[Q.G do S.C.C, Subterrâneo, Avanço de Tempo, 10:50 PM]
Nada passava de uma necessidade de se tornar forte. Mesmo que fraco, esforçava-se para tomar as decisões certas como um adolescente, detestando o fato de simplesmente permanecer imóvel ante as barbaridades de Clang. Seu pai aconselhava-lhe:
"- Seja forte e ensinará, naturalmente, os outros a serem o mesmo."
Ser forte significava muito além de ter músculos. Alguns diriam que ele havia sido forte por suportar a morte de sua mãe de maneira tão calma, mas a verdade oculta permeava por trás desta terrível ação realizada por ele. Solitário, sem a família, isolou-se de todos, ignorando quaisquer afeições de outros e isolando seus sentimentos, nunca pensou sentir tanta falta de um sorriso próprio.
" Ninguém sabe as dores de uma pessoa até conhecê-la por dentro."
Porém, sempre encontrando R, seu treinador, admirava-o internamente. Afinal, suas habilidades de lutas corporais, equilíbrio e estranha paz conquistavam pouco a pouco sua simpatia. Aos poucos, seu mundo cinzento imperfeito estava tomando forma, desenvolvendo um músculo muito mais poderoso que a força bruta.
Seria forte. Tornaria-se forte como seu pai sempre o quis. Livre e não mais controlado.
O elevador parou-se com um baque e as portas se abriram. Derrubando poeira, um enorme breu de escuridão e silêncio ante eles permanecia.
- O que está esperando? - Perguntou R saindo do elevador de modo mais descontraído. Aparentava estar em casa, não mais andando curvado - Sabe o quanto esta luz me incomodou?!
Matheus deu de ombros. Não se apressaria para explorar o ambiente ao redor, o qual, pelo sua visão, um corredor extenso e largo feito de pedra e estalagmites e estalactites. O ambiente, escuro e desolador, continha pingos d'água batucando em pedras, um frio cortante e o cheiro de experimentos e outras coisas fedorentas. Certamente, Matheus suspeitava que aquilo era a casa de R.
- Sabe me dizer a diferença entre uma estalagmite e uma estalactite? - Perguntou - Pequeno pardal?
- Há há... Uma mata e a outra não, acertei? - Matheus o respondeu com desdém - Há algum interruptor? -
Tateava por algum interruptor ou algo do tipo nas paredes. Certamente, aquele tipo de instalação do S.C.C avançada deveria ter iluminação. Suas orelhas atentaram-se a escutar o som do fósforo de luz raspando na pólvora e, com um tique, a luz proveniente de R.
- Seja como for. - Replicara - Uma é mais letal que a outra. - Atrás dele, acionava uma alavanca vermelha maciça.
O teto movimentou-se repentinamente, as pedras pontiagudas que ali estavam sacudiram-se de um lado para o outro e despenderam-se, quase instantaneamente, uma após a outra acima de Matheus. Não perdendo tempo, correra velozmente para uma parede próxima e a abraçara, na esperança de não ser atingido por nenhuma de onde estava. O barulho dos pedregulhos encostando o chão violentamente, um por um e desfazendo-se em pó fizeram-na se concretizar. Quando voltara para olhar R e lhe perguntar - não sabendo o porquê exato - novamente sobre isto, havia desaparecido deixando-lhe o fósforo acesso.
Duas luzes, acima de um portão, eletrizantes e azuis acenderam-se. Observou duas estalactites intactas no chão e pensou o óbvio. Apesar das luzes serem bonitas e iluminarem bem a caverna, pressupôs que R estava detrás daquela porta e, agarrando a uma lança pontiaguda, arremessou-a contra a luz, estourando-a e dispersando eletricidade.
Funcionara. A porta rústica de madeira antiga ruiu e separou-se em dois, revelando um segundo corredor muito mais extenso e maluco do que o anterior. Luzes brancas mostravam a passagem junto de portas de celas e grades de ferro maciço e sujo, como uma cadeia, o chão branco e completamente sem sentido acompanhava cada pequeno quarto que ali havia. Apesar de mais largo, era mais insano e perigoso, na mesma medida. Arrepiou-se.
- Se divertira? - R sorrira sinistramente do outro lado da porta - Me diz... Como enxerga com tanta luz? - Perguntou -
Matheus o fitara assustado e, um pouco surpreso, juntando suas sobrancelhas. R, literalmente, divertia-se com a morte dos outros. Enojado, observara que não eram apenas expressões que denunciavam isto nele, mas a força com que tentara persistir neste pequeno ponto – sua morte – era, o que de fato, denunciava, o qual detestava sempre que praticava este ato.
- Porque... - Perguntara - Porque tenta me matar todas às vezes? - Ao ouvir isto, R se tornou sombrio novamente.
- Me pergunta isto novamente... - Reunia sua raiva - E eu JURO que o mando para a SOLITÁRIA! - Ativara outra alavanca, desta vez uma flecha voara e atingira uma das lâmpadas, fazendo-a tremular e falhar algumas vezes - Quer saber sobre os Divine não é? Vamos, vamos, chega de enrolações, pequeno idiota... - O xingara, mesmo o solitário não se importando. Pôs-se a andar e, algumas vezes, andara sob as quatro patas.
- Não que vá fazer alguma diferença, é claro... - Matheus retrucou e achara um pouco de graça na própria solidão. Ser mandado para a solitária já sendo um solitário? Não havia muita lógica em tal declaração.
R mexera em uma prateleira próxima cheia de poções. Matheus observava cada cela que havia e procurava não se preocupar com o que exatamente existia dentro dos pequenos cômodos cujo estavam tapados. Se aquilo fosse o meio de repressão aos que não aspiravam seguir as leis de Clang, o vilão estaria um pouco atrasado. Talvez, ser solitário naquelas circunstâncias não fosse ruim, levando-se em conta toda a sociedade degradável. Ter você mesmo, sem nada a se preocupar era estranhamente reconfortante para ele.
Havia uma vontade indiferente no ar e odores estranhos. As combinações químicas lhe penetravam o focinho e irritavam-no mais do que as drogas. Seja o que estava sendo realizado, tinha certeza de que era mistura de drogas e outras combinações horríveis, alterando a química e brincando com o perigo. Sim, sem dúvidas, aquelas solitárias deveriam ter algum quarto para combinações cautelosas envolvendo drogas e manipulação barata, as quais aspiravam uma vontade inimaginável pelo mal, indo muito além da compreensão humana, e de uma vontade inacreditável junto ao raciocínio. As fumaças provenientes de outros cômodos pulsavam para fora das janelas, literalmente, brilhando no ar, ora trocando de cor ora alterando-se. Todavia, esta vontade era mera e simplória comparada ao quarto à direita de Matheus, cujo existiam correntes, sangue e, muitas, muitas poções esparramadas e coloridas no chão. Tomado por um sentimento até então desconhecido: O do acovardamento ao perceber tudo isto, compreendeu um fato perturbador:
Seja lá o que resultasse neste quarto, Clang era mais insano e louco. E estaria rindo ante a tudo isto.
- Onde é que está... - R murmurava ao mexer em uma prateleira cheia de poções -
- E então? - Perguntou Matheus buscando ignorar os quartos - O que são os Divine? - Aquela pergunta estava ficando monótona.
- Você é como um disco velho, não para de repetir as mesmas coisas?! - Indagou nervosamente enquanto vasculhava - Os Divine são o povo de Clang, a semente de Clang ou o que você preferir pardal... - Definitivamente, "Semente" era o termo que Matheus menos optou por ouvir.
- O povo de Clang? - Indagou com estranheza - Como assim? Não me diga que Clang dramatizou tudo isso para no final...
- Aaaah! - Guinchou de ira - Porque não se cala logo? Irá esperar alguém fazer isso por você? - Após anunciar esta frase, subira em cima da prateleira que surpreendentemente o aguentou e pulara para dentro de um dos canos no teto, ativando outra alavanca consigo.
A porta no fim do corredor estreito e esguio fechara repentinamente. Uma parede deslocava-se em direção a Matheus, ignorando totalmente as celas ou as lâmpadas que estouravam-se pouco a pouco. Se não realizasse nada, acabaria sendo esmagado pela rigidez e força daquele enorme bloco de concreto vindo lentamente em sua direção. Olhara para os lados para tentar enxergar algum sistema que controlasse isto, mas em vão. Nem mesmo o teto seria poupado e os canos corroídos eram desfeitos como papel, os quais caiam no chão e ressoavam naquele quarto da morte.
Jamais ira desesperar-se, embora uma parte de seu corpo pedisse insistentemente por isto e a adrenalina percorria lentamente suas veias. Pelo contrário, pôs-se a utilizar o raciocínio e a lógica. A parede iria passar apenas naquele corredor. Se saísse do caminho daquilo, estaria a salvo... Por enquanto.
Seu instinto natural resolvera acordar naquela hora, o mesmo da manhã e suas orelhas se ouriçaram. Conseguia ouvir R murmurar no outro lado da parede, mas não o escutava com exatidão. Fitara uma porta ao seu lado, o bloco de pedra percorria metade do corredor e logo iria chocar-se contra ele.
Decidira o impossível, não haviam tais ferramentas para a ação e muito menos tempo. Afastara-se e desferira um chute horizontal certeiro. Se seu pensamento permanecesse correto, o tempo dos parafusos no subterrâneo deveria ter algum contato com a água de cima, os quais deveriam estar enferrujados e soltos àquela altura. Dera mais um chute, desta vez com mais força, no entanto nem sinal do movimento da porta.
O bloco se aproximava. Continuava com o plano, sabia que teria de dar certo em algum momento.
Desferira outro chute e, dessa vez, observava que a porta não iria romper com muita facilidade. Decidira tentar recordar-se dos treinamentos de R e estranhas lições de não deixar nada ficar em seu caminho ou então aquela que o inimigo não passaria de um inimigo. Não parecia ajudar muito nem ser nada estratégico, até que lembrara de uma importante. Os três pontos vitais.
Os três pontos vitais seriam as três pontas mais frágeis de qualquer coisa existente no planeta, sendo observável em inúmeros objetos ou animais. Os três pontos frágeis do diamante, os quais eram lapidados e é um dos recursos mais resistentes, era suas três pontas. Uma corrente era composta de elos, três elos fracos e ela iria ao chão. Todavia, requeria um nível de foco muito grande vinda do sujeito, a qual, segundo R, destacaria os pontos vitais normalmente, sendo visíveis.
Matheus achava aquele ensinamento sem lógica e um pouco ridículo. Seus inúmeros estudos e formação vinda de sua infância recusava imediatamente tal argumento, todavia o concreto estava mais próximo do que nunca e, decidira tentar. Focou seu olhar, concentrou sua mente e não ouvira nada mais do que somente à porta.
E então vira três parafusos enferrujados, um no topo, outro no meio e outro abaixo. Agilmente, chutara o parafuso do topo e sucesso, apesar da dor invadindo sua perna. Deu graças de ser do tamanho exato da porta ao ver a pequenina peça caindo no chão, decidira realizar a ação cada vez com mais força.
Quando o bloco se aproximava mais e mais do fim do corredor, dera um chute fortíssimo no último parafuso e a porta rompera e caíra com um estrondo, ressoando na cela. Não havia ninguém quando correra rapidamente com a pata nos pulmões doendo por conta de puxar o ar e, entrando no cômodo, vira no canto do olho que o enorme concreto achara o seu destino, impactando-se e esmagando a prateleira que antes R investigava.
Levantou-se e respirara fundo, tragando o ar enquanto dores consumiam-lhe e queimavam sua pata. Gemia de dor. Aquilo fora forte demais. E, obviamente, uma força física.
Observava tudo ao seu redor antes de proceder com qualquer ação e, mesmo após ter escapado com sorte, pensou seriamente junto de um pouco de raiva do porquê R tê-lo deixado ali novamente. Vira que estava em uma cela de prisão. Óbviamente, ali e nos outros cômodos aparentava ser onde os "fora da lei" dentro do S.C.C permaneciam.
A parede ao seu lado direito ruiu e veio abaixo. R lhe aguardava e entristeceu-se ao vê-lo vivo.
– COMO?! - praguejou e gritou em seguida - Será que eu mesmo terei de te matar?!
–Tente. - Disparou – Não poderia encostar um dedo em mim. E não é porque Clang não quer. -
– Se eu aspirasse, pardal... - Murmurou – Se eu aspirasse realmente... -
O solitário não retrucou palavra alguma. Novamente, R não entenderia. Compreendia que R não iria lhe trair, jamais pela falta de coragem, mas nunca chegaria a este ponto de força bruta contrária a todas as emoções vividas. Decerto deste conceito, mortes nunca seriam a saída, pensada nos momentos de extrema agonia, Matheus não culpava outros animais de tentarem isto. Até mesmo o maior elefante pode não ter força alguma e pensar a respeito da solução, o qual, apesar dos músculos, é fraco.
Neste fato imprescindível, podia-se dizer que em São Paulopia não existiam muitos animais fortes.
