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História VxM: Valencia versus Mendoza - Capítulo 3


Escrita por: _Birdy

Notas do Autor


Oi gente!
Voltei com mais um capítulo. Espero que vocês gostem!

Capítulo 4 - Capítulo 3


Manhattan, NY.  Edifício New SoHo. 12:02. 

Rafael Narrando

 

            Cumprimentei o segurança assim que adentrei o prédio. Tentei ajeitar a minha mochila cheia com livros e caderno da faculdade sobre um dos meus ombros. Hoje estava um pouco pesada e ainda equilibrei a pasta, em um dos braços enquanto eu chamava o elevador.  A pasta carregava alguns papéis da V&M que achei melhor levar para casa para me atualizar de algumas coisas. Eu estava focado de que eu daria o meu melhor para me destacar naquela empresa.

Ok. Confesso que depois daquela conversa com Beatriz ontem na cafeteria, eu estava com mais sangue nos olhos do que antes. Me senti desafiado e meu orgulho não deixaria por isso mesmo. Estou decidido de que aquela vaga é minha.  

Adentrei o elevador sozinho e apertei o botão para chegar na V&M. Ouvi alguns passos se aproximar do elevador e rapidamente reconheci a voz feminina que chegou à portaria.

- Boa tarde, Wilson! – ela dizia bem-humorada. – Tudo bem?

- Boa tarde, Bia! Está tudo bem. Estou gostando de ver, você trabalhando por aqui, niña!

Ah não, ela não. Não estava a fim de dividir o elevador com Beatriz agora. Me apressei para apertar o botão para fechar as portas logo. 

- Ei, segure o elevador, por favor! – ouvi sua voz e os passos curtos se apressando. Apertei o botão várias vezes, ansioso para que se fechasse logo.

As portas começaram a se fechar, mas deu tempo o suficiente para que ela me avistasse através da fresta entre as portas antes de se fecharem totalmente. Seu semblante murchou quando me viu. Eu a encarei de volta um tanto indiferente e apertei o botão de fechar mais uma vez só para me certificar. A fresta se fechou e o elevador finalmente subiu. 

Eu sei, fui um pouco mal educado. Mas sinceramente, não tinha mais interesse nenhum em manter uma interação amigável com essa garota. Não tenho paciência para gente metida a sabe tudo e nem me esforço para agradar quem não me interessa. Não teria o porquê ser diferente com ela.

Assim que cheguei ao escritório da V&M percebi um clima meio estranho. Algumas secretárias andando de um lado para o outro e uns cochichos entre elas também. Um dos secretários, passou na minha frente sem tirar os olhos do seu celular. O vinco entre as suas sobrancelhas apontava a preocupação em seu rosto. Olhei ao meu redor ainda sem saber muito bem o que fazer. Será que é assim todos os dias por aqui?  Todo mundo parecia mais tenso do que ontem e tenho quase certeza que não era apenas uma impressão minha.

Deixei as coisas sobre a minha mesa ainda com os olhos curiosos observando o que estava acontecendo. Eu queria perguntar sobre última novidade para alguém ali por perto, mas a única colega que eu conhecia até agora era Beatriz. Eu ainda estava sem jeito para sair perguntando por que todo mundo está com uma cara esquisita se eu nem tinha me apresentado antes.

Achei melhor ir direto ao chefe. Caminhei até a sala da presidência e avistei ele conversando com umas das chefes de departamento dali. Ele estava nervoso reclamando de alguma coisa que eu não conseguia identificar, gesticulando suas mãos rapidamente.  A moça de black parecia mais calma do que ele, enquanto o ouvia e fazia alguns comentários pontuais.  

Dei algumas batidas na porta de vidro, atraindo a atenção dos dois. Abri a porta lentamente, ainda hesitante.

- Boa tarde, senhor Armando. Posso entrar? 

- Entra, Rafael. – ele jogou o seu celular sobre a mesa de qualquer jeito. – Mariana, vamos fazer então uma reunião urgente ainda hoje para gente discutir sobre isso, ok?

- Claro, senhor Armando! Pode ficar tranquilo. Vai dar tudo certo, boss. – ela disse antes de caminhar para fora da sala. Direcionou um breve sorriso para mim. Eu a cumprimentei com um aceno de cabeça e abri a porta para ela. – Obrigada. E seja bem-vindo, Rafael... As coisas não são sempre assim, mas se prepare para hoje.

- Obrigado...  – agradeci, agora bem preocupado com a sua última frase.

- Cadê Beatriz? – ele perguntou nervoso.

-Hum... Ela deve estar vindo. – respondi.

- Oi, cheguei! – disse Beatriz adentrando a sala, com um pequeno sorriso. Seu sorriso se fechou quando me avistou ao seu lado e me direcionou um olhar sério de cima a baixo. – O que está acontecendo nessa empresa que todo mundo está esquisito? Clima estranho. 

- Você saberia se tivesse me atendido. Por que vocês dois não viram as minhas mensagens?! – o senhor Armando continuou, estressado. – Eu disse para vocês para ficarem com os celulares a postos, droga! – sua voz aumentou de tom. Eu e Beatriz nos entreolhamos confusos. 

- Provavelmente eu não vi por que estava a caminho daqui. – tentei me explicar. - Está tudo bem, senhor Armando?

- Não! Não está! – ele respondeu ainda impaciente. – Você chegou a organizar a minha agenda para hoje? – eu assenti. – Mude tudo! O que você puder cancelar para mim, cancele. Hoje vou ter uma reunião com Mariana e Hugo sobre estratégias de marketing da empresa e sobre a nova coleção. Isso pode demorar. 

- Qual o motivo dessa mudança? – perguntou Beatriz curiosa.

- A nova campanha publicitária da Glam. – ele pronunciou o nome um pouco desgostoso. – Eles nos afrontaram publicamente. Isso pode manchar o nosso nome por meses nas redes sociais!  Aquele Thomas Sullivan é uma verdadeira praga! – seu rosto ganhou um tom vermelho. – E nas redes sociais, ainda estão nos acusando de não sermos sustentáveis como eles. É mentira, eles nunca foram sustentáveis de verdade!

- Glam? Qual a ligação que a Glam tem com a V&M? -  perguntei curioso. Eu entendia de finanças, mas ainda estava totalmente por fora do mundo da moda.

- Glam também é uma empresa de roupas prêt-à-porter e visa o mesmo público-alvo que nós. – Beatriz explicou. - Surgiu nos últimos anos como a principal concorrente da V&M no mercado. E Thomas Sullivan é o CEO da empresa que tem algumas estratégias um tanto... agressivas para tentar o domínio do mercado.  Você deveria saber disso, já que se acha tão preparado assim para trabalhar aqui.

 Eu cruzei os braços, tentando engolir a minha vontade de rebater com uma resposta atravessada. Mas eu tinha que lembrar que estávamos de frente para o nosso chefe que por sinal já estava estressado o suficiente. Eu escolhi a ignorar e me voltei para o senhor Armando.

- Vou reagendar os seus compromissos agora mesmo, Senhor Armando. Vou procurar saber com a senhora Mariana e senhor Hugo o melhor horário. Eu posso ajudar em mais alguma coisa?

- Por enquanto, não Rafael. – ele responde. – E Beatriz, preciso que você ligue para nossa equipe jurídica agora mesmo.

- Eu vou matá-lo! – o grito de uma voz escandalosa nos fez tremer de susto, interrompendo a nossa conversa. - Armando, eu vou matar o Thomas hoje mesmo com as minhas próprias mãos!

Naquele mesmo momento, uma presença mais inquieta do que Armando invadiu o espaço como um tornado.  Um homem careca bem vestido, com um semblante de fim de mundo se aproximou em passos rápidos. Pelo visto ele deve ter acabado de ver a polêmica campanha de publicitária.

- Hugo se controle. Você não vai matar ninguém, ouviu? Precisamos de você fora da cadeia para a próxima coleção. Se acalme! – Ironicamente, Armando tentava passar uma tranquilidade que ele não tinha.

- Você ouviu o que fizeram com as minhas últimas criações!? Eu juro pelas musas do Olimpo, que se você não fizer alguma coisa, Armando, eu não respondo por mim!  - eu podia ver uma veia saltada em sua careca brilhante. – Aquele porco de poliéster barato vai se ver comigo.

- Eu acho que a equipe jurídica vai ser mais necessária do eu que imaginava... – eu comentei baixinho, ainda perplexo com o clima de histeria no meio do expediente.

