e sonolenta.
Minjeong sorri, largando a toalha de lado antes de se deitar ao lado dela, sendo imediatamente envolvida pelos braços da namorada. E como se não bastasse seus braços, Karina joga a perna por cima do corpo da outra, enterrando o rosto na curva do pescoço.
— Acho que você vai me sufocar — Minjeong diz rindo.
— Cala boca e seja um bom travesseiro — Karina aperta mais, rindo por cima da pele da outra quando a ouve murmurar baixinho. Ela beija toda pele que está no seu alcance, vários selinhos pela pele clara, tudo isso enquanto inala o cheiro de maçã verde. Tudo isso só faz seu coração bater mais rápido — Eu te amo.
Minjeong vira a cabeça para encarar os olhos da Yu. Mesmo com o passar do tempo, ela acha que nunca vai superar essas três palavrinhas saindo da boca da namorada, seu coração sempre vai bater como louco, na velocidade de asas de beija flor. Sorriu largo, inclinando-se para selar seus lábios em um beijo calmo e lento.
— Eu também te amo.
(...)
As mortes nunca pararam.
O açougueiro virou uma espécie de lenda pela cidade, eram tantas pessoas que se passavam por ele que ficava difícil acreditar se era verdade. As mortes, sejam de inocentes ou culpados, ainda aconteciam, como acontece em todo lugar. A diferença era que sempre que algum homem morria e tinha uma ficha criminal minimamente suspeita, as pessoas já tinham a quem apontar o dedo.
Embora alguns não fossem de sua autoria, Minjeong se sentia grata pela consideração.
Seu estilo passou a ser mais sorrateira do que antes, reduzindo o número de mortes. Ainda existiam muitos nomes em sua lista que precisavam ser riscados, mas não poderia se dar ao luxo de fazer todos de uma vez, embora fosse sua vontade.
O tempo agora é mais escasso, cada momento tinha que ser milimetricamente calculado. Se tinha um alvo, tinha que esperar e estudar sobre ele. Não era como antigamente quando os encurralava em uma noite aleatória.
Já estava com o próximo alvo em mente. Tony era, como sempre, apenas um cidadão politicamente correto que trabalhava no ramo imobiliário. Seu radar o detectou após analisar o histórico. Sempre viajando de lugar em lugar, não durando mais do que três meses em uma cidade. Aparentemente, solteiro. Ele tinha passagem por abuso sexual mas foi solto depois de alguns meses por bom comportamento.
Minjeong soube que havia algo de errado quando percebeu o padrão de desaparecimentos. Em todas as cidades por onde Tony passava, depois de algumas semanas, ao menos uma mulher era dada como desaparecida.
Nunca alguém com vínculos próximos, nunca alguém que fosse procurada com muita força. Prostitutas, imigrantes ilegais, garotas de programas, mulheres abandonadas pelo sistema. Um desaparecimento aqui, outro ali, sempre espaçados o suficiente para não levantar suspeitas. Mas para Minjeong, nada era coincidência.
Ao conectar os pontos e vasculhar fóruns, dark web, boletins de ocorrência não resolvidos, e até postagens em redes sociais de familiares em desespero. A frequência, o tipo de vítima e a janela de tempo batiam com as estadias de Tony. O verdadeiro estopim veio quando descobriu que o homem havia usado pelo menos cinco identidades diferentes nos últimos quatro anos. Em algumas delas, era corretor. Em outras, era motorista particular ou “empresário”. Sempre empregos que exigiam pouco registro formal.
Depois de muito fuçar, achou algo. Contas em criptomoedas movimentadas com frequência, imagens criptografadas trocadas em canais fechados e convites para leilões humanos. Tony não apenas abusava — ele as traficava, vendia para fora do país como se fossem mercadorias. Foi o suficiente. Alguns meses de estudo minucioso foi o suficiente para encontrar a sujeira por baixo do tapete.
O endereço dele, para sua surpresa, era uma espelunca.
Minjeong havia esperado algo maior. Um daqueles condomínios com vigilância vinte e quatro horas e muros de vidro fumê. Mas o que encontrou foi uma casa velha, encardida, com a tinta descascando das paredes e o mato engolindo o pequeno quintal. Pensando melhor, era até justificável viver assim se seu objetivo fosse não ficar na cidade por muito tempo e pagar o menos possível.
