Ponto de vista do Tomioka
Alguns meses se passaram desde que eu e Shinobu fomos ao cinema. O outono havia acabado, estávamos agora no inverno.
Nessas últimas semanas, nos aproximamos ainda mais. Minhas visitas à casa dela se tornaram mais frequentes, e ela também passou a frequentar a minha casa algumas vezes. Fazíamos de tudo juntos: assistíamos filmes em casa, fomos outras vezes ao cinema, jogamos videogame um contra o outro incontáveis vezes (vezes o suficiente para eu emplacar uma sequência humilhante de vitórias no Naruto Ninja Storm contra ela), pedíamos comida juntos, além das várias vezes em que ficamos na casa um do outro conversando até a madrugada, até que, pelo horário, nos víamos obrigados a nos despedir. Ela era uma boa ouvinte dos meus estresses diários da faculdade e do dia a dia, e eu parecia cumprir um bom papel de conselheiro, de alívio e de médico quanto a situação de Kanao, que continuava no tratamento após a boa notícia daquele dia.
Não podia negar: estava curtindo muito a nossa amizade. Sanemi era meu melhor amigo, sei que ele estaria ali pro que quer que eu precisasse, mas ele também tem suas ocupações e o jeito explosivo dele de lidar com as coisas. Shinobu tinha sido uma coisa nova e maravilhosa que eu estava recém descobrindo.
Estávamos eu e Sanemi numa das áreas verdes da universidade, era o horário de almoço. Sentamos em uma pequena mesa um de frente pro outro, com o tempo, chegaram Tengen, Rengoku e Obanai. Eles começaram a conversar entre si casualmente como de costume.
- Estava pensando em visitar o novo café que abriu ao lado da faculdade hoje, o que acham? - Disse Obanai.
- Uma boa - disse Tengen.
- Não gosto muito de café, mas soube que a torta de lá é incrível - comentou Sanemi - Giyuu, você vai?
- Não posso, já tenho planos.
- Shinobu? - Obanai questionou, e eu assenti.
- É, devo imaginar - bufou Tengen - agora você é só Shinobu pra cá e pra lá, de uma hora pra outra vocês dois viraram unha e carne!
- Hã? Unha e carne? - indaguei.
- É! Quer dizer, de segredinhos, sempre juntos, extravagantemente grudados - continuou ele.
- Eu não acho… eu sempre estou com Sanemi também.
- É diferente - disse Obanai - você e Sanemi sempre foram amigos. Mas você e Shinobu não se suportavam e agora não largam do pé um do outro…
- Vocês estão viajando - me defendi.
- Eu tenho que concordar com eles, Tomioka - Sanemi continuou - você e ela do nada grudaram pra cacete. Vocês tão gostando um do outro, né?
- Olha, acho que se vocês continuam assim, começam um namoro que ninguém mais separa, vai ser pior que Obanai e Mitsuri - riu Tengen, me fazendo querer cavar um buraco no chão e me esconder de tanto constrangimento.
- Vocês tão entendendo tudo errado. Não tenho nada com a Shinobu.
- Então por que você está tão vermelho? - interrogou Tengen.
- N-não estou! - balbuciei.
- Está sim, e ficou mais ainda agora - completou Obanai.
- Calma, Romeu, só estamos te enchendo - debochou Tengen - mas a verdade é essa, ha-ha.
Eu procurei não ficar mais nervoso com os comentários e passei a tentar ignorá-los, apesar de arrancarem uma coloração vermelha de meu rosto.
Depois do almoço, Sanemi me puxou de lado e me falou, bastante sério, para eu pensar com cuidado no que estou sentindo, apesar das brincadeiras. “Se você gosta dela, reflita sobre isso. Antes que me negue agora, só cale a boca e pense no que vem sentindo, porque eu joguei fora a minha chance com uma garota incrível que era a Kanae, não faça essa merda”.
Eu, gostando de Shinobu? Quer dizer, gostando de gostar mesmo? Sinceramente, eu não tinha parado para pensar sobre isso. É verdade que ela vinha me fazendo sentir coisas diferentes, mas não tinha atribuído uma causa romântica a isso, afinal, Shinobu era minha parceira de cotidiano e de madrugadas de conversa.
Fiquei pensando nisso tudo e devo admitir: me perder nesses pensamentos causava uma mistura de ansiedade e emoção que faziam meu coração ir na garganta. Quer dizer então que eu estou gostando de Shinobu, e ela de mim?! Não sei se esse é o caso, mas mesmo que fosse o meu caso, não tem como saber se haveria uma reciprocidade por parte dela. Talvez seja melhor não arriscar. Está tudo tão bom, e eu não quero ser quem vai estragar tudo.
