Para a Primeira Jade de Gusu, todos os dias eram seu julgamento.
O sorriso sem jeito de Wei Wuxian a cada vez que o passado era mencionado, uma consequência. O olhar disimuladamente gentil de Nie Huaisang, uma acusação. Até as gargalhadas contidas de Shisui ecoavam em seu coração um terrível arrependimento. De longe, porém, seu julgamento final sempre tomava a forma de um sorriso tímido, de uma voz doce tão arranhada e sussurrada que mal se pode ouvir. Wen Ning. General fantasma. A arma do Patriarca Yiling.
Wen Qionglin, a alma mais pura que um hipócrita como ele poderia sequer imaginar conhecer.
Esse indigno, quebrado e covarde líder de seita não era capaz de compreender qual era a exata composição da emoção que o toma quando a brisa faz os cabelos do Wen balançarem como uma cortina de seda ao redor do rosto inexpressivo; arrependimento? Remorso? Desejo e medo, afeto e tristeza. Inveja.
A mais profunda admiração, com toda a certeza. Wen Qionglin tinha mais coragem e discernimento na ponta de um dos dedos do que Xichen em toda a sua alma. Aquele minúsculo, tímido e introvertido médico agiu contra a seita Wen mesmo sem autoridade nem poder, mas Xichen não ousava ver a mãe sem permissão. Qionglin morreu defendendo sua seita; Lan Xichen se escondeu como um rato nos braços maquiavélicos de Jin Guangyao enquanto seu pai era morto e seu lar se desfazia em cinzas.
Wen Ning subiu silenciosamente as escadas da Torre da Carpa para morrer pela segunda vez por um crime cuja responsabilidade tomou para si mesmo, muito embora não a tivesse em absoluto; Wen Ning, Wei Wuxian e Lan Wangji escolheram a verdade impossível e insuportável, enquanto este líder fechava os olhos e flutuava em lago de mentiras confortáveis.
Quando Wens camponeses se tornaram alvos para jogos de arqueria, ele se tornou mudo e neutro, porque era fácil.
Quando Guangyao executou todos os Wen inocentes que Wei Wuxian protegia com a vida, ele não argumentou. Porque os fins justificam os meios. Porque não queria se indispor com seu irmão jurado, porque Lan Xichen era tão cego e prepotente quanto todos eles.
Depois dos acontecimentos após a morte de Jin Guangyao, durante a sua reclusão, a Primeira Jade não conseguia respirar sem sentir seus pulmões inundados de possibilidades deprimentes.
Nie Mingje não confiava em Jin Guangyao, mas confiava em Xichen. Jiang Cheng não participaria do cerco sem o incentivo das outras seitas. Sendo o líder, ele mesmo tinha a palavra final em Gusu Lan.
Uma palavra dele teria evitado tudo isso. Se tivesse se oposto a barbárie na época, teria convencido Mingje, e consequentemente, evitado a participação do Píer Lótus. Com três das quatro maiores seitas fora da ação, os líderes ligados a elas seriam forçados a recuar diante de qualquer oferta da seita Jin, para evitar desavenças.
Talvez pudesse dar certo. Talvez Lan Wangji tivesse tido então tempo suficiente para ajudar Wei Wuxian a se estabelecer e melhorar.
Seu irmãozinho não seria golpeado com o chicote da disciplina, e Shisui teria crescido sendo amado pelos seus próprios familiares e o pai adotivo. Mo Xuanyu seguiria o próprio caminho. Nie Mingje não teria a morte adiantada por Guangyao, Huaisang ainda seria ingênuo e divertido. O par de discípulos de Baoshan Sanren ainda estaria cultivando por aí.
Lan Xichen não foi como Wen Ning. Lan XiChen, Lan Huan, Primeira Jade de Gusu, Líder do recanto das Nuvens, ZeWu-Jun, o cultivador mais promissor tinha poder e autoridade.
Só não tinha coragem.
Querer ver o melhor das pessoas era a qualidade que o cegou para a maldade de Jin Guangyao? Que piada. Onde estava todo essa humanidade e empatia quando Wen Quing, que usou toda a sua vida para curar pessoas gritou e agonizou enquanto queimava?