Era por volta das duas da manhã quando Tony havia voltado para casa mais cedo do “trabalho”, comido algo simples, tomado banho e dormido o mínimo necessário para manter o corpo funcionando. Agora, estava acordado, pois esse era seu horário real.
Usava um par de roupa escura, nada para chamar atenção. Calça cargo e um moletom, ainda fazia frio lá fora.
A janela dos fundos era o ponto fraco. Uma tranca podre, vidro mal encaixado. Bastou uma fina lâmina de metal e alguns segundos de paciência. Entrou sem fazer barulho.
A sala era o que ela imaginava: uma bagunça. Lixo no chão, embalagens vazias, papéis jogados, pratos sujos empilhados em uma cadeira. O ar tinha cheiro de cigarro velho e gordura. Mas o mais nojento era o som da voz dele. Tony estava no telefone, andando de um lado pro outro como se fosse um homem importante.
— Sim, a russa tá chegando amanhã. É, loira, olhos claros. Nova. Vinte mil se quiser exclusividade... — Ele dizia, rindo baixo — Não, sem devolução. Você sabe como funciona.
Minjeong, agachada atrás do sofá, dedos apertaram a pistola.
— Na rodoviária velha, como sempre. Levo ela até lá, você pega. Entendido?
A verdadeira tortura era ouvir sua voz por longos minutos. De uma ligação, ele começava outra, e outra.
Tony caminhou até a cozinha ainda falando, abriu a geladeira, pegou uma garrafa de água e virou o resto direto na boca.
— É claro que eu 'tô com saudades — Ele disse, prendendo o celular contra a orelha — Não veja a hora 'pra te ver. Tchau — Ele abria um sorriso enquanto falava.
Minjeong se levantou, com passos leves, calculados. Cruzou a curta distância entre a sala e a cozinha. Quando Tony baixou a garrafa, já estava na porta da cozinha. A pistola apontando para o centro de sua testa.
Ele deixou a garrafa cair no chão, o líquido escorrendo entre os azulejos. Os olhos arregalados, o rosto perdendo a cor.
— O q-que...
Conseguia ver o peito dele subir e descer sem parar, quase hiperventilando. Olhos trêmulos encarando a arma.
— Escuta, seja quem for... — Conseguiu dizer — Dá pra conversar, tá bem? Se for dinheiro, eu tenho! Eu posso dar um jeito. Posso—
— Não preciso do seu dinheiro — O interrompeu — Só vim terminar o que a polícia deixou pela metade.
Ele abriu mais a boca, mas antes que pudesse reagir, ela puxou o gatilho. Um único disparo abafado, seco. Tony caiu como um saco de carne vencida.
Minjeong ficou ali, parada. Respirando fundo. Se fosse como antigamente, iria imobilizalo, levá-lo para algum lugar, torturar até que ele já não tivesse mais voz para gritar. Infelizmente, não era mais assim. Agora, tinha que se dar por satisfeita com o corpo sem vida jogado ao chão, vazando todo sangue do corpo. Estava para se agachar ao lado dele e apanhar o celular, talvez conseguisse identificar mais iguais a eles, porém, antes de dar o primeiro passo, a maçaneta da porta da frente girou.
Alguém entrou.
Porra, que tipo de pessoa deixa a porta destrancada as duas da manhã, Minjeong pensava para si mesma enquanto encostava a costa na parede, se inclinando um pouco para ter uma visão melhor de quem estava ali.
Ao entrar pela porta da frente, a mulher não se impressiona com a bagunça que está na casa. Ela já se acostumou que essa é a forma de Tony lidar quando tem pouco tempo em algum lugar.
— Tony, cheguei — Diz, sua voz ecoando pela sala. Ela se aproxima do sofá, tirando as luvas, jogando-as por cima — 'Tá a maior friaca lá fora, o sobretudo que você me deu caiu bem — Sorri passando a mão pela peça de roupa que estava usando, um sobretudo preto, tão grande que quase lhe engolia — Dá próxima vez, vamos 'pra algum lugar que faça sol, se eu não posso mais beber álcool agora, então pelo menos vamos 'pra um lugar legal.
A mulher caminha até a janela, encarando a vista dos prédios bastante distantes, com luzes reluzindo. Um dia, ela quer ter a chance de compartilhar um desses com o namorado.
Uma sobrancelha sua se ergue, desconfiada. A casa está mais quieta que o normal.
— Tony? — Começa a andar em direção a cozinha.
