Millie ria abertamente. Todos os dentes a mostra. O ar quente expelido pelo seu pulmão durante as risadas, transformando-se em vapor condensado.
Ela pulava. Sentia o tecido branco de seu vestido deslizar por sua pele. Nas mãos, segurava com firmeza um dos martelos de espuma, batendo em cabeças aleatórias, recebendo batidas das pessoas a sua volta, durante seu percurso.
Havia uma música como plano de fundo, as batidas tocavam em sintonia com a pulsação de seu coração e até mesmo com seus pulos e rodopios. As risadas à sua volta não pareciam tão incômodas como idealizara que seriam, acabavam por serem até acolhedoras.
Em seu interior, sentia como se fosse explodir, o coração palpitava de forma tão alta e intensa, que quase podia ouvir o ecoar de sua pulsação, mesmo com tantas pessoas a sua volta.
Lambeu os lábios, a brisa gelada fazia com que secassem com facilidade.
Nunca participara de uma festividade como aquela, muito menos havia se sentido tão eufórica antes. A sensação era tão extasiante, que sentia sua feição iluminar-se a cada sorriso fácil que deixava escapar.
A festa em si funcionava como uma grande caminhada até o topo de uma colina, onde quando todos estivessem cansados, forrariam a grama com uma grande toalha quadriculada, e aguardariam o nascer do sol.
Definitivamente, era algo único em sua vida.
O sorriso de Millie desapareceu assim que seus olhos localizaram a Finn, caminhando em sua direção, coberto por pó colorido, carregando o seu próprio martelo de espuma.
Sentia as pernas tremerem, o coração que já parecia saltar de seu peito outrora, agora pulsava de forma transcendente, como se todos a sua volta fossem atingidos por cada batida.
Ele lhe atingiu com uma batida no topo de sua cabeça, e ela teve de se esforçar para que pudesse sorrir de forma natural, assim como o próprio estava fazendo.
– Estava procurando por você – Millie semicerrou os olhos. Aproximando-se de Wolfhard.
– Não consigo te ouvir direito! – Bradou, ignorando as pessoas que eventualmente acabavam esbarrando contra ela.
Finn agachou-se a altura de seu ombro. O lábio demasiadamente próximo de seu ouvido. Ela podia sentir a respiração descompassada do outro, contra a pele de seu pescoço.
– Eu disse que estava te procurando.
Ela engoliu em seco, fechando os olhos em seguida. A grande mistura de sons estava deixando-a confusa.
Concentrou-se na própria voz, afim de evitar que gagueja-se.
Impulsionou-se para cima, ficando na ponta dos pés. Se inclinou na direção de Wolfhard, apoiando-se com as mãos no ombro do outro.
– Acabei me empolgando na hora da dança, quando me dei conta, já estava aqui.
Finn virou-se para ela. O nariz dele roçou com a testa de Millie. Ela fechou os olhos, sentindo um arrepio.
– Logo estaremos no topo da colina, então vamos poder descansar um pouco.
Ela sentiu os pensamentos chegarem a sua mente. Não queria descansar, queria continuar pulando, dançando e sorrindo como estava fazendo.
Estava pronta pra responder, até que uma garota com as bochechas cintilantes, entrou em seu campo de visão. Segurava um cesto cheio de bastões de fumaça colorida. Não pensou duas vezes antes de abandonar o ombro de Finn e caminhar até a garota.
– Posso pegar? – Millie gesticulou com o queixo, indicando o conteúdo do cesto.
– Claro – Comprimiu os lábios num sorriso fácil, sincero – Estendeu o objeto para ela.
De perto, Brown podia ver a tinta néon marcada nas bochechas da menina, rosa e verde fluorescente.
– Muito obrigada.
Assistiu a menina caminhar, sendo engolida pela multidão, sumindo de seu campo de visão com a mesma facilidade com que entrou.
– Sabe como usar isto? – Finn perguntou.
– Claro que sei – Sorriu – A propósito, você tem um isqueiro?
Ele assentiu, enfiando uma das mãos no bolso de sua calça jeans. Millie o observava.
– Aqui.
– Obrigada – Pegou o objeto da mão do outro. Quando enfim o ativou, inclinou-o para que a chama ascendesse o bastão.
Assim que a fumaça rosa começou a se espalhar pelo ar embalando a ambos, várias pessoas envolta dos dois começaram a gritar euforicamente, atirando pó colorido para cima.
Millie gargalhou sentindo toda aquela energia. Eles podiam estar todos chapados, mas estavam tão felizes quando ela, e toda aquela vibração a fazia bem, fazia com que se sentisse viva.