Matheus o seguiu. Não queria esperar um bloco de concreto gigante voltar ao seu lugar. O túnel, estreito e meio apertado, quase não lhe serviu pelo seu tamanho. Sendo recheado de pontas traiçoeiras e a espera de alguma parte do corpo para arrancar, desviava facilmente das pequenas estalactites e estalagmites que acumulavam, as quais certamente machucariam seu braço ou perna. Não parecia acabar mais e a umidade do local, às vezes, fazia-lhe espirrar. Pensava se não existia outra rota mais confortável e não sabia ao certo onde iria sair. No entanto, teve suas respostas assim que R saíra do túnel.
Chegou a um lugar imensamente enorme e inquietante, uma caverna e, à frente deles um precipício grosseiramente largo e perpendicular, indo muito além do que aquele pequeno pedaço de chão que pisavam. Sem fim, abarrotava-se e enchia-se de trevas e escuridão no que enxergava. O barulho de uma cachoeira, à esquerda, revelava o som da água relaxante e decadente naquele abismo, sendo impossível ouvir sua queda. Quem caísse ali, certamente teria uma morte horrível, considerando as estalagmites presentes. Morcegos, deveriam existir inúmeros, todavia provavelmente voavam por São Paulopia. Matheus boquiaberto com o que via.
– Chegamos! - R respirou fundo e fora à beira do precipício - Ei, estou vendo uma moeda lá no fundo... Pode pegá-la para mim? - Sorrira, sendo ignorado por Matheus. Analisava todo o ambiente.
– O que é... Este lugar? - Perguntou – Por que me trouxe aqui?
– Matar primeiro, perguntar depois... Digo, responder sobre os Divine primeiro, isso... - Chegou próximo a ele – O Povo de Clang é quem o segue. Clang prega isso cegamente a todos e, obviamente, todos o seguem pelos seus discursos mirabolantes... É como... Como vocês chamam?
– Política? - Indagou esperando mais desta comparação de criança -
– Isso! - Sorrira – Exatamente! - Ele pulou de alegria. Talvez pela decepção de Matheus após a confirmação. - E é óbvio que Clang é a figura central, o rei, a dama, a peça em que todos querem pegar. - Matheus achou graça em mencionar que Clang era "a dama". - Isto vem de eras e eras pardal... - andara à sua volta – Desde os tempos mais remotos, os Divine existiam...
– Sem Clang? - Questionou o vendo -
– Clang existe desde a antiguidade também, não se engane... - Falava como se uma palavra errada e isto o devoraria – Ele guiou os malfeitores por toda Zootopia antes de vir para Brasilpia.
– Qual a lógica de sair de Zootopia? - Obviamente, Zootopia era a cidade dos sonhos -
– NÃO! - Gritou e parou à sua frente – Não questione! - Retrucou - Não passa de uma cidade como todas as outras... - Ao menos nisto, ambos concordavam - Nós éramos poderosos, pequeno pardal... Poderosos demais... Roubávamos bancos e sabotávamos construções... Mas sua queda... - Ele agarrou um punhado de carvão torrado no chão - Sua queda... - Enunciava emocionantemente enquanto o carvão desenlaçava por entre seus dedos – Marcou nossa decadência... - murchara-se como uma flor -
– E então... - Matheus deduziu - Vocês vieram para Brasilpia? -
– Clang fora um tolo ao escolher este país... O grupo em Zootopia havia sido desfeito... O amor é apenas um veneno como todos os outros, este é letal demais... - Terminou - A aula de história acabou. - R terminara de mau humor e cara fechada -
– Espera, Clang mudou por causa do amor? - Indagou querendo mais – O que quer dizer com veneno R? O amor é...
– Chega de perguntas! Além disso, você tem que provar sua lealdade a ele e todos nós passaremos por... - Surpreendeu-se consigo mesmo – UM TESTE! - Guinchou -
– Um teste? Pode tentar ser mais objetivo? -
– Você também passará pelo teste... - Vociferou sombriamente – Se bem que... Sim, isso, é claro que Clang vai utilizar isto, mas... - Falava consigo mesmo e murmurava.
Matheus entediou-se rapidamente daqueles burburinhos e sussurros vindo de seu companheiro. O barulho da cachoeira e a própria queda d'água recordava-lhe dos tempos calmos e serenos, os quais passavam abraçado com sua mãe. Refletiu de como o amor poderia ser belo próximo a cachoeira, este sem ter força alguma, inocência e serenidade colorindo suas ações.
Por vezes, percebera o mundo atual corrompido através da fraqueza. Não somente por ela, mas pela força que conviviam lado a lado no mundo, os quais eram parceiras obscuras do planeta. A ausência de intensidade, emoções e a força destas, deteriorara o globo. Caos em uma cidade utópica? Por razões de preconceito e conclusões?
Pura fraqueza e força.
Forças verdadeiras, repletas de inocência ocultavam-se. Não nas sombras, mas na luz. Zootopia sentira isto.
Por sorte, Judy havia espalhado uma força qual não corruptível.
" Façam do mundo um lugar melhor."
O solitário olhou para a lua e focou-se na luz do luar vindo de alguns poucos buracos do teto e, vira, a lua de noite cheia. Perguntou-se novamente qual seria a graça de uivar e do porquê o seu instinto interior lhe indicava a isto. Indicava com uma vontade tão forte e vigorosa, mas não via razão alguma naquilo. No fim, vira uma vela, ainda acessa, e um retrato jogados em uma parede. Aproximou-se lentamente e agarrara o quadro. Revelava uma fotografia antiga e desbotada.
– R... O que é isto? - Perguntou, mas R ainda caminhava apreensivamente -
Decidira focar na fotografia. Não parecia algo a se encontrar em uma caverna, considerando as circunstâncias de que acabaram de sair de uma prisão. Olhara tanto as figuras presentes que não via nenhuma semelhança entre elas. Uma família, um pai, uma mãe e um filho. Todos lobos guarás.
Até que lhe caiu a ficha. R não manteria isto por simples vontade própria, afinal, a morte era sua diversão. Tão claro como aquela cachoeira, aqueles eram a família de R. E, o menor, provavelmente era R.
Como ele havia se tornado aquela aberração?
O solitário ficou perplexo por alguns breves segundos e, rapidamente, pôs o quadro de volta no lugar. Sentindo-se mal julgando R anteriormente junto de um grande remorso, perguntou:
– Ahm, R... - Indagou – Porque mantém aquela fotografia ali? - indicou -
– Fotografia?! - pareceu ser apanhado de surpresa e pôs-se a retirar o quadro rapidamente – Mas que... Pilha de lixo! - retirou a fotografia e a rasgou em um milhão de pedaços. O último pedaço, mostrando o filhote, caíra em frente aos pés de Matheus e molhou-se em uma poça, tornando-se borrada. -
– Você... - Engoliu em seco. Da próxima vez que indagara R sobre seu passado, quase brigaram – Era o sujeito da imagem?
– Eu?! - perguntou e hesitou antes de falar – Pare de me jogar asneiras com seus... Dramas de adolescente! - R enunciou apontando. Aquela desculpa não funcionava mais.
O assunto havia tomado outro rumo repentinamente. O passado de R. Julgara-lhe tão previamente como um simples torturador ou treinador de novatos que não parara para pensar no que passara nas mãos de Clang em todos estes anos do S.C.C. Não parou para pensar que, talvez, mesmo sendo um assassino em potencial que, provavelmente não fez nenhuma vítima, R merecia um pouco de empatia. Presenciando tanta coisa inesperadamente que padecera da força, força corrupta e maligna, restando-lhe a solidão e insanidade, que se fechou de jeito tão brusco a qual provavelmente transformou-se naquela coisa.
Sentira-se tão mal por tê-lo conceituado em um simples conceito que se envergonhava a si mesmo. Mais que isso, havia sido preconceituoso. Sabia que suas aparências sugeriam um assassino, entretanto não deveria tratá-lo como isso. Tomado pela culpa e possuinte de certo remorso consigo, queria pedir-lhe perdão. Enxergando a sociedade contemporânea de São Paulopia continha juízes possuintes de vigorosa força vocabular, premeditando, rotulando por meio dela, a qual maliciosamente fora usada. Matheus envergonhava-se por ter sido fraco e forte daquela maneira.
– Você! - Ele continuou e pareceu ter ligado os pontos - Você me trouxe até aqui para trair-me pelas costas! - Pegou em sua besta e Matheus recuara para trás – Se eu ao menos pudesse...
– Pare de insanidade R! - Ele argumentou – Eu não te trairia! Quais motivos eu tenho?! - Retorquiu – E admita, você era o sujeito da foto! - Pausou - Você pode ao menos me respond...
– JAMAIS! - Gritou apontando a besta e quase atirando – Eu... - Parou repentinamente e abaixou sua arma por alguns instantes. Parecia reunir as palavras corretas. - Você tem que ir! - Apontou-a novamente – O teste é amanhã... - Coçou seu nariz - Tá vendo a cachoeira? - Apontou para à esquerda – Você terá uma passagem para a liberdade. - Anunciou ligeiramente – Mas não faça isto... Vai pelo cano. - Indicou uma passagem para direita que não parecia nada confiável. Cheia de espinhos e pedaços de ferro retorcidos, tinha medo de pegar até tétano. - Ele não enxerga a morte como nós, pardal... Suma da minha frente, agora!
–Liberdade? Mas, como, não me parece muito e quem... - Matheus fora interrompida pela bizarra canção vinda de Clang.
Distraíram-se tanto que esqueceram daquela sombra mórbida e acompanhada da própria escuridão os seguindo. E, desta vez, ela parecia clamar por crueldade junto da força mórbida. Longe dali, onde haviam vindo o elevador apitou mais uma vez e Clang apareceu naquela porta. As tochas acenderam-se em um passe de mágica.
–Cling Clang lá se vão as correntes... - Cantarolou – O brilho desta lanterna mostrará que o caminho da sua alma é uma passagem sombria... - Pôs-se a andar para a porta escancarada – Uma dor que sua pele não vai aguentar... Uma dor que sua alma vai se esfolar... - Chegou a prisão onde, desta vez, as portas estavam abertas - Ninguém escapará quando a caixa anunciar o fim... Existe a vida, existe a morte, então existirá a mim! - Ele sorriu ante aos prisioneiros fadados a morte e a fome – AH! Os doces sons da miséria! - Apreciava cada um que se arrastava ante a suas patas - Grite suas últimas palavras – afastou todos junto de suas correntes – Afinal... É a sua sentença. - viu a porta em que Matheus arrombara e o túnel. - Cling Clang! Lá se vão as correntes... - não tendo forma física, invadira o túnel – Uma dor que sua pele não vai aguentar... Uma dor que sua alma vai se esfolar! Ninguém escapará quando a caixa anunciar o fim! Existe a vida, existe a morte, e existe a mim! Irreconhecível, você nunca verá sua alma no final da cena! - saíra no final da caverna, adquirindo forma e corpo. - R... - Sorrira – Quanto tempo. - Não via mais ninguém a não ser R.
– O que você quer?! - Perguntou -
– O que... Eu não quero, R? - Revidou. - Por que está aqui? O solitário passou aqui... Não é?
– Preciso lhe responder?! - Retorquiu-o – Estava... - Vira os rasgos e lembrara de Matheus fugindo – Retomando o passado. E não, infelizmente. - Disse melancolicamente -
– Hmm... - Gemera – Você... Você só pode estar brincando... - Pronunciou insanamente vendo o rato - Está me dizendo que retomou o passado?! - Indagou com fúria - SEU PASSADO ESTÁ MORTO R! - Gritou e R aparentava ser atingindo, ocultando-se em sua capa empestada de pulgas – Está me ouvindo?! Você foi acolhido para MATAR! O passado está ENTERRADO! - Houve uma pausa – Mas, sabe? - retomou a calma tão fácil como perdera – Os animais sempre são os que... - Pausou subitamente – Questionam isso. Mesmo sabendo da resposta.
R jamais teria palavras para explicar. Ninguém nunca teria palavras para descrever a profundidade de sua insanidade e a facilidade com que ficava louco repentinamente, as quais alcançaram uma complexidade maníaca e vil, indo muito além dos padrões de raciocínio, lesando cada dia mais a si mesmo. O que todos observadores de Clang afirmariam era de uma sede insaciável pelo poder, não apenas do S.C.C, todavia de uma cidade toda. Governar, controlar, influenciar. Definitivamente, Clang não era um homem, nem um insano. Mas sim um louco.
Seria bobagem dizer que R ligava para uma palavra, mas aquilo realmente pareceu atingi-lo de alguma maneira. O derradeiro passado marcado na vida reduzira sua fraqueza de se corromper. Considerando-se a mentira contada, forte fora o suficiente para entender e compreender e vivenciar e sentir o desespero vindo de Matheus.
Mesmo naquela aberração, era mais humano do que qualquer outro em São Paulopia.
Todavia, o maníaco continha uma ponta de razão, sim, ao afirmar que todos sabiam da resposta do passado. Apenas a ignoravam. Seria melhor esquecer o passado.
Isto nunca se tornou tão difícil para Matheus.