Ao atravessar a porta, seus olhos quase saltaram para fora. Tony está ali, jogado no chão com uma piscina de sangue se formando ao redor do corpo. A cena é grotesca, seus olhos estão sem vida e os lábios pálidos, e tudo que sai de sua boca é um grito agudo enquanto ela leva a mão até o rosto, já sentindo algumas lágrimas caírem.
É difícil respirar, é preciso se apoiar na parede para não desmaiar enquanto seu corpo todo treme.
— Tony! — O chama inutilmente, já soluçando.
— Shh.
Seu corpo se arrepia ao ouvir uma nova voz no cômodo. Ela vem atrás de si, fazendo suas mãos tremerem mais ainda, uma enorme vontade de golfar atravessa seu corpo. Ao se virar, encontra uma garota, cabelos ruivos e curtos, segurando um revólver, apontado em sua direção.
— Q-quem... — Um soluço saiu de sua boca — Q-quem é você.
A garota tranca a mandíbula, nunca desviando o olhar.
— Ninguém.
— Foi v-você q-que fez isso...
Minjeong aperta os dedos no revólver, o dedo relaxando no gatilho. Ela não pode atirar, matar essa mulher não é uma opção.
— Escuta — A ruiva começa, voz firme — Ele fazia algo que não deveria. Não era quem você pensa que era.
A mulher ainda encarava o corpo no chão, os olhos turvos de lágrimas. Ela se virou devagar, tremendo.
— Não... não... você errou... seja lá quem mandou vir aqui, cometeu um erro — balbuciou, a voz falhando.
Minjeong não recuou, nem abaixou a arma. Apenas manteve o olhar fixo, a mandíbula trancada.
— E-ele chegou a fazer algumas coisas no passado, m-mas agora não faz mais, ele prometeu p-pra mim... — As lágrimas da mulher já pingavam do seu queixo — Ele disse que nunca mais faria isso...
Minjeong fechou os olhos com força. Porra. Sempre vai existir alguém que acredita que você vai ser uma boa pessoa depois de tudo.
— Ele sequestrava aquelas mulheres. Vendia como mercadoria. Vi os contatos, as rotas. Escutei ele ao telefone marcando entrega. Não era o homem que prometeu ser 'pra você.
— Não... isso é mentira... — A mulher morde o lábio inferior. Ela olha para trás, o corpo do homem jogado no chão está lhe causando arrepios — E-ele nunca faria essas coisas.
— Eu não saio invadindo a casa das pessoas de madrugada porque gosto — Os olhos de Minjeong caíram no corpo — Ele mereceu.
— C-Cala a boca… — A mulher engasgou, o rosto se contorcendo de dor e raiva — Você não conhecia ele. Você não sabe! E-ele trabalhava tanto, mudava de cidade pois queria estabilidade... ele queria que a gente tivesse uma vida melhor!
Minjeong mordeu o lábio inferior. Nunca foi seu plano fazer com que outra pessoa que não tinha nada com o caso sofresse. Sabia que isso acontecia, só nunca tinha visto diante de seus olhos. Uma mulher inocente, com o rosto contorcido em horror, seu corpo escorado na parede, suas pernas não tem força para sustentar seu corpo trêmulo. Suas lágrimas parecem não ter fim, e sua mão direita está pressionada constantemente sobre seu coração.
— Sinto muito, ele mentiu. Mudava porque fugia. Nunca se perguntou por que ele não ficava muito tempo em um lugar? Por que ele evitava postar fotos, ter redes sociais ativas, por que ele só te ligava de números diferentes?
— Você 'tá mentindo! — A mulher gritou, os olhos arregalados — Ele 'tava trabalhando em dois empregos 'pra pagar o nosso casamento!
— Você servia de fachada — Minjeong diz com a voz baixa, parece que tudo sai de sua boca causa um ataque de pânico na mulher — Era o álibi perfeito.
A mulher deu um passo para trás, balançando a cabeça com força.
— Você tá tentando destruir ele... mesmo depois de morto! Você é doente!
— Não — Minjeong sussurrou— Doente era ele, só cuido da limpeza.
A mulher virou o rosto para o corpo de Tony, as lágrimas escorrendo em fluxo constante. E então, viu. O celular, ainda preso na mão do cadáver.
— Nem pensa nisso — A ruiva disse com a voz ríspida.