Não, pensou Lan Xichen, meu defeito mortal é a prepotência.
Lan Wangji, seu irmão frio e antisocial tinha um olhar muito mais afinado para o caráter e a moral do que o gentil e compreensivo Xichen. Oh, e XiChen se achava tão mais inteligente emocionalmente do que Wangji... Tão mais capaz de enxergar o interior das pessoas...
Por isso essa reclusão tão longa. Diferente do seu irmão, seu cunhado e todos os outros poderiam pensar, não era a imagem destruída de Jin Guangyao que o assombrava durante a noite.
Era a sua própria.
Porque Xichen estava tão, tão cansado de sorrir. De manter a pose de líder, de fingir ter compreensão e inteligência superiores a todos; no fim, sua identidade era a ilusão sendo despedaçada. Quem era ele? Que tipo de homem, que tipo de cultivador e irmão ele era?
Ah, a pior parte do dia, o amanhecer. A luz impiedosa depois de uma noite de pensamentos autodestrutivos.
É claro que, com o tempo, ele descobriu outras formas de passar a noite.
Primeiro foram apenas pequenas conversas ao se deparar com Wen Ning durante as noites sem dormir, enquanto escapava para espairecer nos arredores da montanha. As conversas se mudaram para o campo dos coelhos, e se transformaram quando ele não pode mais se conter e acariciou o cabelo macio do outro, num gesto íntimo demais para ser amizade; em outro alvorecer, a carícia se transformou em um beijo, vindo de Qionglin, tão gentil e consolador em sua faixa de testa para consolar as lágrimas de vergonha de um homem destruído. Os braços frios traziam um afeto tão cheio de calor sincero... Lan Huan chorou ainda mais, porque esse calor lembrou-lhe de sua mãe.
Wen Qionglin, verdadeiramente compreensivo, verdadeiramente gentil. Capaz de amar mesmo depois de tudo. XiChen deixou de acreditar que a meditação e cultivação eram o caminho para o esclarecimento. Não, dormir nos braços de Wen Ning era o caminho da paz. Sentir seus beijos é a verdadeira redenção, usar vermelho com ele e ajoelhar-se diante de seus ancestrais sim, era seu destino.
Até o temperamental Lan Qiren foi persuadido a se curvar perante a grandeza do genro Lan Qionglin. Wei Wuxian ainda teria muito trabalho para adquirir a tolerância do velho mestre e ganhar o título de genro, fato do qual ele certamente se queixou com o melhor amigo.
Até Lan Wangji, o Cultivador Chefe, foi obrigado a reconhecer que Lan Qionglin nasceu para ser o consorte de um líder Lan: comedido, gentil, reto e honesto, discreto e sábio. Hábil na arte da cura, na arquería, poderoso como uma divindade nas batalhas, amoroso e protetor como uma matriarca.
Apenas dois meses depois de se casar, este honorável genro tinha permissão para pentear os cabelos do velho mestre e chamá-lo pelo nome. Diferentemente de Wuxian, de personalidade problemática na opinião de Lan Qiren, Qionglin era tão virtuoso que sua condição física era nada mais do que um cisco e não haveria abaixo dos céus nenhum homem ou mulher mais apropriados para seu querido sobrinho. Seu novo filho elevava o espírito de XiChen, tornando-o um líder melhor e contribuindo ativamente com sua seita.
Qual não foi, porém, a surpresa de todos, quando o próprio Qiren proclamou durante o chá que se o casal mais problemático da família havia criado com sucesso um jovem Cultivador tão elegante e promissor como Shisui, era DEVER do líder e seu consorte adotar e criar uma criança, e assim, prover-lhe mais um neto.
É claro que o próprio professor tratou de por em prática sua ordem e quatro meses depois, entregou nos braços de Lan Huan uma bolotinha chorona, exigindo apenas que seu nome de nascimento fosse escolha dele mesmo.
Qiren a chamou de Lan Qing.
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