- Eu não estou bem. Armando, estou passando mal. Estou vendo tudo rodando. A minha hora chegou. Diga às minhas filhas que eu as amo. – Hugo colocou a mão sobre o rosto. E suas pernas fraquejaram como se fosse desmaiar a qualquer momento. Eu e Beatriz corremos para tentar socorrê-lo.

- Hugo! – chamou Beatriz assustada.

- Lá vem... – Armando resmunga olhando para o teto.

– Já estou sentido minha alma artística saindo do corpo... - ele se jogou para traz num desmaio e eu o segurei ainda assustado com a sua reação. Beatriz o abanava com uma folha, igualmente perdida sobre o que fazer.

- Isso não é hora de morrer, Hugo! A cada dia mais dramático... – reclamou Armando impaciente, se levantando a cadeira. – Vamos, se levante porque nós temos uma reunião para fazer. - parece que ele já estava acostumado com cenas de Hugo como essa. Senhor Lombardi ignorava, sustentando a sua cena trágica. – Alguém traz as flores de Bach!? Duas doses. Eu vou precisar também.

Onde que eu fui me meter?

Depois de acudir Hugo Lombardi, que eu acabei o conhecendo pessoalmente em grande estilo, e levarmos calmante para a dupla de homens estressados, eu e Beatriz fomos cumprir alguns dos pedidos do Senhor Armando.  Entre alguns e-mails, reorganização de horários e algumas ligações, ouvi Beatriz abrir o vídeo viralizado da campanha da Glam na tela do seu notebook.

Eu olhei de rabo de olho, igualmente curioso. Afinal de contas, a empresa inteira já viu, menos nós dois.  Ainda tentado a matar curiosidade, arrastei minha cadeira de rodinhas até a mesa da minha colega ao lado. Ela se virou para mim surpresa quando percebeu a minha aproximação, enquanto eu ainda mantinha os olhos focados na tela e dividia espaço com ela em frente a sua mesa. Ela pausou o vídeo e fechou a janela.

- Isso é o que eu estou pensando que é? – perguntei e girei minha cadeira para Beatriz, agora a poucos centímetros dela. – A funcionária de ouro não deveria estar trabalhando? – não resisti em provocá-la.

- Isso não é da sua conta, García. – ela rebateu.

- É da minha conta sim porque eu estou tão curioso quanto você. Abre logo esse vídeo.

- Por que você não assiste no seu próprio computador?

- Anda logo, Beatriz. Dê logo o play nisso! – eu disse impaciente. Apesar da seu incômodo com a minha presença do seu lado, ela bufou e finalmente deu play no vídeo de novo.

Uma modelo desceu os degraus de um edifício em Manhattan com um vestido azul, casaco de pele falsa e saltos. “Elegância e sustentabilidade estão em alta”, diz uma voz no vídeo enquanto a mulher desfilava pela calçada. Aparecem outras modelos bem vestidas com bolsas e sapatos com a logo da Glam.

Uma das modelos desfilando na rua com uma sacola da marca. “Mas inovação e personalidade não se encontram em qualquer lugar”.  Aparecem várias fotos de campanhas publicitárias de roupas da V&M no chão da rua e as modelos andando por cima delas como se fossem lixo na calçada. “Ainda presa no passado? No mais do mesmo? Que brega!”

A modelo principal pisa sobre as fotos das roupas da V&M com confiança e a câmera foca em seu salto alto.

“Glam, o futuro da moda. Da cabeça aos pés.”

- Desgraçados. – xingou Beatriz ainda em choque, com os olhos sobre a tela. -  Como eles foram capazes de fazer essa safadeza!?

- Isso não só parece uma campanha de mal gosto, mas acho que eles fizeram mesmo um plágio de alguns desenhos de Hugo. Olha isso.  – peguei a minha pasta e tirei alguns papéis dela, que tinha estudado na noite anterior. Alguns com as cópias dos rascunhos das criações de Hugo.

Beatriz pegou as cópias rapidamente da minha mão e começou a comparar alguns com as fotos do Instagram da marca. – Os safados mudaram alguns detalhes para que não fossem acusados de plágio, mas são quase a mesma coisa. O pior é que se a V&M lançasse essa linha, mesmo com a qualidade superior que a marca tem, nós seríamos acusados de plagiadores e não eles.

- Eles não copiaram todas as roupas, mas umas quatro peças. Não perderíamos a coleção inteira.

- Mas perdemos justamente as que seriam o carro chefe da estação e que seriam um verdadeiro sucesso de vendas.

- Isso explica o porquê do senhor Armando e Hugo estejam à beira de um ataque de nervos. – comentei.

- Essa disputa com a Glam ainda vai dar muito o que falar...

- Isso quer dizer trabalho duplo para nós dois. – conclui.

- Exatamente.

- Quer dizer, trabalho duplo para mim. Já você... Bom, vamos ver se você vai aguentar a pressão que vem por aí.  – falei afastando a minha cadeira da sua mesa, me posicionando de volta à minha.

Seus olhos castanhos me acompanhavam fulminantes, conforme eu me afastava dela.  

- Não precisa se preocupar comigo, Rafael. E nem me subestime, senão vai acabar passando vergonha. 

- É mesmo? – fingi surpresa.

- Você não tem trabalho para fazer, seu nerd preguiçoso? – ela protestou irritada.

Contive a minha vontade de rir e achei melhor deixá-la em paz por enquanto. Beatriz era extremamente fácil de se irritar, como um bicho arisco. Bastava poucas provocações, ela perde a paciência rapidinho.

Bom saber disso.

 

Bia Narrando

 

            - Seja bem-vinda, Bia! – o grupo de mulheres entoaram num coro animado, ao som de algumas palmas.  

Fui surpreendida quando Bertha posicionou um bolo de chocolate apetitoso na minha frente. No bolo havia os dizeres “Bem-vinda ao Pelotão, Bia”. O sorriso que surgiu no meu rosto foi quase imediato e bati palminhas junto com elas, igualmente animada. Ocupando toda a mesa da cantina da empresa, eu e as meninas do Pelotão nos reuníamos numa bagunça de sons entusiasmados enquanto aproveitávamos um intervalo do trabalho para um café. Pelo menos, essa era a desculpa que as meninas me deram para me atrair até ali. 

- Hoje a nossa Bia é oficialmente integrante do Pelotão! – disse Sandra me abraçando de lado. – Bem-vinda ao hospício, niña. – sua última frase me fez rir.

- Ah, que demais! Muito obrigada, meninas! – eu agradeci. – Sempre quis fazer parte do Pelotão.

- Regra número um: Aqui compartilhamos tudo. Desde comida até fofocas cabulosas. – dizia Bertha estendendo o dedo indicador. 

- Regra número dois: Não repassar fofocas daqui para o chefe, ouviu bem? – disse Gabriela, a secretária da presidência. Eu assenti com um aceno da cabeça.

- Regra número três: Aqui nós amamos uma bagunça. O Pelotão sempre se une para festejar! – disse Aura María.

- Eu amo festas! – eu comentei empolgada.

            As meninas me direcionaram algumas regras essenciais do Pelotão, como se fosse um clube secreto super organizado. Cresci vendo minha mãe sempre rodeada das amigas meio doidinhas e animadas do Pelotão, que continuaram a manter a amizade desde quando ela chegou aqui na empresa. Sempre me pareceu tão divertido fazer parte desse grupo de amigas, unido e meio caótico. Eu não via a hora para também compartilhar essa experiência todos os dias na V&M. Apesar que para algumas que são mais antigas, como a Aura, Bertha, Sandra e Mariana, eu já sou praticamente da família desde sempre. Agora também tem os novos integrantes, a Gabi, Sabrina e Benjamin, o primeiro integrante homem do nosso grupinho.      

            Gabi é a secretária da presidência, a Sabrina é a secretária do setor financeiro e o Benjamin ou Ben é o secretário de Mariana, do setor de marketing. 

            Todos nós estávamos entusiasmados tentando conversar sobre tudo um pouco num intervalo de curtos minutos, mas principalmente sobre o assunto da vez: a propaganda da Glam. Desde falando do marketing de péssimo gosto, até a teorias da conspiração sobre como Thomas Sullivan conseguiu acesso aos rascunhos dos desenhos de Hugo. 