A mulher, que já não tinha a perder, mesmo com o aviso, correu ligeiro, caindo de joelhos da poça de sangue do namorado, agarrando o celular de sua mão.
— Parada — Os dedos de Minjeong, incosncientemente, se voltaram para o gatilho — Eu mandei ficar parada, porra!
Mas ela já estava abaixada, agarrando o celular como sua salvação. Seu todo tremia. Estava apavorada.
— Larga o celular.
A mulher ficou imóvel, ofegante, segurando o aparelho com força. Os olhos fechados com dor.
— Você matou ele… era tudo o-o-que eu tinha...
— Quer que eu prove? Quer ver o que ele fazia com elas? — Minjeong se aproximou, a arma nunca sendo abaixada.
A mulher começou a tremer. As palavras de Minjeong eram como facadas no que restava da sua negação. Olhando para baixo, via a única pessoa que já amou morta. Respirou fundo. Já estava morta por dentro, de qualquer maneira.
E então, com os dedos trêmulos cobertos de sangue, desbloqueou o celular. A tela acende. O dedo dela desliza.
— Merda — Minjeong murmura — Porra, larga isso!
Mas a outra não escuta. Pressiona o botão de chamada.
Antes que consiga chamar o número de emergência, o barulho de outro disparo ecoou pela cozinha.
O corpo da mulher desaba no chão, seus olhos ficam escuros a cada segundo que passa, e o sangue da bala em sua cabeça vaza, juntando-se ao do namorado.
Minjeong está com as mãos trêmulas, é difícil segurar a arma. Tremem tanto que mal consegue manter os dedos no lugar. A pistola parece pesar toneladas agora. O cheiro metálico do sangue inunda o ar, e o som abafado do disparo ainda ecoa em sua mente, como se tivesse acontecido em câmera lenta.
Não se mexe. Não consegue.
Seus olhos estão fixos no corpo da mulher, agora jogado no chão. A cabeça tombada de lado, os olhos abertos, sem brilho. O celular ainda na mão dela, caída sobre o abdômen.
Minjeong engole mesmo com a garganta seca. O peito sobe e desce em ondas rápidas, irregulares. Ela tenta respirar fundo, mas o ar parece não entrar, como se os pulmões tivessem sido esmagados por dentro. Não deveria ter terminado assim.
— Merda… — Sua voz sai como um sussurro, quebrada, quase irreconhecível.
Minjeong deixa a arma escorregar da mão. O metal cai no chão com um clang surdo, abafado pela bagunça ao redor. Seus olhos estão agitados olhando para todo canto daquela sala. É insuportável estar ali, dividindo espaço com a culpa que mal cabe na cozinha.
Excitante, a ruiva dá alguns passos para frente, andando lentamente até o corpo da mulher jogada no chão. Sua mão se estica para pegar o celular, seu corpo se arrepia com a descarga elétrica que sente assim que faz contato com a pele fria de uma inocente, desfazendo seu aperto no aparelho, empurrando a mão para longe.
Assim que consegue pensar, uma pequena, quase mínima onda de alívio invade o seu corpo, pois a outra não conseguiu completar a chamada. Minjeong joga o aparelho no chão com força, pisoteando-o mais vezes do que o necessário. O aparelho está em pedaços agora.
Mas sua respiração não melhora, muito menos o peso que está sobre sua cabeça se alivia, ainda continua ali. Seus olhos voltam para a mulher jogada.
Agora, sem o braço por cima do corpo, a ruiva percebe algo. Suas sobrancelhas se formam em um vinco à medida que se aproxima mais do corpo. Não, ela pensa sem parar enquanto seus dedos desfazem os botões do enorme sobretudo do cadáver.
Pensou que sua mente estava lhe pregando peças antes quando achou ter visto algum tipo de relevo sobre a barriga dela. Mas não. Não era coisa da sua cabeça. Quando seus dedos abrem o sobretudo, lá está, a barriga de gestante. Ali, na sua frente, diante de seus olhos.
Minjeong dá um passo para trás, seus pés tropeçam em si mesmos e cai sentada. Seus olhos estão arregalados com o que está vendo. Minjeong cobre a boca assim que a vontade de golfar sobe por sua garganta, mas é tarde demais. O líquido vaza entre os vãos de seus dedos até o chão. Seu corpo se inclina para o lado, soltando o vômito de vez por todo chão.