[Quebra de Lugar, Zona Leste, Edifício Abandonado, Avanço de Tempo, 11:00 PM]
O relógio batera onze horas da noite exatamente quando Ana parara em um dos semáforos da extensa avenida de São Paulopia. Certamente o sistema de locomoção da cidade era diverso, contado com metrô, ciclovia e outros meios de transporte, no entanto sempre se achou insuficiente para a quantidade de animais que ali habitavam. Mesmo que tarde, as avenidas estavam cheias de carros e ônibus lotados. A cidade encontrava-se ainda mais bela com as luzes dos edifícios luxuosos, sem dúvidas, perigosa durante à noite.
Após o teatro, a dupla concordara em pegar carona apenas com a finalidade de coletar informações do caso ou apenas para não pegar um ônibus cheio. Encontravam-se no banco traseiro e, não seria surpresa que nem mesmo os cintos de segurança cabiam em Nick. Judy buscava usar, mesmo que fosse inútil o cinturão grosso e largo segurar seu corpo pequeno, afinal, o carro havia capacidade para comportar Michael, um rinoceronte enorme. Nenhuma palavra fora dita logo depois da entrada de ambos que, talvez, apenas buscavam encontrar-se silenciosamente com olhares de amizade após aquele abraço afetuoso e reconfortante, os quais certamente ainda recordavam dos detalhes. A perigosa relação de amor demonstrava o quão grande e afetuoso poderia ser, tornando-se modesta ao ver que um somente desejava a companhia do outro, apenas para ouvir as piadas sem graça ou simplesmente gostar de sua presença. Definitivamente, ambos tinham uma amizade de ouro, quebrando os padrões com uma relação de espécies diferentes.
Ninguém acreditaria naquilo. Ver os dois juntos. No entanto, não, certamente, a esperança e confiança que um depositara no outro, seja em algum momento crítico como agarrar uma droga que poderia deixar um animal selvagem ou controlar um trem desgovernado, tenha fortalecido a tal ponto que não ligariam se alguém os questionasse ver os dois juntos, por mais que já tenha ocorrido diziam que não existia diferença alguma entre os dois.
“Quer dizer... Não estamos em um relacionamento.”
Todavia, teriam de ser maduros e justos consigo mesmos. Não poderiam firmar uma relação sem a participação intensa do outro ou sem ao menos um sentimento que iria além do que poderia descrever. Não, provavelmente seria injusto demais da parte dela tentar levantar algo que, provavelmente não funcionária. Doces ilusões são esmagadas cruelmente pela dura realidade. Havia outros animais interessantes para se conhecer e via que Nick destacava-se em meio destes, pois apesar de ser como outro qualquer, ficaria do seu lado até o fim. No entanto, esta pequena semente do relacionamento e amor, seria tão forte a ponto de desabrochar vigorosamente?
Porquanto, algo tão simplório e despretensioso seria a amizade de ambos. Frágil e dinâmica, forte e poderosa, achava-se fofa perto do que o amor dos dois poderia formar. Provavelmente, esta amizade colorida poderia ser tão grande quanto o amor, no entanto, jamais tão poderosa.
– Viu só Judy? - Ana retomou um fato engraçado - Eu lhe avisei que não iria doer nada.
– Eu não tenho medo de agulhas. - a respondeu com um sorriso – Mas outros animais... - disse mencionando seu companheiro
–Eu ter? - Perguntou indignado – Poxa, deve ser por isto que não entrei por lá... Obrigado capitã óbvio, salvou o meu dia!
– De nada. Sempre que precisar, caro cidadão, ligue para o DPZ.
– Quer dizer, Policia Militar, não é Judy? - Retribuiu Ana carregando um sorriso de graça -
– Se a PM resolvesse casos de medo pode ter certeza de que a conta de telefone estaria muito mais cara por conta do Nick.
– Que nada... - Retomou seu olhar para o vidro - Clang, o rei do medo e assustador, ainda não faliu a PM, faliu?
Ana rira pelo fato engraçado e Judy concordou. Uma risada, um fato engraçado poderia colorir aquela noite escura e fria. Minutos antes, visitaram a um posto de saúde enquanto retornavam. Passaram no pequeno posto de saúde do SUS e a coelha não pode acreditar no que vira quando entrara naquele lugar. O local, totalmente abarrotado de animais e filas, trabalhadores requisitando remédios e outros feridos em macas jogados no corredor como se fossem simples objetos que faziam parte do edifício. Animais com sentimentos e uma noção do que era vivo ou morto, real e irreal permaneciam à mercê da morte. Ficara assombrada ao ver uma mãe com filhotes implorando por remédios e sendo recusada grosseiramente pelo atendente. De tamanha barbaridade, crueldade e malignidade, tamanhos imensuráveis neste parágrafo, vinha o sentimento de desesperança e solidão, fechando os olhos em algumas partes do pequeno posto de saúde, a qual não apreciava de jeito algumas cenas como aquela. Era forte, sim, contudo evitava cenas de tamanha selvageria. Sabia que acharia-se pensando nisto assim que buscasse descansar sua mente. Havia vindo de uma cidade do século XXI, futurista e progressista. No entanto, ali, aqueles ideais aparentavam morrer tão fácil da maneira como apareceram.
Para sua sorte, Nick havia pedido para ficar no carro, o qual certamente ficaria mal ao ver tudo aquilo. Ana, ao seu lado, pressentia o mesmo, no entanto acostumara-se de tal maneira que não poderia realizar nada por eles. Nem mesmo mantendo-se a si mesma, o resto da semana, a ajudar os feridos, nunca conseguiria isto sozinha, os quais apenas aumentavam a cada semana, acumulando-se com uma sede imensa de cura e uma esperança mórbida e acabada de se verem livres da doença cuja afligia-os. Clang tinha razão, o governo continha tanto medo que se embaraçava nas próprias contas e despesas, acumulando gastos e descontinuando investimentos. cujo medo vinha de ver um trabalhador forte o suficiente para entender que sua saúde e bem-estar deveria vir em primeiro lugar. Tal medo recusava harmonia e perfeição necessárias para salvar vidas.
Perguntava, em alguns trechos dos corredores amarelados e esmaecidos, o porquê de aquilo estar assim para Ana e, um pouco envergonhada, nunca soube dar uma resposta certa a coelha. Envergonhava-se por tamanho desconhecimento, principalmente este que não possuía certeza. Recordava-se que, quando estava sendo atendida e sentada em uma das enormes cadeiras, fitava os imensuráveis e grandes postêrs de Lucas T acompanhado da seguinte frase:
" - Comece pequeno e cresça até atingir a perfeição. Este é Lucas T e é o que ele fará com a cidade."
Começar pequeno e crescer... Sem via de dúvidas, isto, definitivamente, parecia uma estratégia econômica detalhada demais para a cidadela.
Saíra junto do pensamento de querer mudar aquilo. Não apenas para São Paulopia, todavia para Zootopia, lembrando de certas áreas desvalorizadas.
No entanto, a ideia permanecia caída em seu subconsciente. Pensaria nisto melhor em casa. Todos diriam que Judy era uma coelha sem medo e estariam corretos quanto a isso. A liberdade, independência e direito de um animal deveriam ser postos em primeiro lugar. Não tinha medo em ver alguém assim, como o governo tinha, entretanto orgulho, principalmente caso participasse de sua grande família.
As estrelas pairavam e brilhavam sobre o ar úmido junto das nuvens negras daquela escuridão que chamavam de céu. Comércios mais simples e baratos fechavam suas portas com medo do S.C.C enquanto os maiores, geralmente acompanhado de luzes cores fortes neon, brilhavam e abriam às portas sem previsão para o fechamento. Viraram mais uma esquina.
De vez em quando, a pequena coelha escutava as notícias do rádio mencionando programas de justiça como a "Lava Rato" ou que algum político havia sido preso devido à corrupção. Ana lhe explicava tudo e, às vezes, Nick interessava-se. Aquela perguntava a si mesma o porquê daqueles dois envolverem-se em um caso tão perigoso. Para a coelha, era óbvio, Clang tornava-se um vilão incomum para a metrópole futurista. Infelizmente, talvez Nick não partilhasse da mesma sorte, uma vez que assim que saíra da academia militar, agarrara o primeiro caso a frente junto de sua parceira e, acreditando ser algo banal como vira nos livros, confiava plenamente no potencial principalmente de Judy para resolver este caso. Quando se dera conta que Clang era, na verdade, um psicopata em potencial e muito diferente de Bellwheter, repensava seus conceitos durante algumas madrugadas cansativas de trabalho e noites em branco. Este, inegável seria, ter pouco medo contido em si.
Ver todos os animais que Clang poderia causar mal simplesmente o enojava.
- E então? – Perguntou a coelha sentada no banco traseiro – O que conseguiu de novo? ... Achei algumas informações na sala de casos.
- Você foi para lá? – Distraiu-se Ana com o veículo parado ante ao sinal – Céus, aquilo está uma bagunça...
- Sim, eu bem que tentei arrumar, mas... – Olhou para Nick – Houve um impedimento. – Sorrira –
- Tenho culpa se gosto de focar na missão? – Perguntou retribuindo o sorriso
- Ontem à noite estive em um orfanato. – Começara – Tive alguns contratempos... – Escondera o problema – Conversei com uma das cientistas do S.C.C e vocês se surpreenderiam que eu mesma estava procurando a testemunha chave.
- Você estava? – Perguntou a coelha – Ah é claro! Você havia mencionado que Pedro L havia pedido para investigar alguém... O nome era...
- Matheus Lobato. – Relembrou Ana – Sujeito discreto, não faria mal a ninguém, ao menos penso eu... – O sinal ficara verde e avançara com o carro, encerrando-se a conversa por ali.
Realmente, Ana, apesar de médica de combate e, continha um senso de direção e habilidade para dirigir invejáveis. Mantinha firme seus braços pálidos e graciosos como a neve ao volante e os olhos fixos acompanhando cada movimento de carro.
Ocultou o problema de ontem, provavelmente, pela falta de confiança em Judy. Mesmo que fosse sua heroína antigamente e, ela não entenderia como Ana ainda ficou em dúvida em realizar uma ação ou outra e estava certa quanto a isso. O recomendável, naquela situação, era chamar uma ambulância, para o atendimento preciso, e resgatar os filhotes.
Mas o que Ana menos precisava, no momento, era alguém questionando suas ações ou como fazia suas escolhas.
O carro avançava junto de naturalidade pelas vias de concreto de São Paulopia. O rádio, ao mencionar as tais notícias de sempre da cidade. Na realidade, Ana sempre tentava mudar de estação, sentindo-se em um cubo mágico muito complexo. Toda hora via Judy no retrovisor, com suas orelhas atentas para ouvir cada fragmento da notícia, pensava ser antiético desligar no meio de tanta empolgação. Estava se esforçando ao máximo para obter tudo do caso.
O carro parou outra vez Ana pôs-se a falar.
- Voltando ao assunto de antes... – recomeçara – O sujeito dava um bom profissional no ramo da serralheria. Deve ter alguma experiência com lâminas, já que trabalhou com elas. - Mencionou o antigo trabalho – Frequentava a escola e tinha relação com muitos poucos animais. Ah, e é claro, lembram da casa incendiada que investigamos? – Perguntara e vira ambos confirmando com um gesto – Suspeito ser dele, mas as causas do incêndio são desconhecidas. – Suspirou decepcionada – Havia uma vítima no incêndio, sua mãe, mas não obtive nada a respeito dela, Pedro L não facilita para meu lado...Está desaparecido e não tenho mais informações. – Nick se remexera desconfortavelmente perto da janela.
Uma coisa que atormentaria a Nick era seu passado conturbado e desconhecido, o qual o mesmo não gostaria de tocar no que diz respeito situações de sua família ou de sua mãe. O passado o machucara tanto, suas ações e, principalmente, a saudade enraizada em seu coração pelo seu pai desaparecido que não conseguira encontrar forças em si mesmo para continuar encarando a realidade dura de desemprego em Zootopia que, após alguns eventos, optou pelo caminho da malandragem, achando seus próprios meios e realizando tudo da sua maneira. O reconforto que encontrara nisto, por mais ambiciosa e, provavelmente ousada, o deixou com o estilo de vida preguiçoso, ao menos, até encontrar uma policial que o via como uma testemunha chave. Culpava-se a si mesmo pelo egoísmo de apenas ajudar a si com o dinheiro que conseguira. Ninguém mais, tirando Finnick ao seu lado que sempre lhe ajudava com as necessidades, afinal, a raposa era seu ganha pão do dia. Porém, era um homem diferente agora. Tinha seu caráter e opinião formada.
Judy percebera isto e não culpara Ana pelo desconhecimento da história dele, que o observara vendo os edifícios da cidade. Pensou em tocá-lo, permanecia tão sozinho que seu olhar observava estrelas pequenas. Relembraria que independentemente se permanecessem em uma relação ou amizade, estaria ali para o que o futuro guardava. Quando o tocou tenuemente no ombro, ele virou-se e a fitara curiosamente. Por que ela faria aquilo?