            A bagunça de sons e a conversa acalorada entre nós foi interrompida com a chegada de uma nova pessoa no ambiente.  Rafael adentra a cantina e se depara comigo rodeada pelas meninas. Ele me encara com um olhar de julgamento. Já até imagino sobre o que ele está pensando. “Ela deve estar jogando conversa fora enquanto eu trabalho, que injusto e bla, bla, bla”. Não que seja mentira, mas eu sei que ele pode fazer disso um problema.

            - Oi, você é o novo estagiário junto com a Bia, não é? – perguntou Bertha. Ele assentiu com cabeça e poucas palavras. – Como se chama?

            - Rafael García. 

            - Ei, seja bem-vindo, cara. – disse Sandra. Ela apontou para cada um presente ali na mesa, apresentando os nomes. – E nós somos o Pelotão.

            -  Obrigado, prazer em conhecer vocês. Mas como assim Pelotão? – ele perguntou curioso.

            - Ah querido, isso é uma longa história! – comentou Aura soltando um risinho. – Se quiser se juntar a nós... – eu balancei a cabeça em negação, num pedido silencioso para Aura María. Ela não entendeu muito bem. – Temos bolo também! Vamos partir agora para comer com um cafezinho.

            - Obrigado, mas não vai dar. Vim aqui chamar Beatriz, porque o nosso chefe está nos chamando. Mas ela parece muito ocupada... conversando! O papo está bom, Bia? – ele me chamou pelo apelido debochadamente, enquanto cruzava os braços. – Ou eu estou te atrapalhando?

            - Para você, é Beatriz. – eu retruquei e o todo mundo do Pelotão se entreolhou surpreso com o clima estranho entre nós. – E eu já vou. – disse secamente.

            - Anda logo, Beatriz. Você sabe como o senhor Armando está estressado hoje. – ele disse antes de sair da cantina. – Ou você vai dar outro motivo de estresse para ele?

-  Ai, de repente ficou uma aura pesada nessa cantina... Não sei, não... – comentou Mariana observando nós dois. – Bom, a reunião deve começar agora. Eu já vou também, meninas. – disse ela descendo da sua cadeira. – Vamos, Ben?  -  Benjamin a acompanha e desce da cadeira também.  

Os três saíram da cantina juntos, provavelmente até a sala de reuniões. Um pouco antes de eu me despedir também, Gabi quebrou o silêncio com um olhar curioso.

- Que atmosfera estranha é essa no ar? Como diz Mariana, também senti uma aura pesada entre vocês. – dizia Gabriela e as meninas concordaram ao mesmo tempo. -  Na verdade, desde a hora que os dois chegaram aqui hoje eu percebo uma interação meio seca entre você e Rafael. O que rolou, hein?

- Ele é um rabugento insuportável. Vocês não viram que ele nem fez questão de se sentar aqui para conversar? Fica com aquela cara fechada de azedo o tempo todo. Se acha tão superior!

- Nossa, já deu tempo para vocês brigarem assim? Vocês dois mal se conhecem. -  comentou Sandra.

- Mas ontem no primeiro dia de trabalho de vocês, o clima era outro. – Bertha se pronunciou. – Os dois estavam cheios de gracinha um para o outro e foram embora juntos para algum lugar! Parece que deu tempo sim para se conhecerem. – Eu arregalei os olhos, pega de surpresa pelo poder de observação da nossa fofoqueira-rainha. – Não é, Aura María? – e a Aura concordou.

- Espera aí, vocês saíram juntos ontem? – perguntou Gabriela.

– O que vocês foram fazer juntinhos ontem, hein? Conta para gente, Bia. – perguntou Aura María. 

- Espera aí, não foi isso que vocês estão pensando! Nós saímos daqui para uma cafeteria. Mas não foi nada demais, ok? Fui eu que o chamei para a gente se conhecer melhor e nos aproximarmos mais. Só isso!

- E se aproximaram bastante com um par de beijos, não? – perguntou Gabi com um sorrisinho desconfiado e as meninas riram.

-  Claro que não, Gabi! – eu protestei fazendo uma careta. – Nós só conversamos, o conheci melhor, o odiei, ele me odiou também e pronto. Com ele não quero saber nem de amizade. O quanto menos interação a gente tiver, melhor.

Confesso que no começo de tudo a possibilidade de beijá-lo seria uma ótima ideia. Isso foi um pouco antes de trocar algumas palavras com Rafael e descobrir como ele de fato é. Definitivamente, nós não somos nem um pouco compatíveis. E a cada segundo com ele, isso se confirma um pouco mais.

            Antes que uma das meninas do Pelotão me fizesse mais alguma pergunta curiosa sobre ontem, desci da minha cadeira rapidamente. Não quero mais tocar nesse assunto. Nunca iria admitir que por algum momento, tinha ficado interessada no Rafael. Aliás, prefiro fingir até para mim mesma que esse pensamento sequer surgiu na minha cabeça algum dia. É até constrangedor.

            - Eu já vou, meninas. Nos vemos depois, senão o chato vai vir reclamar comigo de novo. – disse me afastando aos poucos da mesa. – Guardem um pouquinho de bolo para mim!

            O restante da tarde girou em volta da reunião de última hora do meu pai com Hugo, Mariana e os VPs de finanças e relações comerciais. Parece que vai ser necessário algumas mudanças na coleção de Hugo e por isso teria que adiar um pouco mais a data do lançamento. A sorte é que as peças ainda não tinham sido confeccionadas, mas isso ainda não aconteceu por causa de mais outro problema: ainda não tínhamos um fornecedor.

            Durante toda a reunião, havia um guerra fria entre mim e Rafael. Cada um tentava se destacar, se mostrar eficiente e capaz a cada oportunidade que surgia. Desde a organização da sala que rendeu uma breve discussão entre nós dois, até os comentários complementares que dávamos de vez em quando para enriquecer a reunião. A competição entre nós estava mais de pé do que nunca. E nenhum dos lados estava disposto a baixar guarda.

Já era quase o fim do expediente. Caminhei até a sala da presidência com uma caneca quente nas mãos. O aroma do chá de camomila emanava da caneca estampada com a logo da empresa. Adentrei a sala em passos cuidadosos depois de breves batidinhas na porta. Meu pai, já com o topete desalinhado e um semblante de preocupação que persistia em seu rosto, tirou os olhos da papelada que estudava em sua mesa. Ele deve estar exausto depois do dia de hoje. 

- Com licença, papi.

- Oi, meu bem. – havia carinho em sua voz cansada. – O que foi?

- Trouxe um chazinho relaxante para você. Hoje foi um dia difícil, não é? – eu estendi a caneca. – Já está mais calmo?

- Mais ou menos, mas faz parte! A empresa já teve dias muito piores, pode acreditar. É melhor se acostumar logo com a rotina caótica daqui. – ele disse com um meio sorriso e pegando a caneca de chá para si. – Obrigado, Bia.

- As coisas vão se ajeitar mais rápido do que imagina. – tentei animá-lo, me sentando em uma das cadeiras de frente a sua mesa. – Até mesmo esse escândalo da Glam pode trazer muita visibilidade para V&M, agora que está na boca do povo. Você vai ver só.

Ele soltou um risinho depois de um gole do chá. – Tomara, filha. Me desculpa se eu fiquei irritado demais hoje. Não aguento ficar bravo com você por tanto tempo assim.

- Está tudo bem, pai. Eu sei que não era comigo.  

- Já estava sentindo falta de ouvir você me chamando de pai e não de “Senhor Armando”. – ele fez uma careta.

- Fique tranquilo que essa formalidade toda não deve durar mais tanto tempo assim. – eu me acomodei melhor sobre a cadeira. – Não estou tão disposta assim me enturmar com o seu outro assistente.

- O que você dois têm? Na reunião inteira parecia que vocês estavam competindo por tudo.

- Sei que parece cedo demais para dizer, mas eu já o detesto. – desabafei.

- Seja lá o que for o motivo da antipatia dos dois, vocês vão ter que se entender. Eu não quero mais saber de confusão. Ouviu, mocinha? – ele disse antes de tomar mais um gole do seu chá. – Já vivemos emoções demais por aqui. E afinal de contas, agora somos uma equipe, hum? Eu, você e ele. Precisamos trabalhar juntos.

Eu e Rafael nos entendermos? Acho difícil. A única possibilidade de haver uma trégua entre nós seria se um de nós renunciasse a vaga de assistente, que no caso eu não abriria mão de jeito nenhum. 

- Promete para mim, Bia? – ele insistiu, percebendo o meu silencio sugestivo.

-  Não posso prometer o que não posso cumprir, papai.