Seus olhos ardem e sua garganta queima mais ainda, está seca, sua voz mal saiu. Seus olhos caem novamente na mulher, na barriga dela. O nojo que sente de si mesma é tanto que vomitar não é suficiente.
Ela tem que dar um jeito nisso, ela sempre dá um jeito.
Com muita força, apoiada na parede, a ruiva consegue se levantar. É preciso forçar seus pés para que andem, pois os mesmos estão paralisados. Ela dá passos falhos até o outro lado do cômodo, passando pelo casal morto. A ruiva chega nas gavetas e com as mãos tremendo, abre cada uma com brutalidade e rapidez. Sua busca para assim que agarra a faca de cozinha. A lâmina brilha diante de seus olhos.
Agarrando o objeto com força, o leva até a palma da outra mão desocupada, fazendo um corte superficial, tendo certeza de que está afiada.
Com os passos trêmulos, Minjeong caminha até está de frente com a mulher, se agachando ao seu lado. Com a mão livre, levanta o tecido de sua roupa, revelando a barriga, é grande, já faz tempo que está grávida. Sem esperar mais, Minjeong desce a lâmina até a ponta encostar no começo da barriga. Precisa de um corte de cima para baixo, superficial, para arrancar a pele e depois a carne, conseguindo assim, ver a criança. A lâmina faz pressão na pele, um sangramento do tamanho de um grão de arroz escorre pela barriga, é pequeno, precisa ser maior.
A ruiva não entende, pois suas mãos não fazem o que seu cérebro manda. É só abrir e tirar a criança. É só isso, já fez dezenas de cortes—não com esse propósito— antes. Seu braço se recusa a descer, está petrificado.
Minjeong acha que suas piores memórias vem nos melhores momentos. Involuntariamente, seu cérebro, além de não lhe obedecer, solta um fragmento de uma lembrança: está na casa de Karina, a cabeça da mais velha está no seu ombro, elas conversam sobre algo que não consegue lembrar, a não ser uma parte.
Uma parte em que a mais velha conta sobre seus planos para o futuro, sobre ter uma casa com a vista para o pôr do sol, ter seu próprio escritório, adotar mais um gato e por último, ser mãe.
A lâmina cai no chão, ao lado do corpo. Não existe mais salvação para nenhuma vida ali, pois elas já se foram. Todas as três. Não tinha como dar um jeito, afinal, Minjeong nunca conseguiu dar um jeito em nada em toda sua vida, tudo que fazia era bagunçar mais e mais, se afogando no sangue que derramou.
Ao perceber isso, ainda de joelhos, ao lado do cadáver, sua respiração se transforma em soluços. O som é feio, engasgado. Incontrolável. Cobre o rosto com as mãos, mas não adianta. As lágrimas escorrem por baixo, queimando sua pele. Tudo nela dói. O estômago revira, o peito aperta como se fosse colapsar. A culpa entra como a faca que está no chão jogada.
Seu tronco cai para frente, joelhos dobrados, seu cotovelo e braço apoiados no chão cheio de sangue, que se mistura com suas lágrimas.
Seus soluços e o choro ecoam por toda cozinha, seu corpo treme sem parar, desacreditada com o que fez, com que estava prestes a fazer. Minjeong sente o amargo na boca, ela odeia essa pessoa que se tornou por causa dos traumas de suas feridas abertas, odeia pensar em quantas mortes de inocentes causou indiretamente mesmo sendo em nome da justiça.
Deveria ser mais forte que isso, mais forte que uma simples perda de uma vida que ninguém conhece— e uma que ainda nem nasceu.
Deveria ser forte, levantar dali como sempre fazia, mas não tinha força. Não conseguia mais lutar. Ser quem era perdeu o sentido de repente.
— E-eu… — Murmura, mas não consegue terminar a frase. Porque não há justificativa. Não dessa vez.
Não há ninguém para se justificar.
— Eu s-sinto muito... — Sua testa vai de encontro ao chão, com o sangue de uma inocente — E-eu...
Não adianta implorar por perdão, ele não virá. O que resta é sentir a culpa infestar seu corpo como se fosse um tumor.
Tudo o que vê é o sangue. O mesmo vermelho que já viu tantas vezes antes, mas agora, é diferente.
Minjeong cobre os ouvidos, como se alguém ali estivesse gritando consigo. Por um minuto, voltou a ser uma criança de orfanato, abusada e repreendida, se sentindo suja e culpada.
Mas não há ninguém. Só ela.
E a culpa.
(...)