Indo além do olhar, o sorriso de lado de Nick, ao perceber aquilo, e, Judy, retribuindo esta e surpresa novamente. Olhavam um ao outro dentro daquela escuridão no banco traseiro e, perceberam, o quanto a amizade havia crescido. Os olhos ametistas e esmeraldas brilhavam em meio às trevas e, por mais só que Nick estivesse, sabia que este sentimento seria uma mera ilusão ao encontrar aquela coelha lhe observando. Falando, mesmo não dizendo uma só palavra. O apoiando, mesmo quando todos o julgam.
–Porquê... - Perguntou sorrindo de lado - Você fez isso? - Achou graça -
– Ahm... Não precisa ter medo. - Respondeu – Sabe, de Clang.
– Eu ter? Pfff... - Voltou a olhar para a janela – Cenourinha, medo é o que não sinto dele.
– Eu sei que sente Nick... - Tentou aproximar-se – Se até mesmo Ana...
– Eu não sou ela Judy... - Recuara -
– Sei disso... Mas... - Calou-se – Saiba, que Clang não passa de outro animal qualquer. E deteremos ele.
Silêncio. Nick não estava disposto a abrir-se novamente para ela. O medo não era pelo fato das mortes que Clang poderia causar ou realizar torturas dolorosas, mas sim o que Clang causaria caso fizesse estas ações. Receios, horror escravizam a liberdade, mesmo que medo fosse uma "resposta" natural para salvação da espécie. A liberdade, a falta desta, permitiria uma destruição total e gradual da mente.
Literalmente, as ruas ficariam vazias, os prédios mortos e os cemitérios cheios. Clang mataria a todos sem nem ao menos precisar levantar uma pata. Caso isso ocorresse, seria mandado embora. Chefe Bogo o olharia novamente preconceituosamente e jamais iria aceitar uma raposa que não cuida de um único caso.
Portadora disso, esforçava-se tanto quanto ele. Judy, apesar da boa intenção, ainda eram companheiros. Amigos. Pensava na razão dele se afastar repentinamente tanto que não percebeu a chegada repentina. Longe do centro urbano onde se encontrava a delegacia, o movimento acalmava-se a abrandava-se, sendo repleto de silêncio. O grupo saíra do automóvel e entraram no edifício rangedor. Cumprimentaram a atendente, recebendo um "boa noite" desinteressado, e logo subiram as escadas caladas, as quais não ouviam um ruído proveniente de outro quarto. Michael aguardava dentro do apartamento.
– Meus amigos! - Ele levantou-se da cama – Que saudade de vossa companhia! - via-os subindo as escadas.
– Só passei um tempo fora Michael. - Ana respondeu – E então, alguma novidade? - Jogou o rifle azul em cima da cama -
– Queria eu que tivesse alguma, cara amiga. - Disse – Quem tem estômago para uma pizza ? - abriu uma caixa de pizza posta em uma escrivaninha
– Eu! - Nick levantou a pata -
– Acho que o foco deveria ser outro, não? - Ana arqueou uma sobrancelha - Só preciso procurar uma coisa e... - Investigava sua enorme cama até achar um item -
Ana posicionou que procurava, um mapa conceitual em uma enorme parede e logo poderia observar-se ligações entre Clang, a figura central, e outros animais, figuras mais afastadas. O mapa conceitual busca, principalmente, organizar e arrumar novas informações com base no que já têm e, com isto, avaliar novas oportunidades. Isso seria perfeito para prever o próximo passo de Clang. O trio sentou-se na enorme cama e Ana ficava de pé como uma professora.
Judy, achando a ideia do mapa conceitual brilhante, puseram-se a discutir os dados novos. Ana ditava que, a cientista mencionara Matheus como uma das principais figuras do mapa conceitual, tendo levado consigo Rosa Alcantara, mas que permanecia desaparecida. Após isso, Clang reduzira todas as atividades do grupo do S.C.C e não existiam tantos assaltos como antes. A principal ideia, ali, seria resgatar ambos por serem testemunhas chaves, portanto, saberiam dos planos dele.
Todavia, ainda não poderiam. O risco era imenso, de entrar, e sair sem serem notados pelo psicopata. Nota-se, também, o aumento de tráfico e, ao menos isto, a delegacia permanecia tomando conta.
– Só podem estar testando um novo tipo de droga... - Ana tentou adivinhar – Mas... Para quê?
– Talvez, tentar repetir o ocorrido em Zootopia e deixar a cidade um caos? - Michael tentou – As eleições estão próximas e talvez aquele tigre seja o alvo deles. Uma cidade sem governador é pura anarquia.
– Boa argumentação Mike... - Elogiou Judy – Mas essa resposta, apesar de ser uma solução, não me parece convencional... - Mordeu o lábio inferior -
– Alguns grupos – Nick falou – Tentam reduzir suas atividades antes de realizarem um grande golpe. - Disse – Isso ocorria frequentemente em Zootopia, mas assim que o DPZ achou este padrão, nunca mais aconteceram golpes. -
– Sim, havia visto isto no livro. - Judy respondeu – Mas não parece "ser" do Clang realizar o assassinato do governador... - Mantera-se – E se bem me lembro, eles reduziam as atividades enquanto alguém os supria, no caso de Brasilpia, os políticos, para então fazerem o golpe. - Concluiu – Isso continua acontecendo?
– É claro. - Confirmou Ana – Uma vez que a polícia local ainda não dá conta da bandidagem. Pena que não temos mais tanto tempo para investigar quem fornece as armas... Eu acho.
–Talvez Clang não quer matar quem imaginémos... - Nick começou – Afinal, um governo não é um governo sem outras peças.
– Você tem razão. - A chacal concordou – Dentre todas as vítimas que identificadas, temos um em especial. Iria concorrer a governador contra Lucas T, mas morreu misteriosamente antes das eleições, sendo assim, a culpa recaiu sobre Clang. - Explicou – Portanto, talvez devemos "visitar" Lucas T amanhã.
– Talvez... - Judy arriscou – É algo muito impreciso ainda. Onde Lucas T estará amanhã?
– Junto de Clang, na fábrica. - Confirmou – A cientista havia dito que animais importantes se encontram. Não me parece ser muito conveniente um político no meio do S.C.C
– E como ele já tem mandatos de prisões... - Judy raciocinou – Basta nós forçarmos ele a dizer a verdade. - O plano estava quase montado.
Tão simples como surgira. Iriam para a fábrica e prenderiam Lucas T através dos velhos mandatos em que nenhum dos PMs cumpria por medo de ser punido por Pedro L.
– Mas... - Ana recolhera o mapa conceitual – Quem vai forçá-lo?
– Bem... - Ela olhou para a chacal - Você é quem Lucas T menos despreza, eu acho. -
– Eu? - Indagou com certa hesitação e, após alguns segundos, calara-se.
– Ana? ... - Judy perguntou - Não há problemas caso não queira. Nick também pode ir. - Levava em conta todo o profissionalismo da chacal -
– Sim, sim, eu vou. - Confirmara meio desajeitada - Não se preocupem.
– Nos vemos amanhã então. Boa noite Ana, Michael - ela tomou todo o cuidado para não machucar-se novamente e desceu do enorme móvel.
– Boa noite. - Responderam os dois
Enquanto saiam daquele quarto, Judy ainda sim pensava em sua amiga de trabalho e em seu silêncio repentino. Ana parecia carregar um sentimento consigo ao silêncio. Um sentimento que todos daquele pequeno grupo temiam ter. Medo. Diferente do medo de Nick, talvez, ficara ansiosa pelo dia de amanhã que tudo havia se transformado em medo de algo dar errado. Mas, certamente, carregava isso.
Tantas coisas em apenas uma noite fazia sua cabeça doer. Não apenas a cabeça, mas o corpo igualmente e parecia tão cansado quanto Nick. Pensar em Ana, na discussão resolvida, em Clang e entre tantas outras coisas. Abriram a porta do quarto e tudo que Nick fizera fora se jogar na cama, soltando o ar de cansaço e reclamando do colchão, enquanto Judy agarrava uma pequena marmita, a qual sempre realizara para não se atrasar, para comer. Necessitava recarregar as energias.
– Entãão... - Retomara – Quem sabe não conseguimos resgatar esse tal de Matheus. -
– Espera aí Judy... - Nick ergueu-se - Não sabemos o que ele pretende. - Enunciou escondendo preocupação
– É uma testemunha chave. - ergueu uma sobrancelha - É meio óbvio o que fazer, não?
– Claro... - Respondeu obviamente - Vou dormir... - levantou-se, agarrou um pijama próximo da cômoda e o vestira. Minutos depois, estava trajado com a camiseta branca e Judy terminava de lavar uma louça.
– Boa noite Nick. - o fitou de baixo -
– Boa noite cenourinha. - a fitou de cima –
Os dois puseram-se a olhar. Uns os outros, naqueles deliciosos olhares recheados de amizade e afeição que duraram pouco, pois logo deitaram-se para outro dia.
No final das contas, para aquele dia maçante, apenas precisava de um "boa noite" a adocicar sua orelhas e sentimentos. A cama reconfortava suas costas, mas nada seria comparado àquele companheiro.
A noite pareceu passar rapidamente. Mas o medo, este de horror, ainda permanecia em um dos membros do grupo.
[Quebra de Lugar, Apartamento ao lado, Avanço de Tempo, 5:30 AM]
O relógio ao lado da enorme cama apitou novamente com o típico "bip" que despertaria qualquer um. Ao tentar desligá-lo, Ana tateou uma vez, duas, até quase cair da cama. Finalmente, apertou o botão. Qualquer animal sorriria perante o próprio erro de cair da cama ao tentar desligar um mecanismo de alarme, ainda mais para ir ao trabalho, todavia não conseguia. Levantou-se e ouvira o ronco de Michael, alto, esperava não estar incomodando aos outros por de trás daquelas paredes. Talvez, seja por isso que ninguém fosse seu vizinho?
O dia, cinzento e silencioso a perturbava. Pássaros não cantavam, o sol não iluminava e nem mesmo veículos passavam nas ruas. Decidira lavar seu rosto para acordar. Ao abrir a torneira, o barulho da cachoeira d'água formara-se, sendo agarrado e enxaguado por Ana. Limpava seus olhos, seu focinho e todo o resto. Quando se fitara no espelho, via-se a si mesma. As sobrancelhas finas e curvadas, os olhos estreitos, todavia grossos, cujo guardavam história de uma guerreira viúva e os lábios finos. Apesar de tudo isso, ainda via a si mesmo como insuficiente. Insuficiente de salvar alguém, ora insuficiente de salvar aquela que apreciava, o qual surgira após ver Clang impune tantas vezes. Definitivamente, mexia com seu psicológico de um jeito bizarro.
Olhou de relance rapidamente, remédios de tarja preta sobre sua pia. Os antidepressivos.
Erguer-se do conforto de sua cama, o bafo cálido de suas cobertas, descansando sobre seu travesseiro havia sido um desafio. Vontade tanta de permanecer deitada, inutilmente acima do morno e calmo de sua cama, para ter certeza de que nada lhe machucaria. No escuro, certamente seria melhor ainda, dando-lhe sono. Não havia preguiça nenhuma ou agrado a ela. Pelo contrário, morria-se pouco a pouco, lentamente, ali. Afinal, a depressão a enraizava nas cobertas. Isto sem contar as fotografias, escondidas, de Ruan próximos a cama, sonhando e imaginando o como seriam felizes caso não o tivesse matado.
Não era apenas seu psicológico. Sua alma estava manchada profundamente pelo venábulo do imperdoável, lacerada em seu coração, penetrando. Não merecia um perdão?
Ninguém nunca lhe respondia.
Aprontara o café rapidamente assim que saíra do banheiro com o rosto seco. Michael iria acordar em breve e estaria com fome. Tratou de pegar bebidas achocolatadas e milhares de frutas para o enorme rinoceronte. Definitivamente, alimentar incontáveis espécies deveria ser difícil para a demanda industrial e comercial de Zootopia, uma vez que nem todas se satisfaziam de pouco alimento, sendo requisitado certos tipos, como frutas ou vegetais, ou outros tipos de besteiras açucaradas. Países no Oriente como Bangladesh dificilmente davam conta de tal demanda e encontravam-se em extrema pobreza e fome. Vital importância econômica e pecuarista dava-se a Zootopia, demonstrando sinais de independência como a região das Tocas e outra região de uma vila de Pescadores ao leste da cidade.
Um copo de Zescau e uma tigela de cereal integral bastava para ela.
– Michael? - Subira no rinoceronte delicadamente – Michael, precisamos levantar.
– Aahn... - Ele gemera – Deixem comigo... Eu... Dou conta... - Balbuciava -
– Não estamos mais na guerra. - Respondeu enquanto o balançava - Já faz tempo.
– O helicóptero está... - Acordara – Sem... Combustível. - Sorrira ante ela – Bom dia... Ana.
– Bom dia grandalhão. - Retribuíra o sorriso e descera de cima dele – Sonhando com helicópteros e armamentos?