Ele jogou a cabeça para trás dramaticamente. – O que eu faço com essa menina, meu Deus? O que eu faço?

Eu ri. – Eu vou tentar o meu melhor. Tá bom? Eu posso tentar. – enfatizei a última palavra. – É só isso que eu posso dizer.

Trocamos mais algumas palavras e felizmente conseguir tirar o estresse constante do foco do meu pai. Ele parece mais alegre em estar ali conversando comigo, longe daquelas formalidades de chefe e funcionária.

- Obrigado pelo chá e pelo ânimo, minha Baby Betty. Você com certeza melhorou o meu dia!

- Imagina, papai.  Pode contar comigo! Lembra o que você me disse? Somos uma equipe!

Estendi o punho fechado e ele imitou, cumprimentando num soquinho.

Logo depois fui até a minha mesa para terminar de organizar algumas coisas antes de ir embora.  Avistei as coisas do Rafael na mesa ao lado, mas ele não estava ali. Ele ainda não tinha ido embora. Voltei a me concentrar nas minhas coisas, quando um vazio no estômago me fez trazer à memória o bolo do pelotão. Aquele bolo de chocolate maravilhoso que elas trouxeram para mim e que ainda não tinha dado tempo nem sequer de prová-lo. Só de pensar, minha boca salivava.

Deixei as minhas coisas sobre a mesa e decidi ir até a cantina comer o pedaço que o Pelotão me prometeu. Só aquela fatia generosa, cheia de chocolate e açúcar, seria capaz de fechar essa dia com chave de ouro! Animada com a ideia, andei com pressa até lá.

A cantina estava vazia, mas me surpreendi com a única pessoa que ainda estava ali. Rafael se deliciava sozinho com um pedaço grande do bolo de chocolate, enquanto estava de pé, recostado no balcão da cantina. Ainda com a boca cheia, ele fechou a cara quando me avistou chegar. 

- O que foi? – perguntou para mim, ressabiado.

- Onde tem mais bolo? – perguntei.

- Desse aqui? Não tem mais. Esse é o último pedaço.

Olhei para o pedaço enorme no seu prato e olhei de volta furiosa para ele. Sem se importar com a minha inquietação, Rafael deu mais uma garfada completamente despreocupado. O meu bolo. Que fiquei a tarde inteira pensando nele.

O meu bolo!

- Como é que é? Quem deixou você comer!? – comecei a perder a paciência. Confesso que sobre comida, especialmente doces, é um assunto sério comigo.  

- Aura María e Sandra disseram que tinha e que eu podia pegar um pouco para mim.

- Mas eu ainda não comi, elas separaram esse pedaço aí para mim. – apontei para o seu prato. Ele me encarou indiferente ainda mastigando. Minha vontade era de socá-lo!

- Problema seu. Se faz tanta questão assim, você deveria ter vindo mais cedo.

- Mas o bolo era para mim! “Bem-vinda ao Pelotão, Bia”. Você não viu escrito, seu idiota?

- Ah, eu vi. As meninas do Pelotão foram tão generosas, não é? Inclusive escolherem super bem o bolo, está delicioso! – ele abriu um sorrisinho provocativo, me fazendo ferver de raiva. – Ah, esqueci que você não provou. Que pena!

Tenho as minhas desconfianças que ele sabia que eu ainda não tinha comido e decidiu devorar aquele pedaço enorme sozinho de propósito só pelo prazer de me irritar. A questão não era apenas um pedaço de sobremesa. Era um conjunto de provocações e discussões de um dia inteiro vinda daquele nerd amargurado, que chegou ao ponto de me saturar nesse final de expediente.

- Me dá isso aqui. – corri até ele e Rafael se afastou de mim, estendendo o seu prato para longe do meu alcance. Ele negou com a cabeça para mim. – Tomara que você se engasgue com esse bolo entalado na sua garganta! – resmunguei.

- Vou te contar uma novidade. O mundo não gira em torno de você e as pessoas não são obrigadas a fazerem as suas vontades, sabia? Agora me deixa em paz com o meu bolo de chocolate. 

- Qual é a sua, Rafael? – eu cruzei os braços.

-  Você acha que eu não percebo como você está bajulando todo mundo aqui nessa empresa? As meninas do Pelotão e agora o senhor Armando... Eu vi vocês conversando e rindo, enquanto tomavam chá na sala da presidência como se fossem amiguinhos. Quem olha até pode pensar que você conhece todos aqui há anos. É assim que você quer tirar vantagem por aqui?

- Está emburrado porque todos aqui gostam de mim, enquanto você não passa de um antissocial que come bolo escondido quando todo mundo vai embora.

- A sua estratégia é ser uma puxa-saco, mas a minha é ser competente.

- Você é patético. – eu ri com a sua última frase. – Olha, por um momento deu até pena... Quer saber? Fica com o bolo. Não vale a pena ficar aqui discutindo com você.

            - Isso, vá embora e me deixe em paz. – ele deu mais uma garfada e resmungou com boca cheia. – Birrenta.

 

Manhattan, NY. Apartamento dos Mendoza. 00:10

Betty Narrando

 

            Já era tarde da noite quando os créditos subiram na tela da televisão a nossa frente. O filme já tinha acabado, mas eu não queria sair do aconchego dos braços de Armando tão cedo. O seu corpo aquecendo o meu. Eu ainda podia sentir o balançar lento da sua respiração, enquanto eu estava recostada nele naquele enorme sofá da sala de estar. Senti uma de suas mãos deslizar sobre a pele do meu braço num breve carinho e ele depositou um beijo no topo da minha cabeça.

            - Meu amor, o filme acabou. Você está acordada? – ele pergunta baixinho.

            - Estou. – eu inclinei a cabeça para olhá-lo nos olhos. –  Só que eu não quero sair daqui, Armando. – resmunguei com a voz arrastada. – Podemos ficar assim por uns... três anos seguidos? – eu envolvi o seu tronco com os meus braços, nos mantendo mais juntos no abraço. Armando abre um sorrisinho.

            - Só três anos seguidos? – perguntou acariciando as minhas costas por cima do tecido do pijama.

            - Podemos renovar o contrato de abraço, se quiser. – expliquei e ele soltou um risadinha. – Que bom que está mais alegre de novo. -  comentei, voltando a apoiar minha cabeça em seu peito, fingindo que não tínhamos que nos preparar para dormir logo para acordar cedo amanhã.

            - Com você aqui comigo fica difícil não me alegrar, Betty. – ele diz.

            - Fazia tempo que não assistíamos um filme juntinhos assim. – comentei lembrando da nossa rotina corrida.  

            - Sim, eu estava sentindo falta, sabia? Até desses filmes estranhos que você escolhe para gente ver. – dessa vez eu fui eu que soltei uma breve risada.

            - Ei, não são estranhos! – eu tentei defender o meu gosto por filmes de ficção científica e bastante fantasiosos.

            - Ah, são sim. Mas eu amo assistir eles com você. As suas reações são as melhores.

            As crianças foram dormir cedo hoje de noite e aproveitamos o momento a sós para assistir um filme juntos e esquecer um pouco dos problemas dessa semana. Especialmente Armando, que estava bastante estressado pelo que tem acontecido com a V&M nos últimos dias. Eu tinha visto o vídeo da propaganda da Glam que as meninas do Pelotão me enviaram hoje de tarde, já tinha imaginado o porquê Armando não tinha parado nem mesmo para almoçar de tão pilhado que estava. Aproveitei que os ânimos estavam mais calmos para conversar melhor com Armando agora que estávamos sozinhos.

            Já vivenciamos muitos problemas sérios com a V&M no passar dos anos. O que incluía até mesmo quase três declarações de falência. Mas tínhamos entrado em acordo que qualquer que fosse o problema, ele me deixaria sempre às claras com o que estava acontecendo. Estávamos sempre juntos nessa.

            Me desvencilhei do seu abraço a contragosto e me ajeitei sobre o sofá para ficar de frente para o meu marido.

            - Amor, me fala a verdade. O que está acontecendo com a V&M?

            - Thomas Sullivan está acontecendo, Betty. Aquele fanfarrão metido a empresário está tentando de tudo para nós tirar de jogada! Logo agora que estamos sem um fornecedor de tecidos... E também a coleção de Hugo! – ele se empolgou com o desabafo, gesticulando. – Você acredita que plagiaram quatro desenhos de Hugo para a próxima coleção? – ele cruzou os braços.

            - O que? Mentira? – eu perguntei boquiaberta. – Como isso aconteceu?