Finn jogou as mãos para o ar gritando juntamente com as pessoas ao seu redor. Ela quase não acreditava que aquele era o mesmo homem que havia contratado semanas atrás.
As pessoas passaram a criar uma roda, encaixando os braços sobre os ombros um do outro. Millie ficou no centro, enquanto a roda pulava em sua volta, ainda bradando alto.
Fechou os olhos, rindo.
Era tudo tão mágico que tinha medo de abrir os olhos e ver que ainda estava em seu quarto, tenho algum delírio bom. A verdade, é que toda vez que ele estava envolvido com a situação, as coisas pareciam se encaixar, andar no compasso certo, tudo se tornava um devaneio mais do que satisfatório.
Abriu os olhos ao sentir que alguém puxava sua mão. Era ele.
– Vamos! Hora de subir!
Millie sorriu, apesar de se sentir um pouco desapontada. Sabia que o tempo estava contra ela, no entanto não havia imaginado que a hora passaria tão rápido.
As pessoas passaram a diminuir os passos, mesmo com a música ainda tocando alto.
Ele se colocou ao seu lado. Os dedos entrelaçados, para que ambos não se perdessem um do outro novamente.
Lá em cima não havia muita coisa ao redor, nada de casas, ou de edifícios, nem urbanização, apenas um extenso cercado feito de madeira e pregos, que impedia alguma possível queda. Árvores também adornavam o lugar, as folhas batiam umas contra as outras por conta da brisa, que parecia ainda mais gelada a medida que subiam a colina.
Ela queria fazer algum comentário, qualquer coisa sobre o verdadeiro fuzuê que seu coração estava realizando dentro do peito, no entanto sabia que precisava estar pronta, ele precisava saber de tudo antes que fosse tarde demais.
Finn soltou sua mão, usando-a para retirar os sapatos e sentar-se na grande toalha quadriculada.
Havia vários tipos de cobertores dobrados sobre a toalha, assim quem estivesse esquecido de levar um próprio, podia pegar um daqueles emprestado.
Ela o observou receosa, retirando as sapatilhas com delicadeza. O Wolfhard a observava.
Millie caminhou com os pés descalços até um dos cobertores, tomando-o em seus braços, marchou até Finn, e ao abrir, jogou por cima dele, lhe cobrindo por completo.
Ele gargalhou.
Mordendo a ponta do próprio lábio, Millie sentou-se.
Sentia o estômago revirar. O peito doía, e havia aquela queimação no início de sua garganta, impedindo-a de respirar direito.
Finn não notara seu nervosismo, pois estava mais preocupado em cobri-la, não que o cobertor fosse grande o suficiente para ambos, no entanto, dava pro gasto.
– Você parece pensativa – Uma das sobrancelhas do Wolfhard movimentou-se para baixo.
Ela abraçou os próprios joelhos, escondendo a face sobre eles.
– É porque eu estou... – Murmurou.
Finn fixou os olhos nas pessoas mais abaixo, ainda festejando.
– Pensei que estivesse se divertindo – Passou as mãos entre os cabelos, deixando um suspiro escapar.
– Eu estava. Foi um começo de noite incrível.
Ele a encarou, confuso.
– O que quer dizer com começo de noite?
Mesmo estando com a cabeça baixa, ele pôde ouvi-la suspirar.
– Eu não preciso mais do seu trabalho, Finn.
Ele sorriu.
– É por minha culpa, não é?
Millie levantou a cabeça, passando a encará-lo. Ele continuou;
– Eu sei que você gosta de mim.
O coração de Brown errou uma batida, a queimação na garganta se intensificou. Ela teve vontade de se jogar de cima da colina.
– Como assim? Como você...?
Finn revirou os olhos.
– Trabalho com linguagem corporal, Millie – Disse como se fosse óbvio – Que tipo de profissional eu seria se não notasse?
Ela bufou, o ar condensado escapulindo do interior de sua boca, dissolvendo-se frente ao seus olhos. Finn prosseguiu:
– Pensei que iria ignorar isso e continuar com o nosso trabalho, você sabe, agora Noah está envolvido, e isso vai pegar mal tanto pra mim quando pra você.
Ela respirou fundo, contando até dez.
– O Noah já sabe.
Finn indagou.
– O quê?
– Preciso que preste atenção em mim e ouça tudo que tenho pra falar, você decide se ainda vai querer olhar na minha cara ou não depois disso, ok?
Ele assentiu, mais confuso ainda.