O sol nasceu e se vai, mas para a ruiva, são séculos. O mundo continua girando lá fora — indiferente, cruel, ruidoso. Só o relógio insiste em girar também, um tique-taque zombeteiro, debochando da ideia de tempo quando ela mesma está perdida nele.
Não consegue dormir direito — e quando dorme, sonha com olhos arregalados e sangue escorrendo por azulejos brancos. Não come, e quando tenta, o estômago recusa.
Não sente nada. Ou melhor, sente tudo ao mesmo tempo, mas principalmente nojo de si mesma.
Um peso constante nos ombros, como se carregasse o cadáver daquela mãe onde quer que vá. O cheiro da pólvora não sai do nariz. O som do corpo caindo ainda vibra nos seus ouvidos. E, no fundo, Minjeong sabe que vai carregar até a morte.
Mesmo com os dias se passando, a sensação não muda. Karina insiste em conversar, e a ruiva da suas desculpas esfarrapadas sobre trabalho, que está muito cansada, a mais velha obviamente não acredita, mas também a força a falar.
Em sua cabeça, nada mais tem sentido. Não existe justiça, redenção— nunca existiu, nem sanidade. Talvez tenha ficado louca de vez.
Na casa de seus pais, a mesa está cheia. Há vida em cada canto: as luzes quentes da cozinha iluminando o vapor dos pratos recém-servidos, o som de talheres batendo contra porcelana, o cheiro acolhedor se misturando com aquele aroma inconfundível de lar.
— Esse molho tá mais apimentado que o normal, mãe — Comenta Ning, abanando o rosto teatralmente.
— Porque sempre que eu cozinho vocês tem que reclamar? — Responde a mãe — Apontando com o garfo para a filha caçula — Não vejo essas reclamações quando o pai de vocês faz a comida.
— Eu amo quando os dois cozinham — Aeri diz, empinando o nariz.
— Eu também! — Karina rebate, embora esteja com o rosto vermelho, queimando pela pimenta. Ela ri quando Aeri dá uma cotovelada na sua cintura.
— Gente, se continuar assim, vou ficar muito soberbo — O pai brinca, fazendo as garotas rirem.
— Pelo menos a Minjeong gosta de pimenta, não é filha? — A matriarca diz, fazendo todos virarem para a ruiva.
Minjeong força um sorriso sem dentes, acenando com a cabeça.
Karina sorri, abraçando a mais nova pelos ombros com carinho.
— Ela é filhinha de mamãe, claro que gosta — A Yu diz, apertando as bochechas da ruiva.
Todos riem. Até Minjeong, mesmo que por segundos.
Mastiga lentamente conforme o jantar animado continua, o contraste de todos na mesa é gritante comparado ao seu, parece uma peça em um quebra cabeça que não se encaixa com as outras. Karina desliza a mão debaixo da mesa e segura a dela. O toque é sutil, quente, reconfortante.
Quando o jantar acaba, todos se levantam com lentidão. Há abraços, pratos sendo levados para a pia, os últimos goles de soju e promessas de que “precisamos fazer isso mais vezes”. Minjeong escapa para fora, sentando-se no capô do carro, o ar noturno gelando seus ossos. A rua está silenciosa. E pela primeira vez naquela noite, se permite respirar de verdade.
Passos suaves se aproximam, só pela forma de andar, sabe quem é.
— Sempre muito quieta, — diz Aeri, parando ao lado dela — Mas agora 'tá demais. Desembucha.
Embora o tom seja bem humorado, a japonesa está falando sério. Mas a ruiva permanece calada, olhando para o céu.
— Sei que você não vai falar... — Aeri continua, cruzando os braços — Mas só pra deixar claro, se precisar, 'tô aqui. Não só como sua cunhada... mas como alguém que te enxerga.
Minjeong vira o rosto, encara o chão. Um segundo de hesitação. Ela sabe que com Aeri não precisa fingir. Então deixa sair algo que está na sua mente desde que saiu da casa de Tony.
— Eu só... — Sua voz sai em um fio, quase inaudível — Só preciso acabar com tudo isso.
Aeri muda sua expressão para uma séria agora. Sobrancelha franzida, sem entender o que a outra diz.
— Que?
Mas Minjeong não responde, ela desencostou do carro e olha para a entrada da casa, onde Karina está saindo enquanto se despede de seus pais, com um enorme sorriso no rosto. Ela anda até as duas.