            - Verdade! Eu nem sei como conseguiram saber sobre os desenhos de Hugo. Eu só sei que tivemos que acalmar o rei do drama que estava a ponto de colapsar. Hugo estava disposto a cometer um crime contra Sullivan e no fundo eu também queria!

            - E as finanças da empresa? Estão bem?

            Armando respirou fundo. – Estão um pouco apertadas. Não podemos gastar demais nessa temporada depois da linha que lançamos para América Latina... Ainda estamos pagando todos os investimentos e despesas. – ele passou um das mãos sobre seu cabelo grisalho. - A volta de Daniel para as decisões da empresa, o escândalo de Bia com o filho do Chun e o modelo, as jogadas sujas de Thomas Sullivan e um possível espião que vazou os desenhos de Hugo... Parece que tudo decidiu dar errado ao mesmo tempo.

            - Você acha que Daniel causaria problemas à essa altura? – perguntei cética.

            - Temos que esperar tudo vindo de Daniel... Como que alguém que “mudou e melhorou como pessoa”, de acordo com Marcela, teve aquele tipo de atitude na última reunião? Ele não mudou nada! E pior, receio que se ele descobrir desses problemas todos, ele vai tentar intervir ainda mais na nossa empresa. Talvez até atrapalhar o meu plano de... – a sua frase morreu incompleta. O que atiçou ainda mais a minha curiosidade.

            - Que plano?

            - Deixa pra lá. Vamos mudar de assunto. – ele balançou a cabeça em negativo.

            - Não. Se lembra que combinamos que você não vai me esconder nada? Armando, o que você está planejando que pode ser um problema pra Daniel?

            - Não posso falar. É uma surpresa. – ele respondeu simplesmente, o que me deixou ainda mais inquieta.

            - Por favor não mistura plano e surpresa na mesma frase porque isso me assusta para valer!

            Ele suspirou contrariado e seus ombros caíram. – Eu queria esperar um momento melhor para te falar isso, mas... Eu quero transferir a minha parte das ações que herdei de mamãe para você. – meu queixo caiu assim que ouvi a frase. – Você merece o seu lugar como acionista da nossa empresa e isso já deveria ter acontecido há muito tempo. 

            - Dona Margarita voltaria para puxar o meu pé no meio da noite se eu aceitasse essa proposta. Você sabe disso, não é? – a minha piadinha foi a única coisa eu fui capaz de dizer em meio a surpresa. – Aquela senhora deve me odiar até mesmo no outro plano.

            Eu só não disse no céu, porque sinceramente eu tenho minhas dúvidas. 

            - Não exagera, Betty! 

            - Eu não estou exagerando, você sabe que sua mãe me detestava desde sempre e agora você quer eu assuma as ações que eram dela!

            - Mas ela não está mais aqui. Eu posso vender ou dar as minhas ações para quem eu quiser. E por favor, você é a minha mulher! Existe alguém melhor do que você para possuir ações da V&M?

            - Ela não está mais aqui, mas os Valencia estão. E isso poderia arrumar ainda mais problemas com eles... Eu posso até auxiliar como consultora financeira, mas eu não sei se é uma boa ideia eu assumir a parte de Margarita. Eu nunca quis possuir mais nada da V&M depois que todas aquelas coisas aconteceram. Você sabe, depois do embargo.

            Quando eu saí da presidência da V&M, entreguei de volta às duas famílias, prometendo a mim mesma que eu não voltaria atrás. Não queria possuir um único centavo daquela empresa depois daquilo. Frequentar ali como esposa de Armando é uma coisa, mas como uma dos donos? Essa ideia ainda me soa um pouco esquisita. É como se menção sobre isso tivesse despertado um estranho sentimento que eu achava que tinha desaparecido há anos. Um sentimento que no fundo ainda eu era uma impostora. Alguém que não pertencia àquele lugar, assumindo certas coisas que não deveriam ser minhas. Aquele maldito plano fez uma bagunça na minha cabeça por um bom tempo...

            - E se eu morresse amanhã? Quem você acha que assumiria o meu lugar? As crianças? É obvio que você! 

            - Vira essa boca para lá, Armando! Nem brinca com isso.

            - Eu entendo o motivo de você estar hesitante com essa ideia. Não quero te pressionar. É só um presente. Eu só quero que você tenha o que você merece, Betty. Depois de duas décadas juntos, você passou comigo por todas as crises e desafios envolvendo a empresa. Você sempre deu o seu melhor mesmo não sendo nem mesmo a sua obrigação. Você não merece aquela porcentagem de ações. Você merece muito mais. – sua mão quente acariciou a minha, enquanto ele me olhava nos olhos. -  Se eu pudesse eu te entregaria aquela empresa inteira de novo num piscar de olhos. Só não faço isso porque estamos cheios de problemas para resolver e não quero te dar dores de cabeça.

            Eu ri com a sua última frase. – Não me venha com problemas, por favor! – brinquei.

            - É um problema eu querer entregar meu reino todo para minha rainha? – ele se aproximou e me puxou para cintura, comigo sorrindo feito uma boba. Minha pele se arrepiou quando sentir seus lábios tocarem o meu pescoço. 

            - Acho que esse rei está com más intenções... – comentei enquanto ele trilhava beijos em meu pescoço. Ele riu contra a minha pele, depositando mais um beijo. – Mas assim fica difícil de resistir.

            - Mamãe! – ouvi uma vozinha soar do corredor do segundo andar. Pedro estava acordado e por algum motivo estava me procurando.  – Mamãe?

            Armando parou com os seus beijos contrariado, resmungando alguma coisa baixinho.

            - Estou aqui, filho. – respondi alto.

            Rapidamente Pedrinho apareceu no topo da escada. Com uma cara de sono, seus cachinhos desarrumados, pés descalços, um pijama de astronauta e seu dinossauro de pelúcia nas mãos. Encaramos aquela figurinha, curiosos por ele estar acordado a essa hora. Eu tinha quase certeza de que Bia o levou sonolento no colo até o quarto há algumas horas.

            - Não consigo dormir. – ele disse simplesmente.

            - O que houve, meu amor? Você acordou no meio da noite?

            Ele balançou a cabeça em afirmação. – Tive um pesadelo. Não quero ficar sozinho. Posso ficar com vocês? – ele perguntava com a carinha mais fofa possível. Meu coração de manteiga não aguenta com ele.

            -Claro que pode, meu amor.

            - Claro, filho. Vem para cá. – Armando o chamou e ele rapidamente desceu as escadas. – Fica aqui do lado do papai. –  Pedrinho se acomodou no sofá no pequeno espaço entre nós dois, se aconchegando com o calor humano.

            - Deixa eu adivinhar... Você assistiu aqueles filmes de terror com seu irmão, não foi? -  perguntei desconfiada. Sabia que Léo assistia esses filmes horripilantes com os amigos e Pedrinho estava louco para participar. Ele olhou hesitante para nós dois e balançou a cabeça.  – Você ainda é muito novo para essas coisas, Pedrinho.

            - Eu disse para o Léo não botar esses filmes para ele ver... – disse Armando para mim.

            - Eu queria ver com o mano, agora eu que eu tô grande. – ele explicou. – Não  sou mais um bebê. – disse com segurança como se já fosse muito crescido.

            - Seu tio Nicolas tem medo desses filmes até hoje, sabia? – falei e Pedrinho riu. – Promete para mim que não vai mais fazer isso? Não quero saber de filmes de terror nessa casa.

            - Prometo. – ele disse antes de dar um bocejo e deitar sua cabeça em mim.

            Dei um beijo no topo de sua cabeça e fiz um cafuné entre seus cachos. Armando se ajeitou no sofá e se virou para mim, me observando fazer cafuné no nosso caçula. Pedro rapidamente foi relaxando com o carinho e os olhos pesados. Armando o aqueceu com a manta do sofá. Tenho certeza de que com nós dois ali, Pedrinho vai voltar a dormir mais rápido do que imagina.

            Os olhos verdes de Armando se apertam num sorriso para mim.

            - E então, vai aceitar o meu presente? – ele perguntou baixinho.

            - Vou pensar. Me dá um tempo para decidir. – respondi também baixinho, percebendo que Pedrinho já estava cochilando.

            - Quanto tempo? – ele pergunta ansioso.

            - Ainda não sei, amor. Sem pressão! – pensei em mudar de assunto, assim que me veio a memória. – E como está sendo com Bia lá na empresa? – perguntei curiosa.