Ponto de vista da Shinobu
- Vai sair com o Tomioka hoje? - perguntou Mitsuri.
- Sim, combinamos de comer uma pizza e jogar videogame juntos.
Lembrei-me do dia em que fiz minha promessa a Tomioka. Estávamos os dois deitados, um do lado do outro, no carpete da minha casa, assistindo a um anime na Crunchyroll na TV. Estava bastante frio e já passava de meia noite, era uma sexta. Eu havia feito uma pipoca e ele trouxe torta para comermos enquanto maratonávamos algum anime. Ele estava usando uma calça de moletom preta e um casaco verde largo e confortável. Eu usava meias, calças de pijama e uma camisa de banda dele que havia roubado outro dia. Como o frio começou a incomodar, ele se levantou e, pouco tempo depois, voltou com um edredom que havia pegado no meu quarto. Sentou-se ao meu lado e passou o braço pelo meu pescoço, envolvendo-me com o edredom também e tirando o braço de minhas costas em seguida. Me aproximei, arrastando-me pra perto dele até ficarmos ombro-a-ombro. Pensei que meu coração fosse sair pulando pelo peito, senti meu corpo inteiro arrepiar e aquecer-se. Estar com ele de perto assim me fazia quase morrer de vergonha. Do jeito mais “Tomioka” possível, ele me pergunta:
- Shinobu, eu vou me arrepender?
- Hum? De quê? - perguntei.
- Eu fiquei muito receoso de me aproximar de você - disse ele - é complicado…
- Então me explique, eu vou te entender. Você sabe que pode confiar em mim - disse calmamente.
Ele me contou de Sabito, seu amigo de infância que possuía uma doença grave e crônica nos pulmões. Era seu melhor amigo, praticamente foi criado junto com Sabito por sua mãe e seus irmãos. Resolveu que iria se tornar médico para ajudá-lo. Quando Sabito estava nos seus últimos anos de vida, ficou muito doente para sair de casa e Tomioka passou a visitá-lo todos os dias sem falta, levando sempre seu remédio no mesmo horário. Era um remédio caro que a família de Sabito recebia do governo, então Tomioka servia de intermediário. Quando Tomioka ingressou na faculdade, pediu a vários médicos que visitassem seu amigo na esperança de algum ajudá-lo, mas nada adiantava.
Um dia, o ônibus de Tomioka atrasou, e ele ficou horas esperando. Não conseguiu chegar a tempo de dar o novo remédio de Sabito, pois o antigo havia acabado. Ele pretendia se desculpar com o amigo pelo atraso. Mas o pedido de desculpas nunca aconteceu. Sem o remédio, Sabito faleceu naquela mesma tarde devido a complicações em seu pulmão.
A família de Sabito, a vizinhança e todos os antigos amigos culparam Tomioka de todas as formas por ter sido o culpado pela morte de Sabito, apesar dos médicos terem dito que pouco adiantaria o remédio, pois o quadro do garoto já estava muito grave e era questão de tempo até o inevitável acontecer. Por mais que ele sobrevivesse àquele dia, isso não mudaria seu destino.
Como Tomioka morava com os pais de Sabito depois que ficou órfão, foi expulso de casa e teve de morar de favor num pequeno flat por um tempo, alugado a um preço baixo por um senhor de idade que teve pena dele.
- Se eu tivesse chegado à tempo, talvez Sabito tivesse sobrevivido… talvez eu tivesse ao menos comprado tempo a ele. Eu queria ter pelo menos me despedido…
- Não fale uma coisa idiota dessas, Tomioka! Nada disso foi culpa sua! Você fez o seu melhor, tomou conta dele até o fim, você fez tudo o que pôde! - o repreendi, com lágrimas enchendo meus olhos. Eu havia acabado de conhecer uma parte dele que eu não conhecia. Essa parte era triste e bonita ao mesmo tempo, ele realmente se importa profundamente com as pessoas que ama.
- Você é uma boa amiga, Shinobu - disse ele, tocando em meu rosto gentilmente - eu não quero passar por isso outra vez. Não quero ser o culpado por mais nenhuma pessoa perder quem ama.
- Você não foi culpado de nada! Eu jamais te culparia pelo que aconteceu!
- Obrigado... - ele sorriu - por causa disso, eu tenho uma regra: não me envolvo com familiares ou amigos dos pacientes, mas no dia em que saímos pro cinema... Eu decidi que queria que você fosse a minha exceção. Porque eu gosto de estar perto de você - disse ele, e senti meu rosto ferver - eu vou me arrepender de abrir essa exceção?
- Não, Tomioka - respondi, sem pensar duas vezes - eu não vou fazer você se arrepender - sorri, e ele sorriu de volta.