–E, se me permite dizer, comigo lhe dando cobertura! - Esfregara um pouco os olhos e bocejou, tremendo alguns talheres postos à mesa – Pelo visto, adiantou-se hein? - Vira o café servido -
–Hoje irá ser diferente. - Saíra e sentou-se à mesa – Lembre-se, não temos mais nenhum helicóptero com combustível para sairmos voando por aí. - Fez o talher voar delicadamente pelo ar enquanto sorria -
– Aaah, não preciso de um helicóptero para ser rápido! - Levantou-se e dirigiu-se ao banheiro– Diz isto por causa de meu tamanho? Saiba que não importa o tamanho, se o serzinho consegue ser alguém...
– Então não há problemas. - Comeu mais um pouco do seu cereal – Gostaria que este ditado fosse real Mike.
– Só depende de você, cara amiga. - Ele sentou-se despertado à mesa – Está pronta para a missão de hoje? - Disse com um sorriso enquanto comia algumas frutas -
– É claro! - Ana retorquiu repentinamente – Quero dizer... Um pouco. - Respondeu timidamente
– Ora, está com medo de lutar contra Clang?! - Questionou-a perplexo – Clang não passa de um animal! - Fazia a mesa tremer com alguns gestos – Honra minha cara, onde está à sua?
– Não tenho honra em vencer uma batalha Michael. - Ela bebeu um pouco da bebida – Menos ainda participar de alguma. Mas... Sinto que algo diferente vai acontecer hoje.
Michael não lutava nas batalhas, após avaliar se realmente era necessário chegar àquele ponto, sem buscar a honra e a emoção da briga. Se os sujeitos não queriam colaborar com a paz, então estariam em uma enrascada contra ele, o qual deixariam todos na cadeia, dando uma boa lição de moral e de vida enquanto levava os meliantes. Sempre atuara assim e, mesmo que os criminosos na maioria das vezes o pediam para calar a boca, alguns realmente seguiam seus conselhos e, ironicamente quando presos novamente, sabiam de cor o que ele iria falar. A honra de ganhar uma batalha e a necessidade de uma emoção batendo-lhe o peito fazia-se tanta que, segundo soldados do pelotão, Michael nunca recuou em uma batalha necessária. E nunca tinha medo.
Todavia, diferentemente de seu companheiro, Ana não buscava nem mesmo batalhar contra alguém, mesmo sabendo dos riscos profissionais, buscava resolver junta de palavras, a qual provava ser eficiente do que o punho. Definitivamente, palavras são bonitas, todavia nem todas as coisas resolviam-se à base de lindos poemas e sonetos e, ao achar-se neste ponto, não via outra solução a não ser defender-se a si mesma e, posteriormente, esquecer rapidamente o combate.
Certos combates nunca foram esquecidos por ela. A depressão e vontades inexplicáveis de permanecer na cama vinham sido exemplos disto. Não importa o conceito de forte aplicado aqui, a depressão jogava isso de lado e ignorava todos os sentidos, botando-lhe na cama.
Saíram do apartamento assim que terminaram de escovar os dentes, Michael seu chifre, e a louça. Chavearam e puseram-se a caminhar pela São Paulopia. Ana acompanhada de uma bicicleta vermelha.
Andar de bicicleta era um de seus passatempos e meio de transporte favoritos desde que havia chegado a São Paulopia há anos atrás. Mesmo após sua mudança, manteve o estranho habito, o qual a animava e lhe convinha perfeitamente, mostrando-lhe os pontos turísticos enquanto uma brisa de vento macia confortava seu rosto. Infelizmente, seu parceiro não poderia usufruir do mesmo benefício, posto que não havia ciclovias para animais de grande porte, nem bicicletas de seu tamanho na metrópole, beneficiando apenas certos animais de certos tamanhos e, caso os pequenos tentassem, certamente acabaria em desastre. Não havia problemas, pegava um trem por ali perto e ambos se encontravam no final. Preparou-se novamente, após despedir-se de Michael com um abraço apertado, cujo lhe erguera, ajeitando o capacete em suas longas orelhas e, junto de um sorriso, pedalou e deslocara-se graciosamente, sem pressa e, de vez em quando, ultrapassando alguns outros animais.
O vento no rosto, o leve sorriso e o sentimento de estar livre a faziam satisfeita por dentro. Não se comparava a felicidade, muito menos a tristeza, no entanto a permanecer satisfeita. Aprendeu a carregar pouco desde a guerra, apegando-se a simples momentos da vida, como este, os quais eram os mais belos, segundo ela. Enquanto virava à direita, na rua onde a maioria dos edifícios desapareceram, restando apenas o Rio DeEtê ao seu lado, hora outra, encontrava-se algum conhecido dos tempos mais remotos, cujo fora acolhida pelos habitantes de São Paulopia como uma refugiada. Achando Jorge, o mecânico, no caminho.
– Bom dia seu Jorge! - Cumprimentou parando ante a um sinal, um veado-mateiro enquanto passeava.
– Bom dia Ana! - Ele a respondeu surpreso por vê-la novamente – Onde vai tão apressada? - Perguntou-lhe -
Trabalho. - Respondera – Decidi inovar hoje.
Jorge, um veado-mateiro típico de Brasilpia de olhos castanhos vibrantes e olhos, juntamente de suas sobrancelhas, grosseiros, mantendo histórias e contos de como chegara até ali. Seu focinho, não sendo muito longo, ainda sim apresentava um sorriso contagiante. Era mecânico, arrumando todos os carros da Zona Leste por um bom preço, oferecendo promoções inovadoras, carregando, também, baterias e outras coisas gratuitamente a clientes de longa data. Sempre carregando um pano sujo de óleo consigo, bem trajado estava naquele dia. Conhecera Ana assim que precisou de emprego temporário. E, apesar da espécie, não tinha nenhum chifre.
– Ando precisando de uma assistente – Sorrira de canto – Sabe onde posso encontrar uma? -
–Ah, adoraria arrumar os veículos novamente! - Respondeu – Mas, sabe, quero arrumar as coisas de um jeito diferente por agora.
– Entendo. - Ele a fitou – As coisas estão realmente ficando perigosas ultimamente, bem ruim para os negócios. Se o governador ao menos fizesse algo... - Reclamou –
– Vão melhorar. - Retorquiu seriamente – Basta... Clang cair. - Disse seriamente, como se captasse algo do ar -
– Quem? - Perguntou curioso – A senhora não se avêxe com estas coisas de polícia não! Sabe que faz uma falta na comunidâde! - O sotaque era perceptível -
– ... Nada! - Ela vira a própria besteira comentada, surpresa – Jamais, e agora tenho que ir, adeus! - O sinal para ciclistas ficara verde bem a tempo da desculpa esfarrapada e acelerou sua bicicleta -
Jorge estranhou, embora tenha deixado isso de lado. Não se sabia, exatamente, quem era o líder do S.C.C, já que este havia sido preso anos atrás e, mesmo preso, ainda comandava o S.C.C pela cadeia de segurança máxima.
A comunidade da Zona Leste sentiria a falta de Ana caso partisse. Não apenas pela falta da segunda mecânica ou outra doutora nas horas vagas, no entanto todos seus feitos rodeavam a Zona Leste. Embora evitasse este tipo de coisa, impossível seria ficar sem um único rival. Acusações e preconceitos pela sua nacionalidade vinham à tona, os quais detestava ter de ouvir, argumentações sem nexo ou confusões com os conceitos errados.
Hortas comunitárias incentivadas por ela, bicos e pontas nos incontáveis comércios refutavam o fato de todos conhecerem bem e a verem com um sorriso estampado, mas, certamente, manchado por dentro e podre profundamente. Retornando o pensamento de culpa pela morte de Ruan, a tragava-lhe assustadoramente terrível, arrastando ao solo e quase perdendo o controle da bicicleta em razão disto. Arrumou-se ligeiramente e não havia atrapalhado ninguém. Por sorte.
Pensamentos como estes, por mais simplórios, eram poderosos. Poderosos demais até para influenciá-la a tomar decisões incorretas. A dominação da depressão seria gradual segundo alguns médicos, todavia para Ana era mais lento e duradouro.
Perdida nos pensamentos , fora para a ponte que interligava a Zona Leste ao Centro de São Paulopia. Aquela majestosa, suntuosa e luxuosa ponte ficava ainda mais bela à noite, junto de suas luzes ligadas iluminando seu arco condecorado de fios metálicos. Carros passavam ao seu lado, vezes outra buzinando e, mais a frente, quando saíra da ponte, parara novamente ante um sinal. Respirou fundo, adorava aquela pequena descida. Faltava pouco agora.
Sinal verde novamente, patas a realizarem força e movimentarem os pedais. Após a ponte, a reta que se estendia até virar à direita seguia-se, sem muita novidade, abarrotada de carros grandes e, ao lado, edifícios empresariais. Alguns ciclistas passaram pela sua frente, mas não se importou, o vento no rosto bastava-lhe e, nem mesmo o cheiro puro do carbono interrompia esta breve e importuna felicidade. Virando à direita, a delegacia visível estava mais à frente. O coração aquietando-se, sairá da ciclovia, indo para as calçadas e estacionara em uma das vagas para ciclovia.
Enquanto agarrava o cadeado e corrente, pensou à respeito de seu companheiro e por quê não pegava metrôs. Certamente seria uma opção mais viável e confortável para ela, tirando o fato dos metrôs serem uma lata de sardinha. Às vezes, lotavam tanto que não havia mais espaço nem para outro sujeito. Na realidade, não se sabia como, todavia, todos davam um típico jeito de se deslocar para o trabalho. A pé, com bicicletas, carros ou motocicletas. O típico "eu dou um jeito", fazia até mesmo alguns se destacarem, dando origem a comércios que alugavam bicicletas ou que, para os que tinham pouco tempo, ofereciam uma marmita em um pote. São Paulopia tinha suas particularidades, e limites para aquele povo não existia, o qual inventara até mesmo um comércio baseado em mototáxis.
– De fato, uma cidade diferente. - alguém comentou atrás dela -
– Verdade... - Respondeu e, segundos depois, virou-se para ver o sujeito – Arlindo?! - Perguntou surpresa – O-o que faz aqui? - Constrangeu-se
– A caminho do trabalho. - O gato-palheiro respondeu prontamente – Imaginava-se que não encontraria você frente à delegacia.
– E-E de fato eu não... - Comentou – Mas, espera, você ainda trabalha na Zona Leste?
– Enquanto viver, atenderei os pacientes. - Sorrira – E quanto a você? - Esta pergunta lhe pegou de surpresa.
Arlindo de Melo Silva, um dos doutores mais prestigiados de toda Zona Leste, recentemente ameaçado pelo S.C.C. Cujo o olhar calmo e harmonioso deste não falhava, jamais precisando abrir totalmente os olhos e tendo-os um pouco caído. Este do gato-palheiro sempre encantou Ana, seja pela sua azul brilhante safira ou pela calma os quais transmitiam. As orelhas, curtas, atentas para qualquer chamado de emergência e o focinho pouco alongado. Mentir-se-ia se negasse alguma quedinha pelo doutor.
– Eu... - Acabrunhou-se um pouco – Eu... tentaria, sabe? - Disse tristemente – Mas...
– Oh – ele vira seu erro e abrira ligeiramente o olhar – Desculpe-me.
– Tudo bem... - Reerguera-se – A análise? ...
–Animadora! - Replicou – Mas suspeita... Os outros nunca fazem o trabalho certamente... - Retrucara -
–Os resultados? - Apoiou em sua bicicleta -
– Quer mesmo que eu os fale? - Questionou e, com um gesto, respondera - Não vira nada na medicina semelhante aquilo. Mandei investigar no laboratório e deve levar alguns dias.
– Mas... Algo de imediato? Nenhuma cura? - O doutor aparentava não gostar de ser questionado pela preocupação da síria -
– É uma espécie de vírus, pelo que eu mesmo vi ontem à noite. - Ajeitou seus bolsos a procura de algo – Seria um erro, mesmo sabendo disto, dar um diagnóstico prévio. - Ana pareceu incomodar-se com isto.
– Nós podemos... Digo, podem identificar o vírus?
– Não. - Recusou e pôs-se caminhar – Desculpe-me Ana, mas preciso ir. Adeus. - Despediu-se e logo sumiu entre outros animais.
Pensou e repensou a respeito disto. Um vírus no corpo de uma companheira de trabalho, o qual impossibilitava-a de trabalhar. Era óbvio que Clang saberia que isto teria um efeito muito mais emocional na pequena do que físico, conhecendo-a bem, iria impedir quaisquer emoções e otimismo vindo dela, botando-a de cama para assistir sua dominação de São Paulopia. Estava desconstruindo-a pouco a pouco, assim ocorrendo uma quebra potente e fatal, a da consciência. Apesar de Judy ser forte, qualquer ser, quando descontruído aos poucos seria impotente e murcho, jamais aguentando tanto tempo nisto. Os sentimentos, vindo da consciência, morreriam ou estariam ausentes. A fraqueza e força entrariam e, nisto, o ser morreria lentamente.
Não importava tamanho, raça ou idade. Emoções e sentimentos eram o ponto fraco de qualquer um.
Caindo-lhe a ficha, não ficaria de patas atadas, não diante desta barbaridade. Iria telefonar à cientista do S.C.C, da noite passada, pedir por explicações e, quem sabe, visitar Miguel, o seu novo amigo da noite anterior.