            - Até que lidou bem com o chefe bravo hoje. – ele respondeu e eu ri com ele falando de si mesmo. -  Ela só está se estranhando com o outro estagiário.  Eu não entendi por que ela queria tanto se enturmar com ele ontem e hoje esses dois já se detestam.

            Eu já tinha me esquecido que tinham contratado outro estagiário para trabalhar junto com ela.

            - Bia tem um temperamento forte e se ela encontrou uma pessoa tão geniosa como ela, é bem provável que dê em briga mesmo. – expliquei. – O que você achou do outro estagiário?

            - Ele é sério, mas é bem eficiente e parece ser responsável. Por enquanto eu gostei dele. – deu de ombros. – Rafael não parece causar muitos problemas. Eu só espero que essa disputa dos dois não dure muito tempo.

            Conversamos em baixa voz por mais alguns minutos, até que termos certeza de que Pedrinho finalmente tinha adormecido para valer. Armando o levou apagado de sono em seu colo em passos lentos e cuidadosos, enquanto eu os seguia escada acima. Confesso que ver Armando assim como um paizão carinhoso era especialmente atraente. Aquele homem grisalho gostosão não cansava de me seduzir mesmo com atitudes mais corriqueiras. 

            - Vou te esperar no nosso quarto, amor. – sussurrei em seu ouvido antes de dele adentrar o quarto do nosso filho, que dormia apoiado em um dos seus ombros. Alisei minha mão sobre as suas costas largas, num carinho sugestivo. – Ainda tenho um assunto pendente com o senhor para essa noite, Senhor Armando. – ele abriu um sorrisinho mal intencionado quando me ouviu chamá-lo de “Senhor Armando” como na época que nos conhecemos. Ele adora quando o chamo assim.

            - Betty... Não faz isso comigo. – ele comentou quando me observou andar pelo corredor com aquele seu olhar sedutor me acompanhando.

            - Não demore. – abri um sorriso para ele.

            - Com certeza não vou.

 

Manhattan, NY. Edifício New Soho. 12:10

Rafael Narrando

 

            Adentrei a sala do Senhor Armando, torcendo para que o homem hoje esteja com melhor humor. E para a alívio de todos nós, o meu chefe estava bem mais tranquilo hoje em comparação ao seu estado de colapso nervoso de ontem. Algum bichinho da felicidade o picou ou ele teve uma ótima noite de sono para ter recuperado os ânimos desse jeito. Infelizmente, a birrenta já estava lá, com um sorrisinho no rosto e uma pasta nas mãos. Tinha alguma coisa naquele sorriso falso para mim que me deixou desconfiado. Principalmente depois da nossa troca de farpas antes de ir embora.

            Confesso que ver pela parede de vidro o Senhor Armando e Beatriz conversando e tomando chá juntos, como se fossem velhos amigos, me deixou sinceramente incomodado. Não que fosse algo errado, mas era como se eu estivesse sobrando naquela equação. Era como se não importasse o quanto eu me dedicava, tinha uma conexão entre ele e Beatriz que seria impossível de eu superá-la. E saber que ela se garantia com isso me irritava profundamente.

            - Aqui está a relação dos possíveis fornecedores de tecidos e seus contatos. Todos eles são de Nova York e arredores, o que economizaria bastante os custos de transporte. – Beatriz explica, enquanto estende a sua pasta para Armando.

            - Você conseguiu tudo isso de ontem para hoje? – ele perguntou impressionado. – Isso é ótimo! – comentou satisfeito enquanto folheava o trabalho em suas mãos.

            Ei, espera aí.

            Esse trabalho era para ser meu! Ontem eu entrei em acordo com o senhor Armando que faria essa relação de fornecedores para ele enquanto Beatriz faria outra coisa. Eu dormi pouco, pois tinha passado uma boa parte da noite pesquisando sobre isso, com a pressa de entregar com urgência para o Senhor Armando. E agora aquela intrometida se achou no direito de assumir um trabalho que era meu antes de mim? A relação que eu tinha feito estava pronta, em cima da minha mesa, pronta para ser entregue para o senhor Armando. Mas Beatriz foi mais rápida de propósito.

            Direcionei um olhar fulminante para ela, ao meu lado, na expectativa de que algum raio caísse em sua cabeça naquele exato momento.

            Abusada.

            - Vou analisar com calma hoje e vou decidir o mais rápido possível! Fiquem a postos para gente fazer algumas visitas aos fornecedores, se for necessário. Precisamos ver alguns tecidos de perto. – disse Armando se sentando na sua cadeira, bem mais animado.  

            Saímos da sala ao mesmo tempo. Beatriz logo à minha frente. Eu podia perceber os seus passos triunfantes sobre os saltos grossos da suas botas, como se tivesse vencido uma pequena competição secreta entre mim e ela. Isso não vai ficar barato. Não ficar por isso mesmo de jeito nenhum! Seguindo a pouca distância da sua presença, era possível sentir o aroma do rastro do seu perfume conforme seus cabelos cheios balançavam com o seu andar. Era irritantemente agradável e atrativo. Assim como belo movimento do seu quadril em sua saia enquanto caminhava... Era tentador admirar mesmo por alguns segundos.

            Por que ela tem que ser assim? Será que eu não posso simplesmente odiá-la em paz? Até isso estava me irritando hoje. Não era hora para isso, Rafael. Mantenha o foco!

            Assim que ela se sentou em sua mesa e se preparava para abrir algo em seu notebook, eu fechei o dispositivo na sua frente rapidamente, a provocando um susto. Seus olhos castanhos observaram a minha mão apoiada sobre o seu notebook e se voltaram para o meu rosto, que provavelmente deve estar bem carrancudo à essa altura.

            - Ei! Tire sua mão das minhas coisas.

            - Por que você fez isso, garota? – eu perguntei em baixa voz, mas não escondendo a minha raiva.

            - Isso o que? – perguntou dissimulada.

            - Você sabe bem o que você fez. Fez e entregou um trabalho que era para ser meu! E você entregou antes de mim de propósito. 

            - E eu tenho culpa se eu fui mais rápida do que você? – ela apoiou a mão sobre o peito, como se estivesse surpresa. Mas logo notei os cantos do seus lábios se puxarem num discreto sorriso. - Isso se chama competência, Rafael. Da próxima vez, faça melhor.

            Beatriz mencionou “competência”, fazendo referência ao que eu disse ontem de noite de que a sua estratégia era bajulação e a minha era competência. Ela realmente levou aquilo para o coração e quis jogar na minha cara assim que pudesse. Isso quer dizer que mexeu com ela e a ofendeu para valer.

            - Você deveria se preocupar em fazer o seu trabalho e não o meu, sua intrometida.

            - E você deveria me agradecer que não dei tempo de você entregar algo medíocre. Pense pelo lado bom.

            -  Você quer mesmo jogar sujo dessa forma, Beatriz? – eu disse, já decidido. - Então eu vou falar na mesma língua agora. Vamos ver se você vai gostar.

            - E você vai fazer o que, por acaso?

            - Vou entrar no seu joguinho. Vai ser divertido. – falei antes de me afastar da sua mesa e me sentar meu lugar.

            Percebi o seu olhar me acompanhar com curiosidade e um pouco de preocupação. Saber que ela está preocupada com o que a aguarda me dava uma pontinha de satisfação. Desisto de ser paciente com ela. Tenho meu orgulho e estou disposto a colocá-la em seu lugar.

 

Duas horas depois...

 

            Despejei o café preto em minha caneca com a logo da V&M, sentindo o delicioso cheiro subir numa pequena fumacinha. Era só uma boa dose de cafeína que eu estava precisando agora. Enquanto isso, Bertha, Sandra e Gabriela cochichavam algum assunto que parecia muito interessante ali na cantina. Observei curioso por cima da caneca, conforme eu tomava um gole do meu café amargo. Já tinha percebido que o tal “Pelotão” era bem simpático e animado, mas também adoravam uma fofoquinha sempre que tinham uma oportunidade. Pelo jeito, aqui sempre tem alguma história interessante acontecendo.

            - Parece que já chegaram novas modelos do último casting de Hugo, vocês viram? – disse Bertha. 

            - Uma pena que que aquela Samantha não saiu ainda...  Eu e Bia não vamos com a cara dela! – dizia Sandra.

            - Parece que ela é muito boa... Por isso ainda não saiu. Mas até Hugo estava perdendo a paciência com ela ultimamente. Mas é uma pessoa insuportável, mesmo!