— Vamos? — Ela diz sorrindo, abraçando o braço da namorada — Ning 'tá te procurando, Eri.
A japonesa sorri e acena, mas seus olhos nunca saem de Minjeong.
Ela só pode torcer para que a ruiva não faça nenhuma besteira, mas lá no fundo, sabe que vai.
(...)
— Finalmente — Karina diz, se espreguiçando — Lar doce lar.
A Yu joga o casaco no sofá, se livrando dos sapatos, deixando um rastro de roupas no meio do caminho.
Ela acaricia Salem, que vai urgentemente se esfregar entre suas pernas, dando as boas vindas a dona. Ele termina e vai até as pernas de Minjeong, e quando a morena se vira, percebe algo estranho.
A ruiva não catou suas roupas como sempre faz, na verdade, ela joga seu próprio casaco por cima do sofá, juntamente com o seu. Ela tem a cabeça caída, encarando Salem, que está entre suas pernas, mas não esboça nada.
— Ei — A mais velha chama, se aproximando e tocando no ombro da outra — Sei que já falamos sobre isso antes — Pousou as mãos nos ombros da ruiva — Mas eu 'tô aqui, 'tá bom? Pronta 'pra te ouvir.
Minjeong ainda está com a cabeça baixa, encarando Salem em seus pés. É doloroso, queima na sua pele o fato de não poder dizer a verdade para a pessoa que mais ama. Isso lhe corroi por dentro. Então, seus ombros começam a tremer. Karina franze a testa quando percebe, e seus olhos se arregalaram quando a mais nova levanta a cabeça, seus olhos estão marejados, vermelhos, prestes a soltar as lágrimas. Ela morde o lábio inferior enquanto lhe encara.
— Amor, o que foi…
— Você me ama? — Minjeong corta sua fala, voz embargada.
— Hã? — Karina franze as sobrancelhas, se não fosse pela ruiva chorando bem na sua frente, a pergunta lhe ofenderia muito — É claro que amo, que pergunta é essa.
Mas a ruiva não responde, ela se joga nos braços da morena, lhe agarrando em um abraço enquanto enterra o rosto em seu pescoço. Karina passa os braços ao redor dos ombros da mais nova, esfregando sua mão na nuca, seu nariz roçando em seus fios de cabelo enquanto a escuta fungar baixo. Nunca viu ela desse jeito antes, e embora estivesse afetada em vê-la chorar, precisa ser forte, assim como ela sempre foi para si.
— Calma, ‘tá tudo bem… — Karina murmura, seus dedos acariciando os fios ruivos — Eu ‘tô aqui.
Depois de alguns minutos, o choro fica mais baixo, porém, não termina, as lágrimas ainda escorriam pelas bochechas de Minjeong, seus olhos ficando inchados e vermelhos. Ela retira o rosto do pescoço da mais velha, encostando sua testa na dela, seu braços enrolados no tronco de Karina.
— Diz de novo… — Sua voz sai em um fio — Por favor…
— Minjeong… — A voz de Karina quebra, trêmula, enquanto segura o rosto da mais nova com as duas mãos— Eu te amo, de um jeito que me deixa sem ar. Amo tanto que às vezes me assusta... porque nunca pensei que fosse possível sentir algo assim por alguém, mas aconteceu, com você, desde a primeira vez que te vi.
A mais nova fecha distância entre os corpos e esmaga os lábios contra os de Karina, agarrando o corpo da namorada com força, sentindo ela fazer o mesmo com o seu, os dedos puxando sua nuca.
Ouvir que é amada por Karina é o que sustenta sua vontade de viver.
Ela precisava ouvir isso para sobreviver mais uma noite com esse peso insuportável. Precisava ouvir pela última vez.
As lágrimas dão um gosto salgado ao beijo. Ele é cheio de paixão, os lábios buscam o gosto do consolo, do amor e da paz, de forma tão intensa que as duas respiram forte, mas não se desgrudam. Minjeong beija cada lábio da namorada com vontade, segurando sua cintura com força, não suportando a ideia de estar afastada da mulher que ama.
Karina geme no beijo quando a ruiva começa a chupar seu lábio inferior, mordendo em seguida. Ela abre a boca para que Minjeong brinque com sua língua do jeito que quiser, sentindo um arrepio passar pelo corpo quando os dedos fortes de Minjeong apertam sua bunda, descendo até suas coxas desnudas, e aos poucos, invadindo sua saia.