Porquanto, entrar na delegacia, cumprimentar a atendente, vestir-se e bater o ponto bastava. Enquanto permanecia com o uniforme cinzento perto do banheiro feminino, sentia-se uma soldada dos tempos antigos novamente, carregando o seu rifle mais potente nas costas, a sensação tornava-se mais amarga e desconsoladora que antes.
– Senhora Ana? - A atendente perguntou suavemente – Pedro L lhe chama. -
– Diga a ele que já irei. - Apoiava-se na parede. Se tivesse, certamente retiraria um charuto ou algo contra a ansiosidade da depressão. Pensava na infinidade de possibilidades de Pedro L, uma bronca, elogio, uma bronca e elogio, uma nova missão e entre tantas outras.
Além, é claro, de, ao mesmo tempo, refletia sobre o vírus. Todavia, ao entrar no escritório de seu "chefe", os pensamentos viraram fumaça e desapareceram, redobrando sua atenção para, principalmente, Pedro L, sentado à mesa conversando com Nick e Judy, trajados do uniforme cinzento que, finalmente, após tanto tempo viera do tamanho certo para ambos.
– Ah, Ana! - Pedro L bradou com felicidade - Estávamos aguardando você. - Ele sorrira -
– Estavam? - Indagou fechando a porta atrás de si e olhando para os dois. A coelha assentiu. O que estava tramando naquela mente?
– Sente-se! O dia parece ser animador para cidade. - Dizia junto de convicção - Judy estava me contando que vocês irão resgatar uma testemunha chave, correto? - Olhou para a coelha
– Sim, na realidade, dependerá caso consigamos capturar Clang e forçá-lo a falar a verdade. - Apontou no mapa posto à mesa – Provavelmente... Terão outros líderes por lá, pegaremos tudo o que for necessário, com à sua permissão. - Disse prontamente -
– É claro! - Pedro L bradou novamente - Vocês dois são investigadores tão essenciais que nós da PM ficaríamos admirados se não resolvessem o caso! - Acendeu um charuto e ofereceu-o a Nick, que recusou. A fumaça saia em círculos pela sua boca. - E Ana – Apontou com o charuto. Pareceu sério de início, mas sorrira - Dê o seu melhor. - O sorriso guardava mil e uma intenções por trás -
– Desculpe... - Ela disse – Qual será minha função? - Olhou para a dupla
– Franco Atiradora é claro! - Pedro L adiantou-se, sendo corrigido pela coelha -
– Na realidade... Forçará Clang a falar a verdade. - Disse - Só falta sua resposta para esta missão, Ana. - Algo a dizia que o olhar de Judy era verdadeiro desta vez.
Sua voz falhara, mas ninguém percebera. Pegar em armas novamente, retirar vidas... Estava preparada para isso novamente? Sim. Contanto que o mundo lá fora seja um lugar melhor novamente, consideraria e faria o que fosse preciso dentro do DPZ para alcançar um mundo melhor. A firmeza nas mãos, a precisão no olhar e a instabilidade na respiração serviriam novamente após anos de abandono.
No entanto, ao olhar novamente Pedro L e seu sorriso acompanhado do charuto marrom flamejante, reconsiderava-se. Um medo, não, ideia de tudo dar errado e serem pegos por Clang através deste surgia no íntimo e a assustava num terror sem precedentes. Isto cobria seu senso de justiça e a acovardava-a. Ser presa por Clang significava, literalmente, o fim. Este a mataria da forma mais divertida e insana que arranjasse, violentamente se não tentasse algo pior antes.
– Eu... - Engoliu em seco e vira novamente Judy. - Eu... - Tornou a pegar palavras – Vou. - Disse -
– Bravo, bravo! - Pedro L comemorou – Se tivéssemos uma garrafa de vinho, abriria para vocês!
– Não bebo. - Ana o retorquiu e levantou-se. Aguardaria a dupla do lado de fora para maiores explicações.
Demoraram mais alguns minutos derradeiros para ela novamente. Judy não parecia falar a verdade, não de início, retirando a última frase. Muito menos Nick que concordaria com tal missão suicida. Guardavam o brilhantismo e a genialidade no plano maluco, os quais provavelmente deveriam ter bolados na noite passada. Surpreendia-lhe Judy ainda querer trabalhar com tantos sintomas e, de certo modo, a irritava ser contrariada. Mas como tudo, não perderia tempo a coisas tão inúteis como esta. Aquela, merecia muito mais sua afeição e sabia disto.
A porta abrira-se e dela surgira a dupla.
– Vocês querem levar isto a diante? - A preocupação visível no olhar – O que planejaram? -
– Bela atuação Ana. - Nick elogiou e esta agradeceu – Quer um bico no teatro RenaOut?
– Não estava atuando – Disse séria - Embora, algumas vezes sempre quis ser atora! - Animara-se de repente – Mas nunca conseguia a vaga... - A animação morrera e voltara a seriedade. Bipolaridade sempre lhe atacava. -
–Nós vamos prender Lucas T a fundo hoje, isto é fato. - Judy iniciou. Ana agachara-se para melhor comunicação, ficando frente a frente. - Dei uma olhadinha no histórico criminal dele quando jovem. Furtos e até tentativa de homicídio, mas acobertado quando entrou na política.
– De verdade? - Perguntou a chacal -
– Sim. - Confirmara – Até mesmo Chefe Bogo suspeitava dele quando lhe enviei a ficha online.
– Me surpreenda que ele estava de bom humor... - Nick comentou -
– Ana, acha que consegue fazê-lo falar? - Judy indagou e Ana recordou-se, momentaneamente, de quando interrogara seu marido pensando ser Basher. - Ana?
– Sim. - Disse repentinamente – C-consigo.
– Ótimo, enquanto isso, eu e Nick estaremos dentro da indústria observando Clang. Tentaremos resgatar a testemunha chave assim que eles se distraírem. - Sorrira – Alguma sugestão? - Erguera-se
– Não trombar com Clang parece ótimo. - Nick sugeriu se levantando – Sem contar que Michael poderia nos dar apoio aéreo, falando onde os soldados estarão.
–É, isso é uma boa ideia... Mas os criminosos podem... - Os dois discutiam mais ideias -
– Mas, caso tudo de errado? - Indagou Ana – Temos um plano B? -
– Se Lucas T fugir, iremos o perseguir. - Disse Judy – Apenas precisamos das provas, no caso, o áudio que gravaremos. Todos os malfeitores serão, a princípio, postos para dormir. - Violência não resolveria muito as coisas -
–Postos para dormir? - Ana pusera-se de pé - Ah, sim, claro. Serão presos depois? - Esbravejou -
– Relaxa Ana. - Recomendou Nick – Quem sabe eles não tenham mais informações. Conheço um lugar ideal para relaxar.
– Um lugar? - Interessou-se, esquecendo-se da justiça - Quer dizer, qual?
– Um clube. - Sorrira maliciosamente – Quer o endereço?
– Acho – Judy interrompera – Que ela não quer isso. - Olhara para ela - Não é? -
– Do que estão falando? - Ana indagara curiosamente, mas não recebera resposta –
– Que Pedro L nos pediu para fazer patrulhas pela Zona Oeste, não é Nick? - Bradou Judy -
– Pode ser. - Sorrira – Até mais Ana. - Ambos puseram a ir para fora da delegacia. Ela olhava a parceria dos dois, surpresa.
Ao se dar conta com quem estava e rever o plano, sentira a amizade batendo-lhe e iluminando seu peito. Dois verdadeiros companheiros, uma lhe apoiaria e permanecia sendo um animal carregado de conceitos e ideais justos e cheios de força verdadeira, a qual admirava e seguia melhorando o mundo. Os pensamentos, ansiosos a ideia de trabalhar junto a eles pela necessidade de alguém sempre lhe apoiando. vieram juntos de prazer, não podendo ver, nem de longe, a depressão, a qual sentia voluptuosamente sensações palpáveis em seu coração. Retomava uma emoção perdida no passado e manchada pelo afiado venábulo. Sentia que, poderia ser perdoada.
E, assim, retirar aquela lança maligna de si.
Aquela amizade era muito mais forte que um remédio de tarja preta.
[Quebra de Lugar, Q.G do S.C.C, Setor de Armazenamento, Avanço de Tempo, 10:38 AM]
Nenhuma armadilha fisicamente montada ou armada fora disparada tentando atingir Matheus. Por sorte. R não estava no quarto e poderia aproveitar o momento de sono sereno e tranquilo, um dos únicos refúgios emocionais a ele.
Se um sinal forte e interrupto, acordando todos os membros cujo dormiam, ressoando por todo o edifício não lhe interrompesse.
O sonido, agudo vibrante, despertara de forma caótica. Assustado, logo percebera que o som seria um simples relógio digital cumprindo sua função de cada dia. Soltara o ar presente em seus pulmões e, despertado, agarrara a foto de Rosa em seu bolso novamente. O como ela estava bonita naquela fotografia, o sorriso esbelto e o olhar formoso. Palavras teria para descrever seu amor, mas dariam mais de dois capítulos.
Tiraria-a dali, custe o que custar. Garantiria-lhe um lugar na fuga do S.C.C e, ao seu lado, derrotaria Lucas T.
Apenas não sabia como. Não pensava em assassiná-lo, todavia sempre que pensando na justiça, chegava-se a injustiça pertinente de seu país, a qual jamais puniria Lucas T. Além disto, sentia-se péssimo por dentro. Julgou previamente R sem nem saber o que passara com ele ou suas emoções.
Estava longe de ser um bom namorado para Rosa.
Levantou-se e dirigiu-se para o banheiro. Queria evitar qualquer tipo de bronca. A água renovando-lhe a cara despertou-o e trajou-se de roupas regatas rasgadas, as únicas que tinham, rapidamente saiu do quarto e vira a enorme fila de animais, grandes e pequenos, para o café da manhã.
Aquela rotina era desgastante.
O ar abafado, a pouca luz do sol e o aroma tóxico matavam-no. Enquanto caminhava em direção a única porta que dava ao pátio, percebeu a monotonia e a mesmice daquela rotina chata. Dia após dia, seguindo o paradigma de sempre. Eram como engrenagens em um sistema complexo. Se assim fosse, desejaria girar em outro sentido, inovando. Passou pelo inspetor de roupas sombrias e sentiu o sol da manhã leve tomar sua atenção. O céu vazio e o refeitório cheio.
Um grupo reunia-se em torno do refeitório e das mesas, ansiando pela comida de uma refeição matutina. Não tinha certeza se seu amigo cão iria trazer outra refeição desta vez. Sendo devorado pela fome, decidiu, ao menos, esperar para ver o que exatamente iriam lhe servir, agarrando uma bandeja da mesa.
Embora enojado através das visões do que realmente ocorria na cozinha, ao aproximar-se da cantina, sentia-se cheiros adocicados e curiosos, aparentando ingredientes naturais. Estes foram desmascarados pela gororoba laranja e borbulhante servida a ele. Restos de ontem ou anteontem, conforme Rober ditara. Sentando-se à mesa de concreto, cutucou aquilo com o garfo e uma bolha esfumaçante estourou. Parecia perder o apetite.
– Senhor Matheus? - Paul disse cordialmente ao seu lado – Bom dia. - Parecia carregar sua própria refeição -
–Bom dia Paul. - Respondeu – O que te traz aqui? -
– Achei algumas coisas legais e... - Olhou para os lados - É sobre aquilo. Posso me sentar aqui?
– Claro eu... - Mudou de ideia. Não precisava conversar com ele – Digo, onde está Rober?
– Faz tempo que não o vejo. - Retorquiu – Espero que ele não nos meta em problemas. -
– Também espero. - Terminou a conversa – Sobre a fuga... - Sussurrou – Não fale dela em público. - Confiava-se pouco nele e, com isto, reduziria ainda mais.
– Sim, eu sei... - Tornou-se a sussurrar – Mas é importante... E hoje é o grande teste.
– Grande teste? - Matheus indagou – Outra maluquice de Clang, não é?
– Claro, mas isto tomará nosso tempo... - Paul comeu um pouco da gororoba - Não temos tempo a perder, pode seguir-me depois desta delicia acabar? - Referia-se a comida -
– Isto? - Indagou Matheus apontando para a comida – Se é bom para você, tudo bem... -
– É sério, tem aparência ruim, mas é um compilado de vitaminas e energias. - Comeu outra garfada – Deveria provar. É claro, com uma salada ficaria melhor. -
Matheus estranhou a recomendação vinda de Paul, o amigo de tão pouco tempo. Apesar de sua feição aprovar a comida e parecer gostar de cada pedaço dela, não confiava inteiramente nele. Não, por enquanto. Conhecia-o a pouco tempo, visto que Paul era sério e parecia querer atingir os objetivos.
Para os lobos e para outros animais, apesar destes serem sociáveis, confiança dava-se através de seu ser. Não o que você tinha a oferecer, mas qual era seu real valor, no fundo, o como agiria perante situações de risco, seu comportamento e como você era, os quais sempre se destacaram pelo heroismo ante disto. A alma, essência, de seu ser por dentro necessitava cativar suas emoções e desejos, cuja provaria-se leal àquele, ganhando sua confiança.