            - Eu não sei como vai ficar agora com essa bagunça toda desde ontem e esses novos contratos com as modelos. – comentou Bertha.

            - Coitado do senhor Armando. Depois do escândalo da festa, essa bagunça causada pela Glam e agora ainda tem que aturar o senhor Daniel de volta no cangote dele...   – dizia Sandra, enquanto eu dava meus primeiros passos para fora da cantina, que foram interrompidos na mesma hora em que ouvi o nome do meu pai. Dei meia volta, movido pela curiosidade. -  Eu tenho certeza, que se o senhor Armando não resolver essa crise logo, o senhor Daniel vai fazer disso um inferno na vida dele.

            - Você acha mesmo, Sandra? – perguntou Gabriela curiosa.

            - Com certeza, Gabi!

            - Que Daniel? Daniel Valencia? – minha voz interrompeu a conversa do trio que voltou o olhar para mim, finalmente percebendo que eu estava ouvindo tudo. Me aproximei da mesa em que elas estavam. – O que vocês sabem sobre ele?

            - Olha só, o quietinho também gosta de uma fofoca!  – comentou Gabriela risonha. Sandra rapidamente a cutucou com o cotovelo. – Vamos, senta aí! – ela apontou para uma cadeira próxima.

            Parece que Sandra e Bertha são antigas aqui na V&M. Já viram e ouviram muita coisa do que aconteceu na empresa ao longo dos anos. E eu, quase me contorcendo de curiosidade, precisava saber sobre o que elas sabiam sobre o meu pai. A possível rivalidade entre ele e senhor Armando me intrigava a querer saber mais sobre isso. Afinal de contas, se a empresa pertence às duas famílias, qual é o motivo de tanta divisão?

            - Loirinho, presta atenção porque essa empresa é uma verdadeira novela. Daniel Valencia é um dos donos dessa empresa. – começou Bertha, com a confiança digna de uma repórter investigativa. – Os pais dele faleceram quando ele e suas irmãs eram muito jovens. E dona Maria Lucia, a irmã mais velha, nunca ligou muito para esse mundo corporativo... Então a responsabilidade de decisões por parte dos Valencia sempre foi de Daniel e da senhora Marcela. Daniel sempre foi um homem sério de negócios e ele sempre quis conquistar a presidência da V&M. Mas quem foi o mais votado na época foi o senhor Armando. Daniel ficou irado nesse dia porque até mesmo Marcela votou em Armando na época, em vez do irmão. Eles eram noivos...

            - Ainda bem! Porque se essa empresa dependesse do senhor Daniel, estávamos todas no olho da rua... – comentou Sandra.

            - Por que você acha isso, Sandra? -  perguntei.

            - Porque ele sempre foi um homem frio que só pensava em lucrar. Não é à toa que foi preso por algumas fraudes que estava envolvido, né? Ele sempre colocou o dinheiro acima de tudo.

 Impressionante como meu pai ficou com uma má fama por aqui. Não só Armando o detesta, mas alguns dos funcionários da V&M também. Por essas razões ainda acho melhor que ninguém saiba que sou seu filho. Pelo menos, por enquanto.

            - Só que ele já cumpriu a pena e está de volta. – disse Bertha. – E parece que ele não vai facilitar para Armando. Ele quer defender o interesses da família dele... E tenho por mim, que ele quer se vingar de Armando por tudo o que ele fez!

            - O que senhor Armando fez? – perguntei cada vez mais curioso.

            -  Hum... Isso eu não posso dizer. – respondeu Bertha com um olhar arregalado, bem sugestivo. Deve ser algo bastante comprometedor.

            -  Esse passado do senhor Armando é um mistério que as mais antigas se recusam a dizer detalhes! – comentou Gabriela rolando os olhos. – O tanto que já insisti para falarem...  Aposto que tem a ver com romance do senhor Armando e Betty.

            - E quem é Betty? – perguntei. 

            - A esposa de Armando. O amor da vida dele.

            Lembrei daquela dupla de candidatos na entrevista de emprego falando que ele conheceu a esposa quando ela era assistente da presidência. E que agora ela era dona de uma empresa de investimentos bem-sucedida.

            - Ela era assistente dele, não era? – perguntei.

            - Você já sabe disso? – estranhou Sandra.

            - Eu ouvi por aí. – dei de ombros.

            -  Eu não disse que ele é um fofoqueiro também? – comentou Gabi para Bertha.  – Ouve tudinho!

            - Primeiramente, eu não sou fofoqueiro! Só estou curioso. E Bertha termina essa história, por favor! – comentei entusiasmado.

            - Eu sou amiga da Betty. Não vou falar detalhes. – ela negou com a cabeça. 

            - Aposto que o romance deles tem a ver com o término do noivado dele com a senhora Marcela! Foi na mesma época! – continuou Gabi a provocar para que sou amiga soltasse a língua. – É ou não é verdade, Bertha?

            Espera aí. Então a minha tia Marcela foi noiva do Armando e ele se apaixonou pela assistente dele na mesma época? Bom, isso explica o porquê meu pai o chama de cafajeste safado de vez em quando...

            - O que importa é o que senhor Daniel está de volta e ainda é uma velha pedra no sapato de senhor Armando... – Sandra tenta desviar do assunto. – Aposto que ele vai querer tirá-lo da presidência assim que puder.

            - Mas e se o senhor Daniel tiver... eu não sei, talvez mudado depois desses anos todos? – perguntei.

            - Eu não sei, não! Eu não confio naquele homem. – disse Sandra.

            - Eu também não! – concordou Bertha.

            - A única opinião que eu tenho daquele senhor é que ele é um coroa muito bonitão. Nossa, e tão charmoso com aquela cara de mau! Bastava um “oi” dele e eu faria tudo o que ele quisesse comigo... – comentou Gabriela com um suspiro, o que me provocou uma risada.

            - Gabi, você está passando tempo demais com a Aura Maria! – provocou Sandra.

            Tomei alguns gole do meu café, conforme elas conversavam e comentavam como o “senhor Daniel continua bonitão” e se estava solteiro...  

            - No meio de tanta confusão, pelo menos o senhor Armando está todo feliz com Bia trabalhando aqui. – diz Bertha.

            O que? Como assim ele está feliz com ela aqui?

            – Senhor Armando está todo orgulhoso que a sua filha está trabalhando junto com ele. É tão fofo ver ele todo sorridente com ela por perto. Quando ela foi contratada, ele veio super feliz me contar! – comenta Gabriela. – Eles sempre foram muito grudados, né?

            Me engasguei com o gole do café que desceu mal em minha garganta. Cuspi algumas gotas para fora que respingou sobre a mesa branca, conforme eu ainda me engasgava com a mão no peito.

            Filha!?

            Senti uns tapinhas de Sandra nas minhas costas, para tentar me desengasgar. Por um momento eu não prestei muita atenção no que elas diziam para mim, pois eu ainda estava preso o que eu acabei de escutar.

            Filha de Armando Mendoza? Será que eu escutei isso direito?

            - Ei está bem, Rafael? – perguntou Sandra. Eu só balancei a cabeça em afirmação. – Está vermelho.

            - E por incrível que pareça, ela surpreendeu todo mundo com essa postura responsável por aqui. A gente sabe o quanto que ela já deixou Armando e Betty de cabelo em pé! – continuou Bertha a tagarelar. – Ninguém esperava que a filha do chefe entraria na V&M como estagiária e trabalhando como todos os outros funcionários. Ela até mesmo veio se candidatar junto com os outros jovens, não é Rafael? Você estava aqui. Ela concorreu a entrevista como todos os outros.

            Eu apenas escutava tudo boquiaberto, ainda desacreditado no que eu tinha acabado de descobrir.

            - Eu tenho certeza de que isso foi ideia da Betty, que é mais pé no chão do que o senhor Armando. Ele sempre foi tratado com muita regalia aqui dentro desde novinho... Já Betty quer que Bia valorize mais o trabalho, começando do jeito certo. – comentou Sandra.

            - Filha!? – eu quebrei meu silencio, ainda em choque com o que eu acabei de escutar. – Beatriz. Aquela patricinha que trabalha comigo é filha do presidente dessa empresa?

            - Ela mesma... Vai me dizer que você não sabia? – Bertha franziu as sobrancelhas.

            - E como eu poderia imaginar que ela é filha do meu chefe!? – eu continuei indignado.  

            - Isso não é segredo para ninguém, Rafael. – completou Sandra. - Quase toda empresa já conhece Bia, nem que seja de vista. Ela estava sempre por aqui antes de ser contratada.  Ela não te contou?