– Desculpe, eu não fui sincera com você desde o início, sei que mentiras são uma das coisas que você mais odeia no mundo, depois de pimentão e quiabo.
Finn engoliu em seco. Surpreso em saber que Millie sabia algumas de suas peculiaridades em relação a culinária. Abriu a boca para questiona-la, mas ao vê-la balançar a cabeça em negativa, resolveu esperar.
– Eu sou apaixonada por você desde os meus 9 anos de idade, Finn. Claro que naquela época, mal sabia o que era amor, mas por mais que eu tenha tentado, nunca esqueci você.
Ela sentia o peito subir e descer depressa. As palavras simplesmente sendo jogadas contra ele.
– Costumávamos sempre viajar para passar as férias de Natal no sítio dos seus avós, meus pais nunca se importaram a fundo comigo, então não era como se fosse trazer algum problema viajar com sua família – Ela fechou os olhos – Mantínhamos essa mesma rotina todos os anos, e no seu aniversário de 15, sua família decidiu voltar ao sítio para comemorar, no entanto, houve o incidente na cachoeira, estávamos escalando e você acabou perdendo o equilíbrio, pulei atrás de você afim de te salvar.
Ela passou as costas das mãos contra a própria face, limpando as lágrimas que não sabia ao certo quando começaram a cair.
– Aconteceu tudo tão rápido, só havia breu quando caí, isso porque mais tarde descobri que batido a cabeça, assim como você. A diferença é que as consequências chegaram em você primeiro. Quando você acordou Finn, não lembrava nem o próprio nome – Virou a face, evitando olha-lo – Todos decidiram cancelar a festa e voltar, mas você havia mudado, seu mundo só existia em torno dos seus pais. Ninguém queria você perto de mim, porque todos diziam que a culpa era toda minha.
Ela arfou. Sentindo os dedos tremerem. Precisava encontrar forças continuar, por ele.
– Eu perdi meu melhor amigo, a pessoa que amava, que podia confiar e contar tudo que me desse na telha, sabendo que nunca seria julgada. Perdi você – Comprimiu um soluço, tentando manter o foco – Seus pais te levaram pra Vancouver, disseram que ia te fazer bem recomeçar, e durante todos esses anos me mantive longe aguentando tudo sozinha, pensando que assim iria evitar que você sofresse.
Millie inspirou, buscando ignorar as pessoas que começavam a chegar para se deitarem na toalha. Engoliu em seco.
– Até que descobri que o acidente da cachoeira não havia atingido só a você. Houve dias em que o pânico me apagou e Noah teve de ir até minha casa cuidar de mim, e houve dias que desmaiei na rua me sentindo fraca e impotente. Ele acabou me forçando a procurar um médico e esse doutor me fez passar uma série de exames, até que foi constatado que eu havia adquirido um hematoma subdural agudo, que é um coagulo no cérebro – Millie pigarreou – O doutor havia me explicado todo o procedimento e como tudo teria sido evitado se eu tivesse procurando uma clínica antes. Coágulos menores causam perda de memória, mas a bolha pode simplesmente desaparecer com o tempo, que foi o seu caso, inclusive. Coágulos grandes não, é necessário toda uma cirurgia para que eles consigam drenar o sangue acumulado.
Millie virou-se para encará-lo. Ele tinha os olhos brevemente arregalados, a face inexpressiva, a fez sentir medo.
– Quando descobri que podia perder minha memória, decidi que queria conversar com você, precisava... falar a verdade. No entanto, não sabia como. Noah descobriu o seu ramo e me ajudou arrumando um emprego pra mim, onde consegui dinheiro suficiente para pagar seus serviços. O resto você já deve imaginar.
Ela deixou que o ar escorresse para fora de seu pulmão. Sentindo-se pequena diante o modo ao qual ele a encarava.
– Foi o Schnapp que você conheceu no bar? – Finn perguntou, já sabendo a resposta.
Ela assentiu.
– Quando vai acontecer a cirurgia?
– Daqui dois dias.
Abaixou o olhar, a festa que tanto lhe fizera bem, parecendo não ter mais nenhum sentindo naquele momento.
Finn levantou, pegou seus sapatos e jogou o cobertor contra a toalha.
– Vamos embora. Vou deixa-la em casa.
– Finn, eu...
– Agora, Millie.
Ela fixou os olhos na estrada. Era tarde, quase 5 horas da manhã.
Cartazes voavam carregados pelo vento frio. As poucas pessoas que caminhavam pelas ruas, abraçavam a si mesmas, afim de se aquecerem.