Não o que você tinha a oferecer, mas sim quem você era por dentro e como portava-se importava.
Cutucando a comida com o garfo, tomou um pouco de coragem e separou um montante para comer. Quando levou à boca, sentira um gosto forte azedo perturbando sua língua e reagira. Porém, ao dissolver-se na boca, o sabor doce fino instalou-se. Até que não era tão ruim.
Ao terminar, ambos se levantaram e deixaram a bandeja próximo a lata de lixo. Os faxineiros, ou quem quer que fosse responsável por isso, limpariam o local. Ou não.
– O que quer me mostrar? - Indagou enquanto caminhava -
– Estava na sala de câmeras ontem. - Iniciara – Soube que você tinha perdido alguém e decidi investigar. - uma esperança súbita acendeu-se acima dele – E acho que a encontrei. -
– Porque estava na sala de câmeras? - Questionou -
– Digamos que pelo meu tamanho Clang me escolheu para trabalhar no sistema de... Logística. - Apontou para o prédio do dia anterior em que se aproximava. - Então, conheço este lugar. Os fios são meus filhos. - Gabou-se – Vamos lá, pode me perguntar cada coisa do local.
– Onde... - pensou por um instante em não respondé-lo – Onde estão os experimentos daquele rato mutante?
– Sala do segundo andar, ao lado da sala de câmeras. - Sorrira – Viu só? - Ele estava certo -
– Parados. - Um dos seguranças elefante anunciara ao ver os dois – Onde pensam que vão?
– Eu sou da logística. - Paul esclareceu – E ele ao meu lado é o... O... - Perdeu-se nas palavras -
Matheus pensou ligeiramente em uma resposta. Talvez, perguntar com quem estavam falando? Eles não iriam engolir uma resposta esfarrapada.
– Sou um dos visantes de João. - lembrou-se do inimigo da noite anterior – Vim aqui avisar sobre... Sobre novos PMs na região.
Os seguranças se entreolharam. João nada mais era que apenas mais um dos parceiros do dono de uma boca de tráfico, portanto, contrariar um de seus observadores, os quais vigiavam se a PM estava próxima e avisavam com um sinal de fogos de artifício, traria um enorme prejuízo. Sem questionar, permitiram a passagem.
– Então... - os dois subiam às escadas – Qual o nome do animal visto na sala de câmeras?
–É aí que eu gostaria de lhe perguntar. - Atingiam o primeiro andar – Deve ser alguém importante.
– Por quê? - Surpreendeu-se -
– Bem... Para estar deitado enquanto toma um dos nossos novos experimentos... - Concluiu e Matheus quase caíra. Novo experimento? - Deve ser alguém de valor.
– Espere, espere – Os dois pararam ante às escadarias. Pararia o mundo se fosse preciso esclarecer as coisas e pressupunha algo – Que novo experimento é este?
– Não tenho informações. - Suspirou decepcionado - Não está no sistema e somente quem vai para as solitárias conhece isto. -
Agora tudo fazia mais sentido. O que Matheus havia visto na solitária, estava sendo implantado em Rosa desde que chegou. Tornaria-se irreconhecível e acarretaria em toda uma vida. Sentiu-se cheio de um sentimento interno chamado de justiça implacável, corroendo-o arraigando-se em seus pormenores, parecendo atingir seu ponto mais fraco e inexistente até um tempo atrás. O amor. Sentia isto sendo prensado, comprimido e largado fora. Exigiu para Paul o levar para sala de câmeras o mais rápido possível. Como Clang poderia estar fazendo isto? Sentia-se idiota em acreditar a cada palavra dita pelo maníaco. Os dois apressaram-se.
– É aqui. - Paul disse chaveando a porta em uma fechadura abaixo. Existiam duas, uma acima e outra abaixo, a qual a lebre abria e destrancava a fechadura de cima.
O cômodo era largo e espaçoso, cabendo uma infinidade de computadores e tecnologia de ponta. Fios e mais fios cruzavam os chãos, tomadas nas paredes plugadas e soltando faíscas, envoltos numa escuridão tremenda onde apenas a luz dos computadores iluminava. Matheus adentrou a sala logo depois de Paul, fechando a porta.
– Câmera quarenta e dois... - Paul permanecia sentado à mesa – Onde está... - Movimentava a alavanca para movimentar – Aqui está. - a câmera registrou Rosa deitada em uma cama junto de um soro pendurado em um daqueles cabides de hospital.
– Aproxime. - Matheus pediu – O que é aquilo? - Indicou ao soro
– Gostaria de saber também. - Paul não tinha mais pistas – Talvez, isso acarrete em nossa fuga.
– Porque? - Perguntou – Pode matar?
– Se ingerido em altas doses... Creio que sim. - A lebre carregava o olhar triste – E se... Não conseguirmos? Clang pode tentar, sei lá, espirrar isso em nós.
–Nós vamos. - Matheus retorquiu firmemente - Nós vamos conseguir. - ser negativo seria o que menos precisava. - Mas antes... - Pôs-se a andar – Preciso resgatá-la. Onde ela está? -
– Espere aí! - Paul o segurou pela perna - Não podemos simplesmente tentar invadir onde ela está, é suicídio! - Afirmou – E o teste é hoje!
– Não ligo para esse teste Paul! - Matheus retrucou - É um ser vivo naquela cama! - Disse rapidamente – Rosa sairá comigo Paul, foi pra isso que eu vim. Resgatá-la. - andou até a saída, sendo interrompido pela lebre segundos depois -
– Espere... - Tornou a falar – Eu... Vou com você. - Disse erguendo o olhar – Ela está em um hospital, podemos tentar achar algo que nos proteja disso... -
– Matheus Lobato. - um dos seguranças da porta de entrada apareceu novamente – O teste inicia-se. Venha conosco. - A voz denominava ordem imperial
Matheus olhou para Paul perguntando-lhe o que fazer. Aquele lhe disse que não havia outra opção a não ser segui-lo, sendo inútil tentar resistir ou lutar contra. Matheus, mesmo desconcordando desta ideia, não conseguiu pensar a respeito de um plano.
Restava-lhe ir para o teste.
[Quebra de Lugar, Zona Leste, Comunidade Santo Antônio, Avanço de Tempo, 3:00 PM]
O sol insuportável das três horas adiantara-se. A cidade toda fervia e o ponto de encontro cujo a equipe predefinira estava localizado a dois quilômetros da dita fábrica. Durante suas rondas, não seria surpresa que não parassem de reportar incontáveis bocas de fumo e, consequentemente, levavam alguns traficantes sobre o efeito de drogas para a delegacia. Havia prendido quantos aquele dia? Estavam acostumando-se àquilo. Se passassem uma semana sem focar no caso e sim nas rondas, a cidade estaria limpa dentro de dois meses. O processo duradouro de levá-los para delegacia tornou-se cansativo e desgastante, pois sabiam que o S.C.C liberaria estes através de uma fiança barata na prisão, voltando à estaca zero.
A coelha conhecia bem este sistema. Por que iriam aceitar fiança de outros bandidos? Não lhe parecia justo. Quase nada era justo, por outro lado. Não adiantaria muito reclamar, portanto, o máximo que poderia fazer seria prender os malfeitores e, de alguma forma, enfraquecer o S.C.C pouco a pouco.
Ainda teria de lhe fazer um relatório. Tudo isto vinha à sua mente, buscando não encontrar o estresse no meio disto tudo, ao lado de seu parceiro na viatura, que dirigia atenciosamente.
– Judy, estou indo para o ponto de encontro. - Ana mencionou em um rádio portátil - Aguardo vocês lá.
– Certo. - Respondeu – Tome cuidado.
– Relaxe, afinal, vocês irão observar de perto um dos maiores vilões. - Brincou - Câmbio, desligo.
Nick a olhou quando pararam ante a um semáforo. Estavam realmente com confiança para aquilo?
Subir à comunidade sempre fora difícil para os PMS e, como Zootopia não havia tais facções ou comunidade de favelas, nunca haviam feito aquilo com maestria. O medo de frequentemente serem observados ou monitorados o fazia arrepiar os pelos, o qual sentia um medo maior de se ver sem sua parceira, sozinho, dentro das dependências da facção. Estavam no território deles agora.
Na realidade, não queria perder mais ninguém. Ninguém. O terror de não enxergar mais aquele olhar e nem aquelas broncas vinda dela lhe faziam ter pesadelos e, tentando protege-la, às vezes desencadeava uma discussão ou briga. Também não poderia colocá-la em uma coleira ou bolha de vidro.
Não deixaria que Clang encostasse um dedo nela.
– Hey – Judy lhe chamou - Não precisa ter medo. - Sorrira - Só precisamos por alguns guardas para dormir. -
– É... - Concordou – Boa Noite Cinderela sempre foi útil!
– Espero que não utilizemos nada deste tipo. - Disse – Quer dizer, é óbvio.
– Quem sabe. - Disse – Caso dê tudo errado, seremos resgatados por um grande rinoceronte. - Sorrira –
– Nick, não se preocupe. - Judy retomou – Não dará nada errado. Se Lucas T for corrupto, uma hora ou outra irá cometer um deslize e iremos prendê-lo. - Apoiou sua pata no ombro do companheiro – Por enquanto, o foco é apenas chegar na fábrica.
– Temos que subir esta montanha, não é? - Arqueou uma sobrancelha – Irei passar despercebido como uma raposa, não se preocupe cenourinha. - Sorrira – Acelerou o carro -
A coelha avisou mais uma vez a Ana sobre seu percurso. Estariam vigiando do telhado de ponto estratégico até Ana encontrar-se com Lucas T. Uma emoção forte se apossava de Judy, ansiosa, ambição e um pouco de medo da adrenalina pela missão iniciar-se logo. Desejaria ver os culpados indo a cadeia custe o que custar, para sentir, então, a sensação da justiça feita.
[Quebra de Lugar, Comunidade Santo Antônio Fábrica Abandonada, Avanço de Tempo, 3:15 PM]
Levaram exatamente quinze minutos para conseguirem subir o morro sem serem percebidos, embora os "olheiros", animais com visões ágeis, estivessem atentos e alertas. Nick passou sem muita dificuldade por entre eles.
A fábrica abandonada de Santo Antônio. Famosa para o S.C.C, mas por alguma razão desconhecida pela PM, a qual era um ponto de encontro a incontáveis negócios feito através de Clang e, diga-se de passagem, referencial para qualquer um da Zona Leste. Sua estrutura enorme, decadente e enferrujada acompanhada de chaminés terrivelmente desativadas e descaídas, destas, uma havia desmoronado dentro do edifício. O governo negava tentar desmoronar a fábrica, posto que existiam riscos de desmoronamentos. Animais do S.C.C guardavam a porta, ora lobos, ora outros espécimes maiores.
Mais acima, o veículo da PM camuflado através de um grande pano preto servia de posto de observação para a dupla. Aguardavam pacientemente dentro do veículo com um binóculo, quando Ana aparecera de supetão próxima e silenciosamente perto da fábrica.
– Ana! - Disse Nick no rádio - Tenho uma coisa importante para falar
– O que é? - Sussurou -
– Finja que está jogando Animal Gear Metal Solid! - Enunciou com certa brincadeira – Eles são furtivos!
– Por que pensei que seria uma dica... - Retrucou e Nick rira -
Ana estava atrás de um edifício e, após passar para outro silenciosamente, Judy avisara:
– Ana, há um veículo de médio porte, quatro animais vindo em sua direção. - Ana escondera-se abraçando uma parede, passando facilmente despercebida. - Boa reação!
Ela continuava. Tão furtiva e silenciosa quanto um chacal, parecia diferente da Ana de manhã. Nada que lhe interferisse, mas sua expressão tão séria e diferente aparentava outro animal. Entrara dentro de uma pequena casa e desaparecera sobre a visão dos dois.
Agora, a ação estava sendo gravada.
– Lucas T. - Ana disse nos áudios conectados ao rádio - Finalmente nos encontramos.
– Ana. - Disse cordialmente – Você, sinceramente, me assustou naquele dia em que estava com aquela raposa.
– Nick. - Mencionou – Não pude deixar de... Notar sua proposta.
– É mesmo? Aquele raposo, pode então, desaparecer?
– Não pelas minhas patas. - Recusou – Sabe o quanto é errado eliminar alguém? - Indagou com certa nojo e ira - Estou aqui porque quero o dinheiro. -
– Então, Pedro L apenas mandou-lhe investigar? - Perguntou – Aquele sujeito, que havia mencionado?
– Matheus Lobato? Sim. - Lucas T grunhiu impaciente – Mas você tem outros planos?
– Para ele? - Cuspiu as palavras - É claro. - Vociferou sombriamente - As dificuldades vêm para todos e eu estou aqui para lhe ajudar. - Lucas T rira de leve – Na vida, Ana, temos escolhas. E você fez a sua, não é? -
– O que você planeja? - Perguntou confusa – Tem medo de eu não conseguir realizar a missão? Caso eu não faça como planejado, é simples. Me abandone. - Respondeu-o friamente - Não é assim?