            - Ela não me contou nada disso.  – eu resmunguei. – Ela me disse até que estava sem dinheiro para o café, aquela mentirosa.  Eu jurei ela era pobre!

            As três se entreolharam e soltaram uma risada ao mesmo tempo, dado o absurdo do que eu acabei de falar.

            - Ela pobre? – Gabi deu mais uma risadinha. - Com aquele par de botas Jimmy Choo? Rafael, onde você está com a cabeça?

            Gabi me mostrou as redes sociais, me explicando que boa parte de Manhattan a conhece. “Bia Mendoza”, seu user no Instagram. Pelo jeito, só eu fui feito de palhaço em acreditar nesse faz de conta que Beatriz resolveu fazer por alguns dias.

            Então quer dizer que Beatriz estava me escondendo o fato dela ser filha do chefe, se fingindo de pobrezinha por sabe-se lá qual motivo? Está explicado por que ela está tão à vontade por aqui, como se tudo pertencesse a ela. E no fundo, ela tem razão. É por isso que ela tinha tanta certeza de que a vaga efetiva já era dela. É obvio que estava garantido para ela. O trouxa fui eu que acreditei outra coisa. 

            Não demorei mais na cantina com as meninas do Pelotão. Eu precisava voltar a trabalhar. Me deparei com Beatriz, trabalhando em alguma tabelas no computador, enquanto eu sentava à minha mesa. Ela percebeu a minha chegada e me olhou de soslaio por alguns segundos. Eu continuei a encarando, ainda porque diabos essa garota mentiu pra mim. Cara de pau! Uma vontade imensa de tirar satisfação subiu até minha cabeça, mas respirei fundo achando melhor me conter por enquanto.

            Terminei o que eu tinha planejado e levei o documento impresso até o Senhor Armando.  Entreguei a minha relação de fornecedores, não só dá região de Nova York, mas de alguns estados vizinhos que tinham preços até melhores. Aproveitei que ela havia entrado na sala também e fiz questão de falar em sua frente. Fiz uma série de correções de informações desatualizadas da relação que Beatriz entregou e entreguei muito mais riqueza de informações para o senhor Armando.

            - Mas pela urgência que precisamos os fornecedores mais próximos seriam bem melhores. – corrigiu Beatriz, claramente incomodada.

            - Todo mundo sabe que os valores de Nova York são muito altos. Podemos conseguir materiais tão bons e com preços bem mais abaixo. Podendo compensar o custo de transporte, inclusive. – completei, abrindo um sorrisinho falso.  – Acho que você quis entregar rápido demais e não percebeu esses detalhes, Beatriz. Mas tudo bem, pode ser erro de inexperiente, mesmo. Faz parte, não é senhor Armando? – me voltei para o homem grisalho ainda com o documento nas mãos.

            - Realmente, essa relação está mais completa e se o valor compensar o custo de transporte... Pode realmente valer a pena. Muito obrigado, Rafael!

            - Por nada, Senhor Armando.  Ah, enviei para o e-mail do senhor a agenda completa dessa semana. E confirmei com senhor Patel que as novas modelos já foram contratadas hoje.

            - Ótimo!  Estou gostando de você, sabia? Como é eficiente! – Armando comentou animado.

            Nada como a força de ódio para me motivar a trabalhar mais.

            - Obrigado, senhor Armando. Estou aqui para isso! – falei antes de sair da sala, pronto para ir embora. Percebi que Beatriz me seguiu para fora sala com uma sombra. Provavelmente me xingando de vários nomes diferentes em pensamento.

            Logo em seguida, Armando nos liberou. E ainda num silêncio gritante entre nós dois, arrumamos nossas coisas para ir embora.

            - “Obrigado, senhor Armando. Estou aqui para isso.” – Beatriz me imitou baixinho com uma voz debochada.

            Dei meia volta e me deparei com uma Beatriz com o semblante fechado, como uma criancinha mimada. Será que seu incômodo era inveja, orgulho ferido ou ciúmes do elogio do seu pai? Independente do seu motivo, o seu aborrecimento era a minha nova satisfação.

            - O que foi? Está chateadinha porque não foi a estrela do dia? – provoquei, jogando a alça da minha mochila sobre o ombro.

            - Seu ego é tão frágil que você se comprometeu a refazer todo o seu trabalho só para criticar o meu.  Impressionante! – ela rebateu, pegando a sua bolsa para ir embora também.

            - Eu te falei que teria resposta. Quem mandou ser metida a sabe tudo? – falei dando as costas para ela, mas infelizmente ela veio atrás e provavelmente dividiria o elevador comigo.

            - Então vamos fazer o seguinte. Eu não atrapalho o seu trabalho e você não atrapalha o meu. O que me diz? – ela dizia enquanto me seguia até o elevador.

            - Não. – respondi secamente enquanto eu apertava o botão do elevador.

            - Não!? – ela protestou indignada. – E por que não?

            - Porque eu não confio em nada do que você diz. – respondi.

            As portas do elevador se abriram e nós dois adentramos, trazendo conosco a nuvem negra de tensão sobre nossas cabeças. 

            - E posso saber porquê? – ela cruzou os braços a poucos centímetros de mim. Seus seios saltaram pelo decote da sua blusa e tive que fazer um esforço grotesco para não me distrair. Tinha espaço o suficiente naquele lugar, mas ela fez questão de parar numa distância mínima. Mantendo o seu olhar para cima, diretamente para mim. Os seus olhos confrontadores fixos nos meus.

            As portas do elevador se fecharam nos deixando completamente sozinhos.

            - Porque você vai me prometer não me prejudicar e logo depois vai fazer completamente o contrário. Não tem como acreditar em você, Beatriz. Você é uma mentirosa compulsiva! É isso  que você é. -  despejei as palavras que eu estava guardado durante toda a tarde.

            Seus lábios entreabertos em surpresa e os olhos expressivos se abriram ainda mais com as minhas palavras.

            - Você está me chamando de que?

            - Mentirosa! – repeti mais alto.

            - O que deu em você?

            - Você acha que o seu teatrinho de moça simples que conquistou a vaga na V&M por causa do bom currículo iria durar quanto tempo? Você acha que eu não iria descobrir que você é filha do Armando Mendonza? – eu comecei a falar e percebi que a ela deu um passo para atrás. Eu dei um breve riso sarcástico. – Você me fez acreditar que não tinha nem dinheiro para o café! E aquela história que você se confundiu nas estações de metrô... Garota, você é milionária! Eu não sei qual era a diversão em criar sua própria fantasia de moça pobre, mas agora eu sei o motivo que você se garante tanto aqui dentro. – dessa vez fui eu que dei um passo à frente, voltando ao espaço mínimo entre nós. – Você tem o seu papai para fazer todas as suas vontades, porque afinal de contas aqui é o seu parque de diversões, não é?

            Ela engoliu em seco com um olhar indecifrável para mim. Meus olhos observaram os seus lábios por poucos segundos.

            -  Eu em nenhum momento menti para você. – ela falou simplesmente. Sua voz saiu baixa.

            - Ah não?

            - Não. E todo mundo nessa empresa sabe de quem eu sou filha. Não é culpa minha que você é um tonto que não percebeu o óbvio. – impressionante como ela não dá o braço a torcer. – E para sua informação. Estou nesse estágio porque eu sou boa e você sabe disso.

            - Faça-me rir, Beatriz. Só falta você me falar que vai conseguir a vaga pela sua capacidade e não porque você é filha do CEO.

            - Vai à merda, Rafael!

            - Vai você com as suas mentiras.

            As portas do elevador se abriram. Wilson e o faz-tudo do prédio se deparam com nós dois nos encarando numa distância estranha. Eu rapidamente me distanciei dela, receoso em levantar alguma falsa impressão sobre nós. Os dois nos encaram como curiosidade.

            - Sai da minha frente. – ela deu um empurrão em meu braço, antes de sair andando para fora do elevador.

            - Tchau, Mentirinha. – falei alto, para provocá-la.

            - Imbecil. – ela saiu resmungando pela rua a fora.

            Eu não posso acreditar que eu teria que conviver com ela por quase um ano. Tenho minhas dúvidas se aguentaríamos um ano inteiro nos vendo todos os dias. Alguém teria que sair antes disso. Bem antes!

            Filha de Armando Mendoza... Como se eu não tivesse motivos o suficiente para odiá-la. 



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