Os postes não faziam lá um bom trabalho naquele dia, as ruas pareciam um pouco escuras demais para ela, ou talvez simplesmente, só estava agoniada por ter tanto pra dizer, e não poder falar nada.
Ele permaneceu em silêncio, durante todo o percurso de volta até seu apartamento, não ligava mais se Rosemeire fosse dar um de seus sermões sobre fornicar tarde da noite, ou que a mesma a infernizasse usando seu aparelho de som no último volume. Millie não ligava mais pra nada.
Quando ele estacionou o carro na frente do edifício, sentiu-se murchar. Aguardou alguns segundos esperando que Finn dissesse alguma coisa, qualquer coisa, mas não foi o que aconteceu.
Pegou sua bolsa, e abriu a porta do carro. Receosa, olhou para ele.
– Sinto muito por te envolver nessa situação, espero que algum dia possa me perdoar.
Virou-lhe as costas, deslizando a alça de sua bolsa para o topo de seu ombro, caminhando as pressas em direção ao apartamento.
Millie atravessou o lobby aos prantos, queria deitar-se em qualquer canto e chorar até que não tivesse mais forças.
As lágrimas em seus olhos tornaram a sua visão turva, dificultando para ela o ato de destrancar a porta.
Atirou sua bolsa contra o chão, atirando-se no sofá.
Sua cabeça começava a doer por conta do tempo estendido em que esteve chorando. A pele grudava, e o tecido molhado do sofá começavam a pinicar o seu rosto.
Tomou um susto ao ouvir a campainha tocar.
– Rosemeire, vá embora! Perturbe outra! – Bradou.
A campainha soou mais uma vez.
Millie se colocou de pé, sentindo-se cambaleante. A campainha tocou mais algumas vezes até que conseguisse chegar à porta.
Respirou fundo, os dedos na maçaneta.
– Rosemeire, eu já lhe disse que o que deixo ou não de fazer com a minha vida, não te diz respeito...
Ao abrir a porta, sentir as palavras fugirem foi inevitável, ainda mais por ser Finn quem estava ali, parado, olhando para ela.
– Eu provavelmente vou me arrepender disso depois – Ele fechou os olhos, confuso – Mas não podia ir embora antes de fazer isso.
Finn entrou, fechando a porta de forma suave atrás de si. Em seguida, caminhou até ela, fazendo com que Millie encostasse contra a parede, ele apoiou um braço de cada lado.
– Não sei o que raios estou fazendo aqui agora – Disse, sincero – Não sei como fazer a ficha disso tudo cair, e nem tão pouco como me sentir menos decepcionado por você não ter me procurando antes.
Aproximou o corpo do dela, as mãos abandonando a parede, segurando a face de Millie entre elas, com uma delicadeza que nem ele sabia que possuía.
– Estaria mentindo se dissesse que posso digerir tudo isso agora, assim como também estaria mentindo, se dissesse que não sinto nada por você – Ele a prensou contra a parede. Sentia o coração de Millie pulsar contra o de si próprio.
Finn inclinou-se, juntando sua boca com a dela. Inicialmente, deram selinhos demorados. A respiração quente descompassada de ambos se misturando, tornando-se uma só. As borboletas no estômago, a sensação de formigamento percorrendo a pele, o coração pulando alto, como se estivesse em um ciclo vicioso e pedisse por mais, e eles cederam.
Ele a pegou no colo, fazendo com que ela envolvesse suas pernas em torno da cintura de Wolfhard, logo em seguida a apoiou contra a parede com delicadeza, afim de mantê-la numa postura melhor.
Finn intensificou o beijo, inclinando a cabeça de Millie para trás, ela podia sentir o pó colorido amargar no interior de seu paladar, no entanto a sensação era tão extasiante, que sua mente mal conseguia racionar sobre aquilo direito.
A explosão em seu peito era muito diferente da que havia sentido durante a festa, essa era prazerosa, fazia seus músculos parecerem de borracha, e o peito doer como se interromper o toque fosse fazê-la ir ao óbito. Nada no mundo parecia tão certo quanto aquele momento, pelo menos era o que ela achava até o momento em que ele deu fim ao beijo.
– Desculpe, eu... – Respirou fundo, parecendo tão perdido quanto ela – Eu não posso mais continuar com isso.
Ele a soltou.
– Eu entendo – Ela abaixou o olhar.
Ele não disse mais nada, afastou-se indo em direção a porta. Não demorou muito para que ela ouvisse a mesma bater.
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