Lucas T rira maléficamente antes de se pronunciar:
– Ah Ana... Sabem o que as raposas e chacais têm em comum? - Provocou-a - Não dá para confiar... Em ambos. - A voz saíra tenebrosa -
– Ana? - Perguntou Judy – Ana, está me ouvindo? - Agarrou o rádio para mais perto – Droga... - Pôs a ferramenta de lado. O áudio havia sido cortado - Não é para isto acontecer. Temos que ir agora.
– Você sugere ir até lá e... - Sugeriu Nick -
– Temos nossas provas, mas não temos Ana. - Disse saindo do carro – Precisamos agir. O rádio não iria se desligar sozinho. -
– Judy... - Começou, descendo do carro - Não acha um pouco perigoso?
– Talvez. Mas se ficarmos aqui parados não acrescentará em nada. - Verificou suas pistolas – Vamos? - Indagou o olhando -
– Espere, ela mesma disse para nós a abandonarmos Judy. Não ouviu o que disse?
" - Caso eu não faça como planejado, é simples. Me abandone."
– Está brincando Nick? - Judy bradou – Precisamos resgatá-la e...
O som de duas ecoando dentro daquela casa ressoou. Alguém havia armado para cima deles. Judy olhou para Nick novamente, apressando-se.
– Você vem?! - Perguntou -
Por alguma razão, seu parceiro não sabia como responder. Silêncio.
Dentro daqueles meses, havia ocorrido uma infinidade de coisas. Ambos fitavam-se, mas não com o mesmo sentimento de antes. Realizava-se um embate silencioso e longo, cujo estendeu-se por alguns segundos. O que havia lá dentro, era uma ameaça extremamente perigosa, ocorrendo-lhe a mente por que Bogo lhes mandariam para um caso tão perigoso? Agora não era hora de teorias. Mas sim de responder a quem confiava-lhe.
Sabia que sentia algo pela coelha. Além, provavelmente, mas não sólido como desejava para si, embora o amor fosse abstrato, não o sentia verdadeiramente. Não, conhecendo a realidade lá fora, seria impossível cair nas magias e nos truques do amor, assim como suas ilusões de vida perfeita e amorosa, o qual havia sido solitário no passado. Nem mesmo Finnick, que lhe ajudava, bastava para suprir o afeto e necessidade de carinho provenientes de um pai ou mãe, perecendo todo fascínio ao amor, antes muito presente nele.
Dúvida, confiança, afeto e estima estavam postos a prova ali. Sendo questionados.
– É claro. - Respondera. Isso havia sido muito mais difícil – Porque acho que seria uma besteira não acompanhar a madame em um perigoso tiroteio. - Brincara –
– Vamos logo! - Pôs-se a correr -
[Quebra de Lugar, Fábrica Abandonada, Avanço de Tempo, 3:29 PM]
A fábrica se tornou um lugar muito mais obscuro e cercado de trevas por dentro onde a torre estava decaída. Os incontáveis guardas armados, nenhum deles de pequeno porte, carregavam consigo letais armas como a AK-48 e pistolas semi automáticas, bem como rifles de precisão no segundo andar. O meio da edificação estava posto um altar ornamentado e magnífico, cheio de pedras preciosas e lapidado invejavelmente. Mesmo que depredado, o edifício contava com rede elétrica e outros móveis postos pelo S.C.C.
Os raios de sol dourados entravam sobre uma janela central, não quebrada, todavia impecavelmente requintada com os vidros coloridos de tinturas diversas, formando assim um mosaico. Matheus aguardava em outro canto acompanhado de um guarda.
–Porque mesmo nós viemos para cá? - Matheus perguntou incomodado – Eu tenho que sair!
– Vais sair. - O guarda respondeu – Aguarde Clang.
– Vem cá, você tem outra frase além dessa? - Reclamou – Sei lá, parece um código programado.
–Tenho, mas se chamam punhos. - Rira – Quer provar?
– Você pode tentar... - Provocou pensando que poderia escapar - Você é maior que eu, não é?
– Desejaria, mas não. - Ficara de mau humor novamente -
Uma presença maligna observava tudo de cima. Clang permanecia no segundo andar de escadas, vendo todos abaixo dele. Vendo o sol se pôr através da janela de mosaicos, era a hora.
Vozes melodiosas cantavam desde do mais fino até o mais grave, misturando-se, arqueando-se em uma sinfonia teatral, a qual apenas ele poderia ouvir na mente. Parte insana decidira revelar-se agora, com cada passo calculadamente e metricamente calculado em que se dava, as vozes cantavam mais sentimentalmente, motivando-o a continuar.
Seria um erro brutal interromper aquelas vozes. Sabendo disto, o silêncio imperava sobre ele. Ninguém atrever-se-ia a dizer uma só sílaba. Matheus recordara-se de R falando na noite anterior, compreendendo. Em que Clang não enxergava o mundo como Matheus enxergava. Que, não teria cometido nenhum crime, afinal, sua religião aprovava isto como certo e os sacrifícios que eram necessários. Em sua visão, a morte era o prazer, este deveria ir além da compreensão ou da sensação emocional, necessitando ser representado através de algo, no caso, correntes, que prenderiam a mais pura essência profunda do indivíduo em cada elo de ferro forjado. Ele carregava todas correntes e, nisto, carregava-se todas as essências, ou almas, de quem matara.
"Vou continuar, até ser impedido."
Pertubou-lhe e sentiu um arrepio. Isto era perturbador e insano demais para ele. Era nestas horas que sentia falta de seu pai.
– Matheus. - Clang anunciara no meio do altar – Eu gostaria de anunciar... Não apenas para mim... - Mais dois animais trajados de uniformes diferentes e condecorados apareceram – Mas para meus mais fiéis capitães de tráfico... O portador da luz. - Sorrira maleficamente enquanto apontava uma corrente. - Afinal, vóis não sois todos portadores de ignorância e crendice? - Perguntou a todos – Pois saibam que o portador da luz veio para iluminar-nos! - Disse com convicção e animação - Ele veio para nos guiar! - Alguns o aplaudiam e outros comemoravam.
Matheus não entendia. Portador da Luz? Porque, necessariamente, ELE era o portador da luz? Não poderia ser algum outro animal? Apesar do portador da luz ser alguém sábio e de extremas habilidades, não se via, jamais, como alguém capaz de lidar com esta responsabilidade, embora tenha enfrentado longas jornadas de trabalho e obrigações. Não apenas isto, via-se apenas como um cidadão.
Entendia-se o propósito daquela reunião para além disto. Atrás do maléfico Clang, permaneciam, ao seu lado ou à mesa, capitães de tráfico e os membros importantíssimos do S.C.C. Severos e, quase nenhum sendo um mamífero com exceção de um, tinham o olhar cortante e sobrancelhas ásperas, rostos corpulentos e, em geral, expressões apáticas terríveis. Todavia, nada comparava-se ao brilho escarlate saindo dos olhos de Clang.
– Parem com isso! - Matheus ordenou e quase todos se calaram – Eu não sou portador da luz. - Começou - Realmente acreditam nisso? Acreditam nos Divines?
– É melhor você parar. - O guarda ao seu lado alertou – Clang não vai gostar e...
– Eu não ligo para Clang! - Retrucou nervosamente ao guarda - Você me pôs no meio de uma conspiração enquanto minha namorada está morrendo! - Falara – Porque não liberta esse povo? Ou os que estão na solitária?! - Questionara - Você apenas importa com si mesmo Clang. - Houve um silêncio sinistro antes de se prosseguir. - E ninguém aqui lhe segue.
– Por acaso não pensais... - Ele pôs-se a andar – Que não me importo com sua namorada? - Pausara – Hmm? Por acaso não vê que está sendo egoísta ao tentar apenas escapar do grupo? - Rebateu - Você, Matheus, é tão insano quanto eu. Na mesma medida, mas não enxerga. - Um riso parecia surgir. - E ah, Matheus, liberdade de quê? Isto é uma ilusão mais prejudicial que você acredita. -
– Liberdade é o que o povo de São Paulopia precisa. - Matheus argumentou - Você e Lucas T são idênticos... Querem poder e calar o povo. Se não é o dinheiro, o que é? -
– Não ouse fazer essa comparação! - Esbravejou – Por acaso não pensas que cada um aqui sabe os riscos que tem? Não é dinheiro, é purificação.
– Penso que não. - Rebatera – Se eles soubessem o que ocorre nas solitárias...
– O que é liberdade, Matheus? - Questionou-o, cortando - Liberdade a quem, para quem? - Indagou – Hmm? Você está livre das amarras que te impedem, como sua namorada? Livre das coisas que te impedem de pensar e progredir?
– Não ouse debochar dela. - Apontou um dedo – Liberdade não se define misturando ódio.
– Liberdade Matheus... Não é nada mais que uma ilusão. - Rira levemente - Você a sente? Lá dentro no coração? Você está atado, pequenino. Eu estou. Todos na mesma caixinha. - Sorrira – Mas este não é o problema, sabe? Nunca foi. - Deixara de lado - Gosta dela, não é? - Houve uma pausa e Matheus não confirmou nem negou. Seu olhar era frio. – Eu te fiz uma pergunta. - Repetira – Já fui como você. Mataria pela minha esposa. Mas sabe o problema com as pessoas as quais amamos Matheus? São geralmente elas, os primeiros IMBECIS a tentarem nos privar da liberdade e nos prender – Sua voz vinha com raiva bruta enquanto andava de um lado para o outro – Querem nos falar que nos amam ou que confiam em nós, mas quando aspiramos e tentamos agarrar a "liberdade", cravar nossas unhas nelas, agarrar ela, elas simplesmente querem ir contra isso, ficar no conforto de "família" e "amor" para não fazer absolutamente NADA! - O grito ecoou. – Nos tornam escravos com esta justificativa insana... - A fala havia soado melancolicamente - Mas... Sabe... - Retomou o tom sombrio - O que é liberdade, Matheus? - Fizera um sinal com as mãos e, atrás de Clang, Rosa, desacordada e encapuzada, aparecera sendo presa por um guarda.
– Rosa! - Matheus tentou ir contra ela, mas fora impedido por outro guarda o agarrando -
– É bem simples sabe? - Começara a andar no meio dos dois, subindo o altar iluminado pela janela de mosaico – O Portador da Luz fará sua escolha! - A multidão acima brandiu novamente - Deverá escolher entre retirar uma vida ou a morte de sua querida namorada! - Comemorara com gritos e urros
Não poderia acreditar. Seu mundo ruía e não sabia fazer pela primeira vez, uma escolha. Torturar alguém com família, sentimentos e inocência apenas para obter o prazer de ver Rosa viva ou ignorar isso e provavelmente vê-la morta. Não seria egoísta consigo mesmo, mas também não poderia ser injusto àquele ponto. Confundia-se internamente entre estas duas escolhas, todavia, ao ver Clang sinalizando para trazer a pobre vítima, tinha a total certeza de que esta dúvida se agravara a um nível irrefutável e impossível de ser questionado. Fácil de se pensar, difícil de fazer.
Ao segundo sinal de Clang, Pedro L apareceu carregando um sorriso quase mortal e satisfeito. Trazia uma sujeita branca e um rifle poderoso, a qual parecia ter perdido uma briga violenta e duradoura, de longas orelhas e aparência europeia. Tinha dó e sentia, um pouco, da dor dela, tendo melancolia em seu ser por aquilo. Todavia, quando fitara Pedro L e seus olhos castanhos brilhando na escuridão carregados de vilania e o puro mal, arrepiou-se quase por inteiro e o ódio interno surgira.
– Matheus... Decida-se – Clang sorrira – O Portador da Luz fará sua escolha! - Brandiu novamente -
Olhou para Clang novamente e arrependeu-se. Aqueles olhos flamejantes e ríspidos cujo redirecionava a ele e unicamente a este, penetrando-lhe, rasgando-lhe o peito, dilareçando-lhe quaisquer esperanças e bondade. Seja o que aquilo representasse, rompia-lhe até o fundo e quanto mais continuava, mais desejava sair. Tomado e dominado, aos poucos, pelo desespero. Desespero este de tomar a decisão errada. Não parecia justo realizar ato carregado de violência, não seria de seu feitio, recordando-se da noite anterior, sobre ser e tornar-se forte. Seu pai não iria querer aquilo. Todavia deixar Rosa morrer significava uma queda emocional e tão brusca que... Talvez não aguentaria emocionalmente apenas ter Rober ao seu lado, entregando-se a Clang incondicionalmente. Um emaranhado de opções criou-se nele e, pensando, minuto a minuto, em meio dos gritos e berros, decidira-se. Quase se arrependera do que diria.
– Eu... - Engoliu em seco – Eu... - Tragou o ar – Eu... -
Ao Matheus responder, os berros cessaram em um surpreendimento por inteiro e até mesmo Clang teria ficado surpreso. O prédio recheara-se do silêncio puro.
Aquela resposta era insana. Mais insana do que a própria liberdade.
" - Estamos todos atados na mesma caixinha. Eu e você, você e eu. Apenas não percebemos." - Cling Clang.
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