- Promete?
- Prometo, Tomioka, eu prometo - respondi, dando-lhe um abraço apertado enquanto as lágrimas ameaçavam sair, mas as contive.
A rosada me tirou de minhas lembranças, me chamando.
- Shinobu! Em que mundo você estava? Planeta Tomioka? - me beliscou - Ah, já sei o que está acontecendo - disse ela, cerrando os olhos.
- O quê?
- É óbvio! Você está apaixonada por ele! É exatamente como eu fico pensando no Obanai! - exclamou ela.
- N-Não! Q-quer dizer… - arfei, enquanto ela me olhava desconfiada, levantando uma sobrancelha - não sei, talvez… Eu tô tentando evitar pensar nisso, mas é difícil.
- E eu não tô nem um pouco surpresa, agora vocês vivem um na casa do outro, saindo juntos, metidos nos cantos por aí - disse ela, me trazendo à mente os últimos meses.
Só de lembrar daqueles momentos em que olhamos um para o rosto do outro, sob a luz pálida da noite que entrava pela janela da sala de casa, enquanto conversávamos até o Sol quase raiar, já fazia um turbilhão de borboletas começarem a voar dentro de mim. Tomioka era o meu confidente, e tinha se tornado meu melhor amigo. Quando ele me visita, e eu abro a porta e me deparo com a pessoa dele em pé com as mesmas roupas repetidas de sempre, uma parte de mim tem vontade de se atirar em seu pescoço calorosamente, dizendo uma montanha de palavras tão lindas que eu tenho até vergonha de pensar. Eu sorria para o Tomioka com cinismo antes, mas agora meus risos tem sido dedicados a ele com todo carinho do mundo! Quero abraçá-lo e falar todas as coisas calorosas que venho sentindo vontade nas últimas semanas, e sentir o cheiro oceânico que seu perfume exala e me faz disparar o coração quando o sinto ao longe.
Eu me perdia em devaneios ao pensar em seu rosto de feições finas. Os cabelos negros incomodando os olhos azuis escuros que eu tanto gostava de admirar. Acima de tudo, eu me perdia nos pensamentos do cinema. Nossas mãos uma sobre a outra, a forma como ele me fitou fixamente e me fez estremecer da cabeça aos pés antes de ir subitamente ao banheiro, minha cabeça acomodada em seu peito. Eu preciso me controlar, não posso fantasiar algo que nunca vai acontecer, só vou me magoar e estragar nossa amizade.
Tomioka, apesar da nossa amizade, é uma pessoa fechada, sendo bem realista. Acho que devo me conformar com o fato de que mesmo apaixonada por ele, eu jamais seria correspondida, nem que esperasse por anos.
Ponto de vista da Kanao
Tanjiro tem ficado muito ao meu lado nos últimos tempos, e hoje me chamou para ter uma conversa depois da aula. Eu gosto do Tanjiro, e acho que ele sabe disso. Nos sentamos em um parque próximo à escola, onde havia algumas pessoas transitando, mas poucas o suficiente para termos privacidade.
- Kanao. E-eu… estou apaixonado por você - confessou ele, segurando minhas mãos. Eu estava feliz e triste ao ouvir isso. Feliz, por gostar dele também, e triste por não poder ficar com ele. Não quer magoá-lo caso algo aconteça comigo.
- Eu também estou por você - sorri, acariciando seu cabelo - mas não podemos ficar juntos. Eu estou doente, e se eu magoar você por isso, não vou me perdoar.
- Não importa pra mim, eu te quero mesmo assim - ele segurou minhas mãos mais firmemente, trazendo-as para junto de seu peito - eu te amo, Kanao-kun. Eu não vou sair do seu lado, não importa o que aconteça.
- Não vou magoar seu coração?
- Vai magoar se me der um fora por causa disso - brincou ele, arrancando uma risada de mim.
- Está bem, eu vou confiar em você - disse, acariciando seu rosto com as pontas dos meus dedos.
Fomos lentamente nos aproximando, até ele avançar e deixar apenas um pequeno espaço entre nossas bocas, que acabou assim que eu segurei sua nuca, puxando-o para mais perto. Tanjiro me beijou calmamente, me dando selinhos que progressivamente foram ficando mais demorados, até ele pedir passagem com a língua, e eu ceder. Nossas línguas exploravam uma a boca do outro enquanto sentíamos elas dançando dentro de nós, misturando nossas salivas num beijo calmo que íamos calmamente continuando. Tanjiro recuou, depositando um último selinho antes de se separar totalmente de mim.
- Então, Kanao, você quer namorar comigo?
- Quero - respondi, dando-lhe um selinho e selando de vez nosso namoro - meu namorado!
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