— Minjeong… — Karina geme o nome da namorada entre os beijos, amando como está sendo beijada, amando sentir os dedos da ruiva puxarem sua saia para cima, até estar presa em seus quadris, expondo sua calcinha.
A ruiva, por outro lado, só quer se sentir viva, amada, e só Karina consegue lhe proporcionar isso. Seus beijos, seus toques em sua pele, seus gemidos manhosos cheios de segundas intenções. Isso faz seu coração acelerar, faz a culpa ir embora, mesmo que seja por algumas horas.
É esquisito, Minjeong não nega, fazer amor com sua namorada enquanto lagrimas escorrem por sua bochecha, mas não é menos intenso.
Tudo é eletrizante, desde quando arrasta o corpo de Karina até o quarto, de como tira as roupas dela, e em seguida, deixa ela tirar as suas, arrastando a boca por onde quiser. É eletrizante quando seus corpos nus deitarem na cama, se esfregando, sentindo o calor molhado, intenso, que transborda no corpo. Sentir o desejo em cada toque, cada respingo de saliva que escapa do beijo, cada vez que as línguas se esfregam.
Minjeong não sabe quantas horas se passaram desde que começaram, tudo que consegue fazer nesse momento é penetrar a mais velha com os dois dedos enquanto enterra o rosto no pescoço dela, ouvindo-a gemer seu nome, arranhando suas costas.
Karina sempre vai ser linda, e Minjeong acha que ninguém vai amar ela como a ama.
— Eu te amo… — Minjeong murmura ao pé do ouvido — Amo muito…
Já é começo da manhã quando Karina pega no sono, cansada das atividades. Minjeong passou minutos—talvez horas, admirando-a enquanto dormia. Seus dedos se esticam para empurrar alguns fios do rosto dela.
A expressão serena lhe dá paz, e talvez, um pouco de esperança. Por Karina, ela sente vontade de viver.
Um sorriso triste escapa do seu rosto quando se lembra do começo do relacionamento, onde seu maior desejo era que a Yu lhe deixasse, e agora, estava aqui, sendo salva por ela. A verdade é que todo dia Karina salvava sua vida, lhe salvava de si mesma.
Não merecia alguém assim.
Seu corpo se levanta da cama, bem lentamente, ela não pode acordar a namorada de jeito nenhum. Ela recolhe toda sua roupa no chão, vestindo.
Indo até a sala, Minjeong para na frente do sofá, onde Karina deixou a bolsa jogada. Ela a abre e tira de lá o celular da mais velha, guardando no próprio bolso.
Seus pés estão relutantes em sair dali. Eles não querem, sua vontade é de correr de volta para a cama e viver ali com Karina para sempre. Ela não quer ser justa, quer ter um final feliz.
Ela não quer morrer, não ainda, mas sente que se passar mais um dia carregando esse peso, dará um fim à própria vida.
Assim que saí do apartamento de Karina, seus dedos catam o celular dela que está em seu bolso. Depois de um tempo, finalmente consegue chegar em seu carro estacionado, e entrando nele, disca um número, levando o aparelho até a orelha em seguida.
— Alô, Karina, isso são horas? Aconteceu alguma coisa?
— Haesoo, sou eu.
— Minjeong? — O homem pergunta confuso — Aconteceu alguma coisa?
— É com… — A ruiva morde o lábio inferior — É com a Karina.
— O que tem ela? — Pelo outro lado da linha, é possível ouvir que ele está tenso.
— Saiu para uma festa com os amigos do trabalho, segundo ela, mas não voltou até agora. E não consigo falar com ela porque esqueceu o celular em casa. Eu só… — Mordeu o lábio — Achei importante te avisar.
— Tudo bem, você fez bem — O homem suspirou do outro lado da linha — Você sabe ‘pra onde ela foi? Em qual lugar foi a festa?
— Não, mas talvez, se procurarmos juntos, a gente ache mais rápido.
— Sim, claro. Me encontra no posto de gasolina do lado do hospital em alguns minutos, de lá procuramos juntos, ‘tá bom?
— ‘Tá bom, até logo.
Sem esperar mais, a ruiva desliga a ligação, jogando o celular de qualquer jeito no banco de trás. Ela deixa um longo suspiro sair de sua boca. Não há mais volta, é o fim da linha.
Se tudo na vida tem um fim, que seja pelo começo.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.